O luxo vem do lixo. A lixeira está cheia de luxo. (Djalma A. Moura – Educador de Dança / SP)
Entre luxo e lixo não há diferença. Há máscara. Grafia e fonética se entrelaçam, disfarçam semânticas confundindo percepções, efeitos e práticas comportamentais. Por esta via reflexiva, em 1966, o Poeta Augusto de Campos mergulhou na sincronicidade dos referidos conceitos, aparentemente opostos, e gestou o concretismo poético Lixo.
Na verdade, a oposição dos conceitos encontra-se nas vogais [i] e [u]. Luxo [luxus] provém do latim – opulência, fausto manifestados em padrões artificiais de modismos, embelezamentos, grifes, objetos, negócios… Lixo, também vem do latim [lictum] – restos, sobras, coisas consideradas inúteis e/ou sem valor apreciável produzidos por humanos; tudo o que é prejudicial e clama por eliminação. Enfim, o lixo é filho do luxo.
Registros pontuam o luxo como a máscara das classes privilegiadas: mecanismo de impor autossuficiência, superioridade, distinção sobre populações desvalidas, marginalizadas em direitos fundamentais e coletivos. É um estereótipo configurado em objetos, indumentárias, espaços residenciais, folias, cerimônias, banquetes, rituais religiosos, celebrações de várias ordens e perfis: familiares, políticas e de entretenimentos.
Por essa passarela, glamoures ofuscantes do luxo embriagam consciências, bloqueiam a criticidade social sobre a cumpliciosa relação. Na sequência, o lixo se rebela como o gêmeo marginalizado, desprezível, expurgado…
Considerando-se que luxo e lixo são frutos da mesma matriz ideológica, o lixo se transformou em sobrevivência/subvivência de populações condenadas à miséria, haja vista os processos de auto contaminações por dogmas de luxuosidades produzidos nas várias instâncias do sistema cultural, político, religioso e etc. A cada fantasia ou glamour esgotados, a cada ilusão de ótica sobram restos, farelos, dejetos – matéria prima contaminada disponível é disputada entre milhares de desvalidos, exércitos de famintos, de subservientes espalhados em periferias rastejando-se por míseras brechas sob ilusão de enganar a fome e necessidades fundamentais.
O presente desabafo flui de nossa indignação: direito de erguer a voz quando a Justiça Social é silenciada nos bastidores das mídias e dos poderes constituídos em acobertamento a cumplicidades ideológicas. Trata-se da morte de Carlenilson Andrade de Souza, 43 anos, catador de lixo (referência profissional), no lixão do Distrito Industrial de Parintins/AM, entorno da Universidade do Estado do Amazonas, na madrugada de 26/06, quando o Catador, antecipando-se a centenas de concorrentes dormira no lixão aguardando restos de luxúrias, fora atropelado brutalmente por um caminhão transportador.
Naquela noite, a Capital Brasileira do Folclore (referência à cidade de Parintins/Am) iniciava os rituais ditos folclóricos confundindo percepções sobre cultura popular e entretenimento de massa. Em decorrência, a tragédia sobre a vida de Carlenilson fora abafada por roncos ensurdecedores de tambores, de foguetes e de luxúrias festivalescas. Silêncio total sobre a sobrevivência/subvivência dos familiares da vítima
Até a elaboração desses rascunhos, nenhum murmúrio de quem de Dever e do Direito! Hipocrisia responsabilizar apenas o motorista do caminhão…
Impossível negligenciar a ausência de políticas públicas à destinação de resíduos produzidos pela população, assim como de condições justas e dignas a categorias sobreviventes/subviventes de restos de luxos descartados.
A festa acabou, a luz apagou, tambores silenciaram, mas a ressaca continua: cunhantãs em pânico com o sumiço da menstruação; nas torneiras, pinga-pinga a água contaminada; nas periferias abandonadas os urubus amenizam a podridão das lixeiras…
De resto, só silêncio! O luxo/lixo contaminando eleitores, dominando consciências e empoderando a politicagem local.
A imagem que abre este artigo mostra a obra de Iran Martins, no projeto EXcultura, instalada à margem da Estrada Odovaldo Novo, em Parintins-AM. (Foto: Floriano Lins/Amazônia Real).
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