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Fumaça das queimadas no sul do Amazonas atinge Manaus 

Fumaça das queimadas no sul do Amazonas atinge Manaus 

No primeiro dia de setembro, mês em que criminosos aproveitam o calor para queimar a floresta, o estado dispara no ranking de focos de incêndio, o que causa problemas no dia a dia da população e impacta o sistema de saúde (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace).


Manaus (AM) – Na madrugada desta sexta-feira (1º), um cheiro forte de fumaça invadiu as casas em Manaus (AM), como resultado de incêndios de grandes proporções que acontecem em Autazes e Careiro da Várzea, municípios localizados no interior do Amazonas, segundo os dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O mês começou e a temporada de queimadas, intensificada pelo fenômeno El Niño, já chega com força no estado.

Na última quinzena, o Amazonas lidera o ranking de queimadas na Amazônia. São 5.474 focos do início de agosto até agora, sendo que 4.128 ocorreram nos últimos 16 dias. Esse número corresponde a 35,4% dos focos de calor de toda a Amazônia Legal, segundo o satélite de referência do Inpe. 

“São muitos focos em Autazes e no sul de Careiro da Várzea, com vento soprando de sul-sudeste para norte-noroeste em direção a Manaus. Direção da trajetória parecida com a da pluma saindo dos focos do município de Manaquiri e chegando em Manacapuru”, explica o coordenador do Programa de Monitoramento de Queimadas e Incêndios Florestais por Satélites do Inpe, Alberto Setzer.

Nas últimas 48 horas, os números pioraram. Sete dos 10 municípios com mais focos na Amazônia Legal estão concentrados no Amazonas, de acordo com números desta sexta: Autazes (8,7%), Apuí (7,2%) e Humaitá (7%) lideram o ranking, seguidos de Maués (6%), Tefé (5,2%), Lábrea (4%) e Boca do Acre (3,5%).

Focos de calor nos municípios do Amazonas registrados no dia 1 de setembro (Foto: reprodução aplicativo Windy)

Desde o início do ano, o desmatamento tem caído na Amazônia brasileira. De janeiro até julho, a queda foi de 42,5%.  Em contrapartida, os picos de focos de calor bateram recordes em junho, mês que registrou 3.075 focos, o que não acontecia há 16 anos. 

“Hoje mesmo, vindo para cidade, o máximo que conseguimos enxergar é um metro à nossa frente por conta da fumaça. Pessoas estão fazendo queimadas para fazer campo para seu rebanho”, disse à Amazônia Real o professor Felipe Gabriel, do povo Mura da aldeia Lago do Soares, em Autazes. 

Para ele, a situação pode ter ligação com o julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) e os debates sobre territórios indígenas . Autazes, um município de perfil ruralista, trava uma luta intensa contra o reconhecimento da Terra Indígena Soares-Urucurituba, que aguarda demarcação e pertence ao povo Mura. A região está sob pressão para exploração de potássio. 

“É lamentável porque sabemos que alguns estão fazendo campos para tentar garantir seus direitos sobre as terras, com medo de serem ‘tomadas’ pelos indígenas. Nós, indígenas, não queremos expulsar ninguém”, diz Felipe. “Pelo fato de nossa cidade ser conhecida como terra do leite e, agora, como terra do potássio, as autoridades só visam a parte lucrativa. O próprio gestor do município só aparece na nossa comunidade e em algumas outras perto das eleições. O foco das autoridades é lucro. Esquecendo do essencial: saúde e educação”.

Heitor Pinheiro, analista de processamento da Fundação Vitória Amazônica (FVA), afirma que o cenário tende a piorar na região. “Essa fumaça que cobriu Manaus veio da região de Autazes, mas está generalizado, todo canto pegando fogo”. Ele ressalta que, além do sul do Amazonas, outras partes do estado, como o município de Presidente Figueiredo, têm focos de calor e estão com as brigadas voluntárias da FVA em plena ação. 

Entre os fatores que preocupam os cientistas esse ano em relação às queimadas na Amazônia está a chegada do fenômeno climático El Niño, que pode intensificar e prolongar o período de queima, fato noticiado pela Amazônia Real.

“Este ano, especialmente em função do El Niño, as florestas ficam mais secas e mais propensas ao fogo. Isso aumenta consideravelmente a dificuldade de controle desses eventos de pequenos focos de calor que podem se alastrar e se tornar incêndios maiores”, explica o coordenador executivo da FVA, Fabiano Silva. “Sem dúvida nenhuma o fato da gente estar entrando no período de El Niño forte preocupa bastante, principalmente em função da capacidade muito limitada que o estado tem de combate desses focos aqui na região de Manaus”.

De janeiro até agosto, lideram no ranking das queimadas os seguintes estados: Pará (32,3%), Amazonas (24,7%) e Mato Grosso (22,3%), seguidos de Rondônia (7,8%), Acre (5,8), Roraima (4,2%), Maranhão (2,2%), Tocantins (0.4%) e Amapá (0,4%). 

Fumaça tóxica 

A fumaça domina o dia a dia das populações amazônidas. Marilurdes Cunha da Silva, fundadora e secretária da Central das Associações Agroextrativistas do Rio Manicoré (Caarim), lida diretamente com as ameaças de grileiros que são responsáveis pelo fogo. Na semana passada, a situação era extrema em Manicoré, município que também vive no ranking das queimadas. 

“A cidade ficou coberta de fumaça, a gente teve muita dificuldade de respirar, muitas crianças adoeceram com problema de gripe, problema respiratório, foi muito complicado na semana passada. A gente não conseguia nem abrir a janela de casa a partir da meia-noite porque estava cheio de fumaça”, conta a liderança, que afirma que a situação amenizou, mas ainda continua difícil.

Jesem Orellana, epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz, ressalta como, no final, as consequências dos crimes ambientais recaem sobre as minorias e as pessoas vulneráveis.

Dr Jesem Orellana, epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Foto: César Nogueira/Amazônia Real).

“Como em quase todas as mazelas socioambientais, as queimadas, quase sempre criminosas e com amplo lastro de impunidade, impactam de forma mais negativa justamente quem não comete esses crimes, incluindo vulneráveis como crianças, idosos e pessoas com doença respiratória pré-existente”, explica. “Essas consequências são ainda maiores em populações como aquelas de municípios com precária rede de atenção à saúde, quase todos do interior do Amazonas. Indígenas e ribeirinhos, por exemplo, muitas vezes sequer têm acesso oportuno e de qualidade aos serviços de saúde”. 

Jesem afirma que pode haver uma sobrecarga no Sistema Único de Saúde (SUS), com os atendimentos médicos ambulatoriais e internações hospitalares, seja por doença respiratória ou até mesmo cardiovascular. 

“Embora não exista um padrão específico, pode ocorrer diminuição do rendimento no trabalho, prejuízo nas atividades de lazer e até mesmo repercussões psicológicas. Pode também resultar na piora de doenças pré-existentes como asma, bronquite e conjuntivite, resultando em tosse seca, sensação de falta de ar, irritação dos olhos e garganta, congestão nasal ou alergias na pele”.

O evitável

Queimada em desmatamento recente na Gleba Abelhas, uma floresta pública não destinada federal localizada no município de Canutama, Amazonas, muito próxima da TI Juma (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace).

Anualmente as cidades amazônicas são impactadas pelo desmatamento, queimadas e fumaça. É entre os meses de agosto e setembro que os registros mostram a fumaça abraçando as capitais. Por ser um fato evitável, os especialistas questionam a falta de comprometimento dos governos para mitigar o fogo. 

“Estamos falando de repercussões negativas sobre a saúde humana plenamente evitáveis e que ocorrem no coração da Amazônia em tempos de crise climática e ambiental no planeta. É inaceitável vermos estados como o Amazonas queimarem livre e impunemente a floresta, sem se importarem com a aceleração da degradação ambiental e com a saúde dos mais vulneráveis”, afirma Jesem. “No caso do Amazonas, não há nada específico e, ao mesmo tempo, efetivo. Algo lamentável, pois poderíamos ser um exemplo para a humanidade. Mas, infelizmente, somos o oposto, tal como na trágica gestão da epidemia de Covid-19 pelo governador Wilson Lima”, acrescenta o pesquisador. 

Fabiano Silva afirma que o estado precisa fortalecer a infraestrutura e as competências de combate a focos de calor. “Até onde eu tenho a informação, o estado tem um helicóptero com capacidade baixa de combate a focos de calor e a incêndios florestais e a gente precisaria na realidade quase de um equipamento desse por calha de rio”. 

Com as secas e cheias extremas, Fabiano conclui que o estado é carente de infraestrutura e equipamentos para contornar esses eventos, principalmente de seca.  “Temos feito uma pressão junto aos órgãos competentes para que o estado se estruture de maneira mais robusta para evitar que a gente tenha grandes prejuízos sociais e ambientais em relação a incêndios florestais, principalmente”. 

A respeito da qualidade do ar, Jesem explica que existem poucas estações de monitoramento da qualidade do ar no Amazonas, em geral localizadas em universidades públicas, com finalidade mais acadêmica. 

Como opções de mitigação dos impactos das queimadas, ele sugere um monitoramento permanente da qualidade do ar, fiscalização efetiva dos crimes ambientais que resultam em queimadas e a própria orientação da população e de pessoas ligadas a atividades agrícolas em relação aos riscos de atear fogo em áreas com potencial para incêndios.

O que dizem as autoridades

Queimada em desmatamento recente na Gleba Abelhas, uma floresta pública não destinada federal localizada no município de Canutama, Amazonas, muito próxima da TI Juma (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace).

A Amazônia Real entrou em contato com a Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas e com a Secretaria de Comunicação do Governo do Amazonas para saber quais medidas são tomadas em relação às queimadas e às fumaças. 

“A respeito da fumaça sobre Manaus, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente informa que é em decorrência de focos de calor registrados na região metropolitana. De 577 focos registrados em agosto na região, 194 ocorreram somente entre os dias 26 e 31, resultando na alta densidade de material particulado sobre a capital”, informou a secretaria, em nota. 

A Secretaria do Meio Ambiente acrescentou que as altas temperaturas agravadas pelo El Niño também estão relacionadas com a dificuldade de dispersão da fumaça no ar, e que há uma diminuição dos focos com relação ao mesmo período do ano  passado em 32,5% e de 21,20% de janeiro a agosto no Amazonas.

O superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) do Amazonas, Joel Araújo, informou que a competência de fiscalizar as áreas de onde vem a fumaça é do governo do Amazonas e do município.

“O Ibama trabalha no sul do estado, principalmente em áreas federais. Nos arredores de Manaus, essa competência é do município e do estado”, afirma Joel. “A não ser que se trate de terra indígena, aí é com Ibama”. 

A Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS) informou que entre os dias 13 e 26 de agosto foram notificados 150 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no Amazonas, com um aumento de 4,2% nos casos durante o período, em comparação com dias anteriores. Do total de casos, 15,3% SRAG são por outros vírus respiratórios; 14% por Covid-19; 14% não especificado; 4% por Influenza e 2% por outros agentes etiológicos. A FVS afirma que 50,7% dos casos estão em investigação.

A Prefeitura de Manaus lançou a campanha “Manaus Sem Fumaça”, para alertar a população sobre os impactos das queimadas. A administração municipal afirma que a fumaça tem origem principalmente nas atividades de agricultura familiar que existem em Manaus e nos municípios vizinhos. “Não há números expressivos de desmatamentos na área do município de Manaus. Existem pequenas intervenções na área de floresta”, diz nota da prefeitura.


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