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Mercado de carbono ‘sequestra’ discussões no Pará da COP-30

Mercado de carbono ‘sequestra’ discussões no Pará da COP-30

Ministérios Públicos federal e estadual recomendam anulação de contrato de Helder Barbalho (MDB) por falta de consulta aos povos indígenas e venda antecipada, enquanto lideranças expressam preocupações sobre o futuro do mercado de carbono na Amazônia. Na foto acima, lideranças do governo Helder Barbalho (PA) celebram a assinatura de contrato com a Coalizão LEAF (Foto: Thalmus Gama/Ag. Pará/SET, 2024).


BELÉM (PA) – Em setembro de 2024, durante a Semana do Clima de Nova York, o governador Helder Barbalho (MDB) anunciou com entusiasmo a venda de 12 milhões de toneladas de créditos de carbono a 15 dólares cada, totalizando 1 bilhão de reais. O anúncio surpreendeu lideranças como Auricelia Arapiun, coordenadora-executiva do Conselho Indígena Tapajós (Cita), que soube da decisão pela imprensa. “Fiquei indignada. Gravei um vídeo repudiando essa atitude”, lembrou. Mais uma vez, uma medida de grande impacto nos territórios tradicionais foi tomada sem a devida consulta aos povos indígenas.

O contrato firmado pelo Estado do Pará, por meio da Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará (CAAPP), com a coalizão internacional Leaf (Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance) – composta por governos como Estados Unidos, Reino Unido, Noruega, Coreia e empresas como a Amazon, Bayer, H&M Group e Fundação Walmart – passou a ser alvo de contestação. No último dia 15 de abril, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) recomendaram sua anulação. Segundo os órgãos, a negociação desrespeita a Lei nº 15.042/2024, que proíbe a venda antecipada de créditos de carbono.

O Consórcio dos Estados da Amazônia Legal é atualmente presidido pelo governador Helder Barbalho (PA) (Foto: Agência Pará).

Para o governo de Helder Barbalho, o contrato é apenas um pré-acordo, condicionado à verificação das reduções de emissões. Porém, os MPs sustentam que ele permite a revenda dos créditos a terceiros, o que viola a lei. Além disso, a própria Secretaria de (Semas) havia informado antes que o projeto REDD+ Jurisdicional do Pará ainda estava “em fase de construção”.

Nos últimos anos, o mercado de créditos de carbono tem sido vendido como uma solução para a crise climática. No entanto, por trás do discurso sustentável, possivelmente uma nova forma de exploração capitalista avança sobre terras indígenas, transformando florestas e direitos tradicionais em commodities negociáveis. No , onde vastas áreas preservadas estão sob gestão de povos originários, esse fenômeno tem se intensificado, gerando conflitos e acusações de “seqüestro verde“. 

Nos bastidores, a ausência de consulta aos povos tradicionais gerou revolta. “Não concordamos com esses acordos que estão em desalinho com a legislação e estamos tentando brecar isso judicialmente”, antecipou Auricelia Arapiun à Amazônia Real. Ela aponta que foi realizada apenas “uma oficina sobre REDD e a usaram como se fosse uma consulta”. Auricelia afirma que Helder Barbalho tem buscado acelerar esse processo para apresentá-lo durante a COP-30 como uma vitrine verde de seu governo. A reportagem fez esse questionamento ao governo, mas a pergunta foi ignorada na nota oficial de resposta (Ver abaixo).

Liderança Auricelia Arapiun (Foto_@joaopaulofotografia via @casaninjaamazonia).

Leonardo Borari, advogado indígena da aldeia Alter do Chão, em Santarém, reforça a crítica: “O que se observa é uma violação sistemática do direito à consulta e ao consentimento dos povos indígenas, acompanhada de tentativas de deslegitimação e de cooptação de lideranças”. Ele defende que a participação indígena nessas discussões deve ser plena e respeitosa. “A criação e ocupação de espaços públicos pelos parentes, embora represente um grande avanço, não pode significar a deslegitimação ou a subtração do direito à consulta e ao consentimento que cada pessoa pertencente ao povo possui.”

Mercado desregulado

Vista sobre a Floresta Nacional do Tapajós (Foto: Marielle N Smith/Divulgação).

Mesmo lideranças que veem potencial no mercado de carbono expressam reservas. Naldo Tembé, cacique do povo Tembé em Santa Luzia do Pará, região nordeste do Estado, afirma que o principal impasse está na distribuição dos recursos. “Queremos 40%, não 21% como foi oferecido. Outra coisa que está nesse pacote é que desse montante seriam extraídos os recursos para a saúde, a educação e a fiscalização. Isso é responsabilidade do Estado. Queremos que os recursos (dos créditos de carbono) sejam usados de forma integral em nossos territórios sem precisar pagar para que o Estado cumpra suas obrigações”, afirma Tembé.

Jovens lideranças também demonstram preocupação. Tanã Mura, do povo Mura de Rondônia, observa uma divisão entre quem vê no mercado uma forma de valorização do território e os que temem restrições ao uso tradicional das florestas. “Tem o povo que é contra e tem os que são favoráveis. Esses estão com uma perspectiva de valorização do território, enquanto preservação da floresta. Mas o problema é que o povo não pode utilizar o território para fazer os usos tradicionais e culturais. Tem uns parentes que estão com projetos que visam valorizar a questão da cultura, de vender o carbono, mas mantendo as práticas tradicionais com a floresta”, diz.

Créditos de carbono são certificados que representam a captura ou não emissão de gases do efeito estufa. Empresas poluidoras podem comprar esses créditos para “compensar” suas emissões, enquanto comunidades que preservam florestas — muitas delas indígenas — receberiam recursos por esse serviço ambiental.  Mas, na prática, grandes corporações, fundos de investimento e intermediários têm fechado acordos questionáveis com lideranças indígenas. 

A falta de regulamentação robusta no país tem permitido que empresas e fundos negociem créditos de carbono sem garantir os direitos das comunidades envolvidas. Há relatos de contratos com cláusulas obscuras e repasses desiguais. Em alguns casos, os contratos cedem direitos sobre o território por décadas, limitando a autonomia dos povos sobre suas próprias terras. Em casos extremos, terras indígenas têm sido usadas como ativos sem consulta ou consentimento. No Mato Grosso, a Terra Indígena Piripkura, habitada por um povo quase dizimado, virou alvo de empresas que por acordos sem transparência.

“Tenho tentado estudar essas certificadoras”, diz Auricelia. “Dizem que mesmo que meu território, no Baixo e Médio Tapajós, não aceite, a negociação será feita. Quero entender bem o que é o carbono, o que é o crédito. A gente quer compreender primeiro antes que façam a consulta. Uma coisa é o que o governo decide e outra é o que nós indígenas queremos.”

Sem partilha justa

O que muitas entidades denunciam é que na Amazônia, projetos de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) têm sido implementados sem o consentimento livre, prévio e informado, exigido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um tratado que estabelece normas para proteger os direitos dos povos indígenas e tribais, incluindo o direito à consulta, à terra, à educação, à saúde e à proteção das suas culturas. 

Fachada da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará. (Foto: Ascom/Semas-PA
Fachada da Secretaria de Meio Ambiente e do Estado do Pará. (Foto: Ascom/Semas-PA).

Algumas empresas estariam registrando créditos em terras indígenas sem repartir os lucros de forma justa, configurando uma nova modalidade de apropriação ilegítima de recursos.  Em nota enviada à Amazônia Real, a Semas  afirma que o governo do Estado “vem construindo o Sistema Jurisdicional de REDD+ do Pará com a devida transparência e inclusive já disponibiliza diversos itens da recomendação no Portal de REDD+”. Informa ainda que “em breve, serão iniciadas as ‘Consultas Prévias Livres e Informadas’ junto a comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas sobre o sistema”.

“É o mínimo que se espera desse sistema de comércio de emissões de gases de efeito estufa. Do contrário, estaríamos transformando os territórios dos povos e comunidades tradicionais em meros “sumidouros” para o lucro crescente das empresas”, diz Leonardo Borari. Ele afirma que “embora ainda esteja longe de ser plenamente adequado, o referido sistema tem evoluído — o que já representa um avanço. Destacam-se as recentes regulamentações, a implementação de programas de fiscalização e a validação dos projetos de carbono, entre outras iniciativas, complementa o advogado.

Leonardo Borari, contudo, não esconde as críticas que têm contra Barbalho. “Preocupa-me que isso não seja apenas uma oportunidade de participar ativamente de um ‘evento histórico’ (a COP-30 ocorre em novembro, em Belém) socioambiental durante o mandato, mas um favorecimento dos interesses econômicos de poucos em detrimento da vida de muitos”, aponta.

Grilagem verde

O economista e pesquisador Giliad de Souza Silva alerta que, sem regulamentação rigorosa, o mercado de carbono pode se tornar uma forma de “grilagem verde”, em que empresas se apropriam de direitos sobre florestas sem garantir benefícios às comunidades. “Além disso, há riscos de que a monetização da natureza incentive a privatização de terras coletivas, fragilizando a proteção legal dos territórios indígenas”, diz.

Pesquisador Giliad de Souza Silva (Foto: Correio o Portal de Carajás).

Uma experiência que pode indicar um caminho a ser seguido é o que tem sido feito entre os Paiter Suruí, de Rondônia. “O nosso pensamento, nosso jeito de trabalhar aqui com o projeto de carbono é com autonomia do povo. Não temos parceiros”, afirma à Amazônia Real Almir Suruí, liderança da Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal (RO). São 1.545 indígenas habitando essa terra no município.

Almir enfatiza que eles mesmos desenham o projeto indígena. “Fomos pioneiros. Nossa experiência foi boa, mas tem que ter respeito e governança”, disse. Segundo ele, os Paiter Suruí estão em consulta prévia para retomar os projetos. “E quem está fazendo a prospecção disso está sendo pago por nós.”

Ao lembrar o início da inserção do mercado de carbono entre seu povo, Almir destaca que houve um ‘profundo estudo sobre viabilidade, sobre o que seria um projeto de carbono’. “Vimos uma oportunidade de usar nosso território de forma sustentável e planejada. Temos 248 mil hectares de floresta. Entramos nesse mercado, mas num processo autorizado pelo povo Suruí”, garante. Isso resultou, segundo ele, num aprendizado teórico e prático. “Não tinha nenhuma regulamentação, nem apoio do governo brasileiro, mas o resultado econômico foi bom e pudemos utilizar os recursos para aplicar na produção sustentável de café, cacau, banana e castanha, além de termos criado vários pontos de turismo”.

Violação de direitos

Governador Helder Barbalho participa de ação de plantio de mudas em fazenda de remoção de carbono, em Mãe do Rio (PA). (Foto: Ascom/Agência Pará)
Governador Helder Barbalho participa de ação de plantio de mudas em fazenda de remoção de carbono, em Mãe do Rio (PA) (Foto: Ascom/Agência Pará)

Organizações indígenas como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ambientalistas e pesquisadores como Joyce Ikeda, doutora em Políticas Públicas, defendem que qualquer projeto de carbono deve garantir autodeterminação dos povos, transparência nos contratos, consulta livre e informada, e uma divisão justa dos recursos. “A discussão precisa incluir os povos originários não como meros fornecedores de créditos, mas como protagonistas de um modelo justo e sustentável. Caso contrário, o chamado ‘capitalismo verde’ pode se tornar mais uma ferramenta de violação de direitos em nome do lucro”, afirma Joyce. 

A pesquisadora salienta que os povos e as comunidades tradicionais devem ter o direito de exercer sua autodeterminação e poder decidir como querem viver e como querem utilizar os recursos. “Até porque a construção cosmológica dos povos tem outras dimensões completamente distintas da nossa. A natureza não é vista a partir da ideia de ‘meio ambiente’, ela é dotada de outros valores imateriais que não são levados em consideração”, explica.

Ao avaliar a evolução das discussões colocadas na mesa pelo governo paraense, Leonardo Borari avalia que até o presente momento os aspectos negativos têm se sobressaído. “O que se vê é mais uma ferramenta do sistema capitalista que avança sobre os povos indígenas, atropelando seus direitos fundamentais. O que percebo é a clara prevalência dos interesses econômicos de megacorporações e Estados, interessados nesse lucrativo mercado, sobre os direitos e interesses dos povos originários”, afirma. 

Em nota enviada à Amazônia Real no dia 23 de abril, o governo paraense não respondeu à pergunta feita se cumpriria a recomendação feita pelos dois MPs, mas garantiu estar atuando dentro do que prevê a legislação: “A Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará (CAAP) esclarece que o contrato firmado com a Coalizão Leaf é um pré-acordo que define condições comerciais futuras, sem realizar transação efetiva ou gerar obrigação de compra antes da verificação das emissões, estando dentro da legalidade.  O documento não fere a Lei nº 15.042/2024 e nem o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Cláusulas do contrato estabelecem expressa e estritamente que a venda está condicionada à verificação das reduções de emissões. Até que isso ocorra, não há obrigação financeira entre as partes, o que afasta a configuração de venda antecipada, vedada pela lei. A venda só será concluída caso os créditos sejam devidamente emitidos após a verificação de resultados”, afirma.

Área em processo de recuperação florestal na Fazenda Turmalina, em Mãe do Rio (PA) (Foto: Ascom/Agência Pará)

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