Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Zanin e Barroso votam contra marco temporal e placar fica 4 a 2

Zanin e Barroso votam contra marco temporal e placar fica 4 a 2

Julgamento no STF foi suspenso e volta na próxima semana. Faltam votar outros cinco ministros. Dia foi marcado por fala preconceituosa de Gilmar Mendes (Foto: Maheus Alves/Cobertura Colaborativa).


Manaus (AM) – O julgamento do marco temporal, no Supremo Tribunal Federal (STF) segue agora com o placar de 4 a 2, em desfavor da tese defendida pelos ruralistas, que querem estabelecer que as demarcações de terras indígenas só podem ser feitas para os povos que estavam em respectivos territórios, até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Até o momento, os ministros Edson Fachin, que é relator do caso, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin [que teve voto cercado de muita expectativa] e  Luís Roberto Barroso votaram contra a tese do Marco Temporal. Já os ministros Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), votaram a favor da admissão da tese. A presidente do STF, Rosa Weber, prometeu retomar o julgamento na próxima semana. Além dela, ainda faltam os votos dos ministros  Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luiz Fux.

A retomada do julgamento nesta semana foi acompanhada com muita apreensão e sentimento de esperança por indígenas que compareceram ao plenário do STF, entre eles o líder máximo, Raoni Metuktire. Do lado de fora, vários grupos de indígenas de diferentes etnias reuniram-se aguardando o resultado, entre cânticos e rituais.

Após o julgamento de hoje, a líder Alessandra Munduruku, da região do rio Tapajós, divulgou um vídeo em sua rede social, falando do resultado. Ela também acompanhou o julgamento no STF.

“Hoje tivemos dois votos. Isso faz todo o povo ficar alegre. As crianças dentro da aldeia, sabendo dessa notícia. Lá dentro (do STF) não pode falar, não pode gritar, não pode ficar em pé. Não pode filmar. Agora que saí posso gritar.  Imagino como estão os parentes Xokleng. Os povos vieram com toda força, com a floresta, com seu cântico, sua pintura, sua língua. Quando sai das nossas casas… Na outra semana tem encontro dos caciques (Munduruku), e vamos falar desse assunto tão importante”, 

O julgamento trata sobre o objeto do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral (Tema 1.031), a uma ação movida pelo Instituto do do Estado de Santa Catarina (IMA) contra o povo Xokleng que, de acordo com a entidade, ocupou uma área indígena localizada na Reserva Biológica de Sassafrás (distante 200 quilômetros de Florianópolis) após a data de promulgação da Constituição de 1988. Sendo assim, o Marco Temporal, que hoje é uma das principais bandeiras dos ruralistas, é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal.

O julgamento se arrasta no Supremo Tribunal Federal desde o ano de 2021. Em junho deste ano, ele foi suspenso por conta do pedido de vistas feito pelo ministro André Mendonça. Na ocasião, Mendonça elogiou o voto dado por Alexandre de Moraes, mas disse que precisava de “maior reflexão” para poder se manifestar.  Após o pedido de vistas, o ministro ainda levantou uma questão de ordem ao plenário virtual da Corte para saber se poderia votar ou não votar no julgamento, uma vez que o ministro verificou que assinou uma manifestação no processo enquanto era advogado-geral da União, na gestão Bolsonaro. Por unanimidade, os demais ministros votaram que Mendonça poderia, sim, votar no julgamento.

O julgamento foi retomado nesta quarta-feira (30) e foi acompanhado no plenário do STF por diversas lideranças indígenas. Além do cacique Raoni Metuktire, estavam presentes a ministra dos povos indígenas Sônia Guajajara, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, Joenia Wapichana, entre outros. Além das lideranças indígenas presentes no STF, por todo , vários povos se reuniram e se manifestaram contra a aprovação do Marco Temporal.

A continuação do julgamento se deu com a leitura do voto “quilométrico” do ministro André Mendonça que, em 200 páginas,  fez um enorme apanhado dos cinco séculos de massacre aos povos indígenas no Brasil, citando diversos autores consagrados,  para no final afirmar que “as terras brasileiras foram passadas dos povos originários à coroa portuguesa pelo Direito de Conquista”.

A declaração causou revolta. O líder indígena André Baniwa chamou, em sua rede social, Mendonça de “ministro terrivelmente cara de pau”, em alusão à alcunha de “terrivelmente evangélico”, que o Mendonça ganhou do seu “padrinho”, o ex-presidente Jair Bolsonaro.   

Na defesa de seu voto, Mendonça disse que não se tratava de “negar as atrocidades cometidas, mas antes de compreender que o olhar do passado deve ter como perspectiva a possibilidade de uma construção do presente e do futuro”, disse. “Entendo eu que essa solução é encontrada a partir da leitura do texto, e a intenção do constituinte originário foi trazer uma força estabilizadora a partir da sua promulgação”, completou o ministro.

Mendonça ainda ressaltou que o Estado deve indenizar quem, de boa-fé, comprou terra indígena, disse lembrando que a situação é de responsabilidade do poder público.  

Por conta do tempo, a leitura do voto de Mendonça só foi concluída nesta quinta-feira (31), onde apenas referendou o seu apoio à tese do Marco Temporal.  

Gilmar faz aparte preconceituoso

O ministro Gilmar Mendes na sessão plenária. (Foto: Carlos Moura/SCO/STF).

Na retomada do voto de Mendonça, o ministro Gilmar Mendes pediu um “aparte”, fazendo uso da palavra para defender mineração em terras indígenas.  Fez comparações com a exploração mineral que é feita no Canadá, pelos povos indígenas daquele país, em seus territórios. A fala do ministro foi considerada racista pelos indígenas e teve uma repercussão negativa.

“Geram essas lendas urbanas de que em toda área indígena tem minérios, riquezas minerais que não podem ser explorados, quando isso poderia ser explorado”, disse. “As maiores riquezas minerais do Canadá estão em terras indígenas e os indígenas tiram proveito disso”, completou. Mendes ainda  citou o caso do potássio em terras indígenas de Autazes. “O Brasil fechou a pequena exploração que tinha de potássio em Sergipe, e agora tem uma salvo engano, em Autazes, no Amazonas, que está em reserva indígena, não pode fazer… tem toda uma dificuldade… Não é possível. É razoável isso?”, perguntou. O território referido por Gilmar Mendes é originário do povo Mura, que luta por demarcação há 20 anos, apesar de ter mais de 200 anos de fundação.

O ministro disse ainda que, por conta do julgamento do caso Raposa Serra do Sol, hoje existem indígenas que vivem nos lixões da cidade. “Vamos aceitar Raposa Serra do Sol, mas vamos limitar esse contexto”, pediu.

A fala de Mendes sobre o líder indígena Cacique Babau, também gerou revolta e foi considerada racista. “A população dizia que havia um líder indígena que aparentemente não era indígena, um líder negro de nome Cacique Bababu, causa horror, andava de moto, carros… Tinha vindo talvez de Minas Gerais, causava um horror”, disse.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) repudiou a fala do ministro, em nota divulgada nas suas redes sociais. 

“A Apib e suas organizações repudiam de forma veemente, com a força de todos os povos e dos nossos ancestrais, as falas racistas, injustas e preconceituosas do Ministro do STF, Gilmar Mendes. Repudiamos também o racismo cometido contra o grande Cacique Babau! Nossas lideranças merecem respeito!”, disse a nota.

“Gilmar mentiu propositalmente ao dizer que os ‘índios’ da Raposa Serra do Sol estão nos lixões da cidade para questionar a importância das demarcações das Terras Indígenas. Em nenhum momento respeitou o termo “povos indígenas”, ofendendo todas as nossas comunidades. Suas posições parecem ser baseadas nas cartas dos colonizadores de 1500. Já que ele está analisando leis para “índios”, deveria pegar sua caravela e ancorar nas Índias de 5 séculos atrás”, disparou.

“É vergonhoso que um Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil se baseie em falsas e informações completamente desconexas da realidade para balizar suas posições! Exigimos respeito!”, finalizou a Apib.

O presidente do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Edinho Macuxi, também repudiu, em um vídeo divulgado pela organização, a fala do ministro Gilmar Mendes.

“Queremos dizer que os povos indígenas de Roraima não estão no lixão e nem morrendo de fome. Nós somos os maiores proprietários de gado de forma coletiva. Nós temos 70 mil cabeças de reses para alimentar nosso povo. Quero repudiar em nome dos Yanomami, quando ele diz que estão garimpando. Eles (Yanomami) estão sendo aliciados. Não vamos engolir isso, não vamos aceitar. Dessa vez ele vai perder. Nós vamos derrubar a tese do marco temporal”, disse Edinho.

“O Marco Temporal é a máxima expressão do Racismo contra nós indígenas. Tudo isso travestido de uma linguagem rebuscada e urbanidade, mas às vezes, a máscara cai. E foi isso que acabou de acontecer, Ministro Gilmar Mendes tem uma péssima colocação sobre os parentes da TI Raposa”, declarou o advogado da APIB, Maurício Terena.

Alessandra Munduruku também criticou a declaração do ministro Gilmar Mendes. “Foi muito triste a fala do Gilmar . Parecia que a gente vive como quando Pedro Álvares chegou aqui. Não estamos nos séculos passados. Estamos no século 21. Ele deve respeitar o direito dos povos indígenas, a Constituição Federal”.

O aguardado voto de Zanin

O ministro Zanin no Plenário do STF durante o julgamento do marco temporal (Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF).

O voto do mais novo membro do Supremo Tribunal Federal, o ministro Cristiano Zanin foi cercado de muita expectativa. O ex-advogado pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um voto curto e direto contra o Marco Temporal. “Verifica-se a impossibilidade de se impor qualquer marco temporal em desfavor dos povos indígenas, que possuem a proteção da posse exclusiva desde o Império”, afirmou Zanin, que esta semana, antes da votação, recebeu lideranças indígenas e também ruralistas.

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, discursou o novo ministro, que sustentou ainda que o regime jurídico na Constituição de 1988 “solapa qualquer dúvida no sentido de que a garantia da permanência dos povos indígenas nas terras tradicionalmente ocupadas é indispensável para a concretização dos direitos fundamentais básicos desses povos”, disse.

Em entrevista à Amazônia Real, o advogado Maurício Terena disse que Zanin deu um bom voto, além da expectativa. “Já o voto de (André) Mendonça fez o pior voto até o momento”, analisou.

Quem também fez um voto curto e direto contra o Marco Temporal foi o ministro Luís Roberto Barroso. “Eu extraio da decisão de Raposa Serra do Sol a visão de que não existe um marco temporal fixo e inexorável e que a ocupação tradicional também pode ser demonstrada pela persistência na reivindicação de permanência na área, por mecanismos diversos”, disse o ministro.

“Todos nós desmistificamos a ideia de que haveria um marco temporal assinalado pela presença física em 5 de outubro de 1988, reconhecendo ao revés que a tradicionalidade e a persistência da reivindicação em relação a área, mesmo que desapossada, também constituem fundamento de direito para as comunidades indígenas”, concluiu.

O ministro Barroso, em seu voto, também contestou a proposta apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes, de pagar indenizações a não indígenas retirados do território demarcado.

No início da noite desta quinta, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) divulgou nota, avaliando  como positivo o resultado, até o momento, da continuidade do julgamento da tese do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

“Os votos do ministro Zanin e Barroso trazem esperança e confiança muito grande para os povos indígenas. Mesmo com a questão das indenizações à terra nua, a proposta do ministro Zanin não impede a continuidade e abertura de novos processos demarcatórios, já que cada caso poderá ser analisado com suas particularidades. O tema do Marco Temporal parecia estar com um encaminhamento muito difícil, mas os ancestrais sempre estiveram junto aos povos indígenas e nunca nos abandonaram nos momentos difíceis. O dia é de vitória e celebração”, diz a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara.

Queda de braço com o Congresso

Aprovado o Projeto de lei (PL 2.903/2023) na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado (Foto Lula Marques/ Agência Brasil).

Enquanto o julgamento do Marco Temporal segue no STF, no Congresso, uma força contrária tenta atropelar a decisão do Supremo, transformando o Marco Temporal em Lei.  

A bancada ruralista no Senado avançou com o projeto na quarta-feira (23). Por 13 votos a 3, os senadores que controlam a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) aprovaram o Projeto de Lei  2.903/2023 (antigo PL 490). 

O texto, cuja relatora é a ex-presidenciável Soraya Thronicke (Podemos-MS), segue para apreciação pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), de onde pode ir para votação no plenário. Ainda não há uma definição de datas para a avaliação do PL na CCJ ou a retomada do julgamento do marco temporal no STF. O projeto foi aprovado em maio deste ano na Câmara dos Deputados.  


Para garantir a defesa da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, a agência de jornalismo independente e investigativa Amazônia Real não recebe recursos públicos, não recebe recursos de pessoas físicas ou jurídicas envolvidas com crime ambiental, trabalho escravo, violação dos direitos humanos e violência contra a mulher. É uma questão de coerência. Por isso, é muito importante as doações das leitoras e dos leitores para produzirmos mais reportagens sobre a realidade da Amazônia. Agradecemos o apoio de todas e todos. Doe aqui.


Republique nossos conteúdos: Os textos, fotografias e vídeos produzidos pela equipe da agência Amazônia Real estão licenciados com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional e podem ser republicados na mídia: jornais impressos, revistas, sites, blogs, livros didáticos e de literatura; com o crédito do autor e da agência Amazônia Real. Fotografias cedidas ou produzidas por outros veículos e organizações não atendem a essa licença.



As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor

Postes Recentes