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ToggleDesde 25 de março, lideranças indígenas ocupam a rodovia federal no Pará, exigindo a revogação da Lei 14.701/23 e o fim da Câmara de Conciliação presidida por Gilmar Mendes que ameaça ressuscitar a tese anti-indígena. Na foto acima, lideranças do povo Munduruku protestam há mais de uma semana na BR-230 (Fotos: @olharnativodaamazonia / @coletivoindigenakirimbawaita).
Manaus (AM) – Há mais de uma semana as cacicas, caciques, pajés e lideranças do povo Munduruku mantêm o bloqueio da BR-230 em Itaituba, no Pará, em luta contra a tentativa de ressuscitar o marco temporal. O protesto em um trecho da estrada, iniciado em 25 de março, é uma resposta à Lei 14.701/23, que estabelece que os povos indígenas só teriam direito à demarcação de suas terras se estivessem ocupando-as até outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Os Munduruku exigem a revogação da lei que ameaça direitos territoriais indígenas e o fim da Câmara de Conciliação sobre o tema, conduzida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Eles afirmam que o processo não garante a participação efetiva dos povos originários. Sem respostas das autoridades, intensificaram a manifestação e afirmam que permanecerão com o bloqueio da BR-230 por tempo indeterminado. Indígenas dos Alto, Médio e Baixo Tapajós participam da ocupação.
“A gente está ocupando [a estrada], mas nada de resposta ainda. Estamos na luta e vamos continuar. Não tem prazo determinado, vamos seguir enquanto o ministro Gilmar Mendes não nos ouvir. Estamos aqui na luta”, declarou à Amazônia Real Maria Leusa Munduruku, liderança indígena e cofundadora da Associação de Mulheres Wakoborũn.
Desde o início do bloqueio da BR-230, os indígenas Munduruku denunciam ter sido alvos frequentes de violência. As agressões aumentaram com o passar dos dias, incluindo o arremesso de pedras e ameaças verbais. A situação atingiu um nível crítico quando caminhoneiros dispararam armas de fogo contra o acampamento indígena, sem deixar feridos.
Além dos ataques físicos, os Munduruku relatam manobras perigosas realizadas por veículos pesados, que avançam contra os manifestantes, entre eles crianças, gestantes e idosos indígenas. O bloqueio da BR-230, conhecida como Transamazônica, ocorre em um ponto estratégico, no cruzamento com a BR-163, na região do rio Tapajós, no sudoeste do Pará. Essa rodovia é rota essencial para o escoamento da produção do agronegócio da região Centro-Oeste, com acesso direto ao porto de Miritituba.
As lideranças denunciam que, mesmo após a liberação noturna da rodovia em respeito a decisões judiciais, os ataques continuaram. Desde 25 de março, os bloqueios da BR-230 são realizados diariamente, sendo interrompidos à noite e restabelecidos ao amanhecer. Durante a mobilização, as lideranças garantem a passagem de ambulâncias, pessoas doentes e cargas vivas, bloqueando apenas a circulação de outros veículos, sobretudo os de carga.
Os manifestantes solicitaram providências das autoridades para garantir sua segurança e o direito à manifestação pacífica. “Caso nosso povo sofra consequências ainda mais graves, atribuímos a responsabilidade ao STF e toda Câmara de Conciliação convocada pelo ministro Gilmar Mendes para negociar nossos direitos, que insiste em nos ignorar como sujeitos de direitos”, diz a última carta-manifesto divulgada pelas lideranças indígenas.
Reintegração de posse

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu na última quarta-feira (26) contra a decisão judicial que determinou a reintegração de posse da rodovia BR-230, ocupada pelos manifestantes indígenas. No recurso, o MPF argumenta que a decisão da Justiça Federal falha ao não considerar a necessidade de um diálogo interétnico e intercultural, conforme previsto em resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além de desconsiderar as exigências legais para ações de posse coletivas envolvendo populações vulneráveis.
O MPF também aponta que a decisão não leva em conta o direito de manifestação em espaços públicos, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), em contraste com o direito à livre circulação.
A mobilização dos Munduruku começou um dia antes da retomada das atividades da mesa de conciliação, em 27 de março, no STF. Os debates haviam sido suspensos por um mês a pedido da União. Uma nova audiência foi marcada para esta quarta-feira (2), e caso a Câmara de Conciliação chegue a um acordo, a proposta será submetida ao plenário do STF. Se aprovada, poderá ser encaminhada ao Congresso.
Mesmo com a retirada de um trecho do anteprojeto que propõe a alteração da Lei 14.701/23 e que previa a exploração de recursos minerais em territórios indígenas, a Câmara de Conciliação sobre a Lei do Marco Temporal é vista como uma ameaça para os Munduruku. Em carta divulgada na segunda-feira (31), as lideranças do Movimento Munduruku Ipereğ Ayũ reforçaram suas demandas e cobraram por uma audiência urgente com o ministro Gilmar Mendes.“Tentam ainda nos enganar ao retirar a mineração da pauta, mas mantêm múltiplos ataques à nossa existência, o que não aceitaremos”, diz um trecho da carta.
Faltam demarcações

O povo Munduruku trava uma luta histórica em defesa das terras indígenas Sawré Ba’pim e Sawré Muybu, localizados na área do Médio Rio Tapajós, nas cidades paraenses de Itaituba e Trairão. As demarcações desses territórios ancestrais estão ameaçadas ou paralisadas.
Durante o último dia do Acampamento Terra Livre (ATL), em abril de 2023, Joenia Wapichana, presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), assinou os Despachos Decisórios que reconheceram a Terra Indígena Sawre Ba’pim como ocupação tradicional dos Munduruku. A identificação e a delimitação do território pela Funai é o primeiro passo do procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, regido pelo Decreto 1.775/1996, que efetiva os direitos territoriais.
Depois de mais de 17 anos de luta, em setembro de 2024 o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, assinou a Portaria 779/2024, demarcando e declarando a posse permanente do povo Munduruku sobre a Terra Indígena Sawré Muybu. A assinatura ocorreu em Brasília e contou com a presença do cacique Juarez Munduruku, liderança histórica que há anos alerta para os riscos do avanço do garimpo e do desmatamento na região. A TI Sawré Muybu é considerada emblemática devido às ameaças constantes de garimpo ilegal e empreendimentos do agronegócio. A próxima etapa é a homologação pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda sem data definida.
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