Foto: Divulgação/Equipe do projeto
Um livro produzido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) une conhecimento científico e tradicional indígena sobre a biodiversidade amazônica. A parceria intercultural entre pesquisadores não indígenas e indígenas deu origem a obra ‘Espécies de Aves da Região do Rio Cubate – Terra Indígena do Alto Rio Negro’, guia com o registro de 310 espécies da comunidade indígena de Nazaré do Rio Cubate, no município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.
A obra é escrita em Nheengatu, Baniwa e Português. Para cada espécie de ave, a edição traz os alimentos consumidos e o ambiente onde é encontrada. O livro foi produzido em conjunto com a comunidade, Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e Instituto Socioambiental (ISA), como fruto de pesquisa financiada pelo Edital Biodiversa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
“Será um material para a comunidade usar na escola e para estimular a troca de conhecimento sobre as aves da região para que eles mantenham o conhecimento dos nomes e histórias das espécies e passem para as próximas gerações”, explica a pesquisadora do Inpa e coordenadora do projeto, Camila Ribas, destacando que o conhecimento reunido no livro também pode ser aplicado em futuras atividades, como o turismo de observação de aves.
Segundo Ribas, o projeto de reunir o conhecimento sobre as aves avistadas na região surgiu em 2019, a partir de uma solicitação da comunidade indígena de Nazaré do Rio Cubate. A demanda foi feita pelos representantes institucionais Isaías Pereira Fontes (Foirn) e Juvêncio Cardoso, nome não-indígena de Dzoodzo Baniwa (Organização Baniwa e Koripako Nadzoeri).
A obra foi desenvolvida dentro do projeto ‘Biogeografia de aves para conservação e desenvolvimento sustentável na Bacia do Rio Negro’ realizado de 2022 a 2024, na região do Rio Cubate financiado pela Fapeam. Além de Ribas, colaboram com a obra o pesquisador do Inpa e curador da Coleção de Aves, Mario Cohn-Haft, e os pesquisadores Fernando Horta e Ramiro Melinski, bolsistas vinculados ao Inpa durante a execução do projeto.
“Este projeto mostra que a parceria intercultural para o estudo da biodiversidade Amazônica é possível e necessária para que o conhecimento sobre biodiversidade seja cada vez melhor e mais relevante para a gestão, valorização e proteção dos territórios”, ressaltam os pesquisadores na apresentação do livro.
Os comunitários participaram de forma direta na produção do livro em colaboração com cientistas nas diversas fases da iniciativa, indo do levantamento das espécies à tradução do conteúdo para as línguas indígenas. A professora de Língua Indígena e moradora de Nazaré do Rio Cubate, Gracilene Florentino Bittencourt, trabalhou na tradução para o Nheengatu, idioma falado pelos povos indígenas Baniwa, Baré e Warekena.
A professora conta que estar integrada ao projeto ampliou seus conhecimentos sobre os pássaros que observa na região onde mora e permitiu o aprofundamento de seu conhecimento da língua Nheengatu, falada na comunidade. O processo de tradução foi executado durante um mês por Bittencourt em Manaus usando o aplicativo de teclado de línguas indígenas Linklado, que está entre os finalistas do Prêmio Jabuti 2024.
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“Essa iniciativa partiu da própria comunidade com o objetivo de conhecer e estudar sobre as aves tanto na língua portuguesa quanto no Nheengatu. Esse livro representa a valorização da cultura local e valorização da nossa língua materna, sendo muito significativo”, conta Bittencourt.
“A pesquisa reavivou a mitologia, a nossa crença, e que as futuras gerações possam entender que realmente a mitologia local existe. Nossos avós e mães, eles têm essas histórias na mente, mas às vezes não é contada e muito menos escrita, mas através desse livro, muitos jovens e crianças vão poder ler”, completa a professora.
Além das informações científicas de identificação e hábitos, a obra reúne curiosidades e histórias contadas por comunitários sobre as espécies catalogadas.
A professora Gracilene Florentino Bittencourt aponta que a possibilidade de compartilhamento de conhecimentos com os pesquisadores do Inpa vem se somar aos saberes populares da comunidade.
“O projeto foi muito importante devido ao intercâmbio de conhecimentos que tivemos, tanto científico como no conhecimento geral sobre as aves. No projeto com os pesquisadores do Inpa pudemos colocar no livro os significados dos cantos, que tem um certo sentido, dos chamados, que têm outros sentidos, e agora, com o livro, esses conhecimentos estão aprofundados e de fácil acesso”, enfatiza Bittencourt.
Uma das aves encontradas na região da comunidade é o Galo-da-Serra (Rupicola rupicola) também chamado de Galu iwitera pura, em Nheengatu; ou Makama, em Baniwa, e foi a partir do avistamento dessa espécie que surgiu o projeto. Dzoodzo Baniwa conta que a parceria das comunidades indígenas de São Gabriel da Cachoeira com o Inpa é antiga e que o trabalho que resultou no livro veio da necessidade da comunidade de Nazaré do Rio Cubate entender sobre a potencialidade e a diversidade de aves daquela região, pensando na atividade econômica de observação de aves.
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“A região do rio Cubate apresenta características específicas da paisagem, com vegetação baixa dominada por campina, coloração da água do rio escura, com formação de muitos lagos e solo arenoso. Isso dificulta apontar uma potencialidade associada à agricultura e de recursos florestais não madeireiros. Conversando mais particularmente com os diretores da Associação da Comunidade Indígena do Rio Cubate (AIRC) sobre as particularidades daquela região, relataram que existe um ambiente perto da comunidade frequentado pelas aves, com destaque para o galo-da-serra”, declara.
Para os organizadores da obra, o levantamento das espécies e as oficinas realizadas no contexto do projeto reforçam a missão do Inpa de gerar e sintetizar conhecimentos sobre a biodiversidade da Amazônia.
“A oportunidade de realizar esse estudo colaborativo solicitado pela comunidade de Nazaré do Rio Cubate reforça o papel institucional e sua relação com a sociedade Amazônica. O contato continuado entre pesquisadores indígenas e não indígenas é essencial para construir um entendimento em que sejam possíveis o diálogo e a construção de conhecimento conjunto”, ressaltam.
*Com informações do INPA
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