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ICMBio tem menos de R$ 0,13 para fiscalizar cada 10.000 m² de áreas protegidas

ICMBio tem menos de R$ 0,13 para fiscalizar cada 10.000 m² de áreas protegidas

Na tarde do dia 7 de março, três servidores do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) no Amapá e outros dois policiais militares saíram do município de Cutias, cidade lindeira ao rio Araguari, para uma ação de fiscalização no interior da Reserva Biológica do Lago Pirituba, unidade que sofre pressão intensa de fazendeiros, principalmente criadores de bubalinos. Eles pretendiam checar uma construção irregular dentro da Rebio. Não conseguiram chegar ao destino.

Como em muitos lugares do bioma Amazônico, as ações do ICMBio no Amapá precisam atender aos ciclos da floresta. Para chegar ao local do crime, os servidores precisavam subir o rio Araguari para, então, contornar parte da costa do estado, o que significava obedecer às fases da maré, que sobe, propiciando a navegação, somente no entardecer e no amanhecer de cada dia.

Como pretendiam chegar logo cedo ao local a ser fiscalizado, decidiram sair no dia anterior à ação, antes de o sol se pôr. Eles estavam cientes que a viagem seria longa. Com a embarcação apropriada – um barco pequeno e de motor forte, chamado voadeira –, seriam necessárias cerca de seis horas. 

Desde 2022, no entanto, a voadeira do ICMBio naquele local está quebrada. Tiveram que usar um barco maior, antigo, com a expectativa de alcançar o destino em 24 horas. Não foi o que aconteceu.

Quando chegaram em mar aberto, por volta da hora do almoço do dia 8 de março, notaram que a bomba responsável por drenar a água do porão começava a falhar. O tempo estava ruim e o mar, naturalmente agitado na costa amapaense, se encrespava ainda mais.

A partir das 14h e pelas três horas seguintes, os servidores, policiais e tripulação se revezaram na minúscula área do porão, na tentativa de tirar a água com baldes. O mar revolto fazia com que as coisas caíssem sobre suas cabeças e o corpo se chocasse contra as paredes. Foram várias as escoriações. Um dos policiais feriu gravemente uma das costelas.

“A gente fez esse trabalho, de retirar a água manualmente, das 14h às 17 h, quando realmente não conseguimos mais. A quantidade de água que entrava era muito maior do que nossas forças, até porque não era só a água que estava entrando, o barco mexia muito, jogava a gente de um lado para o outro, as coisas caiam por cima da gente. Ficamos muito machucados”, relata um dos servidores do ICMBio que estavam presentes no acidente. 

Com receio de represálias, nenhum dos envolvidos quis se identificar.

Pedir ajuda também não era uma opção. O barco não tinha equipamentos primordiais de salvatagem, como rádio comunicador, sinalizadores ou telefone satelital. O único equipamento de salvamento eram os coletes salva-vidas, já bastante surrados.

Devido à fúria da maré e a característica da costa do Amapá, cheia de bancos de areia, também não era possível voltar em direção à terra. O barco certamente emborcaria, disse o capitão. De qualquer forma, forçar o motor do barco faria com que mais água entrasse no porão.

“Eu realmente pensei que a gente ia pro fundo, porque o mar estava muito agitado mesmo, estava dando ondas que parecia que iam cobrir a gente. Foi muito complicado, uma situação de pânico, a gente sendo jogado de um lado pro outro, vomitando muito. Em alguns momentos a gente teve que engolir o próprio vômito pra conseguir ajudar a tripulação”, relata o servidor.

A partir das 18h do dia 8, o capitão da embarcação verificou que não havia mais nada a ser feito. Ele deu então o comando para que todos ajustassem seus coletes salva-vidas e se preparassem para a queda na água. Alguns começaram a chorar.

Por insistência do policial machucado, que temia não conseguirem sobreviver na violência do mar noturno do Amapá, o capitão fez mais uma tentativa de direcionar a embarcação para a costa.

“Em determinado momento, durante o pânico de uma embarcação com problemas no mar revolto,  eu aceitei que estava nos meus últimos momentos… Tivemos muita sorte. Mas não é de sorte que quero precisar quando deixo minha família para me dedicar às unidades de conservação”, relatou outro servidor presente no acidente.

Por sorte do acaso ou do destino, a embarcação conseguiu chegar a um banco de areia. A partir das 20h, a maré baixou e o barco encalhou, inclinado. Os tripulantes passaram aquela noite tentando se recompor no assoalho da embarcação. O tempo era curto, por volta das 6h da manhã seguinte, a maré voltaria a subir.

Quando os primeiros raios de sol do dia 9 de março começaram a tocar o barco do ICMBio, outros servidores do órgão – desconfiados da demora do grupo – encontraram o barco encalhado e, com a ajuda de pescadores, resgataram a tripulação. O barco, de fato, naufragou assim que a maré subiu.

Os servidores e policiais ainda tiveram de permanecer por mais uma noite na costa perto do local do acidente. Somente no domingo, um helicóptero do governo estadual resgatou os envolvidos.

Procurado por ((o))eco, o ICMBio informou que realizou o resgate “no menor tempo possível, considerando as dificuldades de acesso à área e a dependência das condições meteorológicas favoráveis” para operações com helicóptero.

“O Instituto manteve comunicação direta com os servidores, os quais confirmaram estar seguros em uma comunidade local, com acesso a água, alimentação e estrutura adequada enquanto aguardavam o resgate”, diz nota do Instituto.

Orçamento ínfimo

Na manhã de terça-feira (26), servidores da área ambiental protestaram contra a situação de precariedade que vivem os órgãos ambientais do país. Por ocasião da visita ao Brasil do presidente francês, Emmanuel Macron, os funcionários públicos ocuparam trechos do caminho a ser percorrido pelo político na capital paraense, Belém. 

Eles empunhavam faixas que diziam “Não tem Amazônia sem servidor ambiental valorizado” e “Amazônia sob risco: agentes ambientais assediados lutam para trabalhar”. Melhores condições de trabalho e recomposição de pessoal e de orçamento estão entre as principais demandas feitas pelos servidores, que têm se manifestado em diferentes ocasiões nos últimos meses.

Manifestação dos servidores da área ambiental em Belém, no dia 26 de março. Foto: Ascema Nacional

Um dos órgãos mais afetados pelo baixo orçamento é justamente o ICMBio. A Lei Orçamentária Anual para 2024 prevê apenas R$ 23 milhões para as ações de fiscalização do Instituto, por exemplo. Nesta cifra, também estão incluídas eventuais manutenções em equipamentos.

Com uma área de mais de 172 milhões de hectares para cuidar, o Instituto conta, portanto, com apenas cerca de R$ 0,13 para cada hectare a ser monitorado. A situação de precariedade é extrema, diz a Associação Nacional dos Servidores Especialistas em Meio Ambiente (Ascema Nacional).

“Além de ser um valor irrisório, a pasta ambiental sofreu um contigenciamento recente. Existe um grande déficit em estrutura, equipamentos, veículos e embarcações para as ações [de fiscalização]”, diz Cleberson Zavaski, presidente da Ascema Nacional.

Segundo ele, os servidores precisam, muitas vezes, trabalhar com equipamentos ultrapassados, vencidos e inadequados. “A gente tem uma série de condições que elevam o risco dessas operações de fiscalização. Sem falar na falta de planos de contingência. A gente já teve vários casos de colegas que, infelizmente, perderam a vida”, diz Zavaski.

Segundo ele, a mudança de governo, no início de 2023, foi importante para a retomada das ações ambientais em nível federal. O orçamento destinado a elas, no entanto, ainda está aquém da importância que o atual governo dá à pauta, diz o servidor.

“O orçamento não teve o reflexo que nós consideramos que seria necessário para garantir o que a gente retomou no ano passado, inclusive com o lançamento de novos programas. Avaliamos que ainda está muito aquém”, declara Zavaski.

Sobre as condições precárias, o ICMBio informou que “está empenhado em melhorar as condições de trabalho e os equipamentos utilizados pelos servidores ambientais que atuam na conservação da biodiversidade brasileira”.

O orçamento da pasta ambiental em 2024, sem recomposições, foi de R$ 3,6 bilhões, uma queda de 16% em relação ao ano anterior. A título de comparação, as emendas parlamentares deste ano custaram R$ 44,67 bilhões aos cofres públicos, valor 12 vezes maior do que o previsto para o meio ambiente.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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