Desmatamento
O desmatamento na Amazônia está sendo feito por vários motivos e tipos de ator, que diferem entre diferentes partes da região e, em qualquer dado local, em diferentes momentos históricos [1-3]. A maior parte está sendo feita pelos ricos, e não pelos pobres desmatando para se alimentar, como muitas vezes é alegado em discurso político. O desmatamento gera dinheiro não apenas pela produção agropecuária, mas também pela valorização da terra para revenda. O grosso da área desmatada se torna pastagem. Soja também é uma força importante, mas grande parte do seu impacto é indireta e acaba não sendo reconhecido como resultado da soja. Ao invés de derrubar floresta para plantar soja, muitas das novas plantações de soja estão sendo feitas em áreas de pastagem. O efeito de um hectare de pastagem vendido para um planador de soja pode ser até maior que desmatar um hectare diretamente para a soja, pois os pecuaristas vendem as suas terras para plantadores de soja, por exemplo em Mato Grosso, e com o dinheiro compram áreas muito maiores de floresta barata no Pará, que é desmatada para pastagens [4, 5].
O desmatamento atualmente está saindo do tradicional “arco de desmatamento” nas bordas sul e leste da floresta e está entrando rapidamente no estado do Amazonas. A explosão de desmatamento e queimadas no sul do Amazonas é o que se espera com o desmonte dos órgãos ambientais e a quase total paralização de fiscalização e punição por violações das leis ambientais desde 2019 (e.g., [6, 7]). Nesta área há uma rápida invasão de terras públicas não designadas (“terras devolutas”) por grileiros, transformando a área em fazendas de pecuária [8-10]. Há também uma substituição dos pequenos agricultores em projetos de assentamento por pecuaristas capitalizados que compram vários lotes dos assentados originais para formar fazendas médias e grandes, assim provocando a migração dos agricultores que venderem os seus lotes para novas fronteiras de desmatamento, como a BR-319 (e.g., [11-13]).
BR-319
O rápido avanço do desmatamento e queimada sul do estado do Amazonas é uma alerta para o futuro provável em vastas áreas de floresta que estão prestes a serem abertas pelas rodovias planejadas, principalmente a BR-319 (Manaus-Porto Velho) e estradas laterais planejadas como a AM-366, que abriria a área a oeste do rio Purus – a “região Trans-Purus” [14]. Os atores e processos nas frentes de desmatamento nos municípios de Apuí, Boca do Acre e o sul de Lábrea, e o Distrito de Matupi, podem migrar para as novas áreas de floresta, principalmente em terras públicas não destinadas, que são as mais atraentes a grileiros e outros atores. Esta migração para a BR-319 já está ocorrendo a partir de Apuí e Matupi (no sul do Amazonas), e de Rondônia [15]. A BR-319 foi construída em 1972-1973 e abandonada em 1988, mas desde 2015 tem sido gradativamente melhorada por um programa de “manutenção”.
O projeto de “reconstrução” da BR-319 recebeu sua licença prévia do IBAMA em setembro de 2022, mas ainda não foi aprovada a licença de instalação que autorizaria a obra. As diversas ilegalidades, inclusive a falta de consulta aos povos indígenas impactados [16], não têm impedido o avanço do projeto. Há forte pressão política para a obra, sempre alegando que teria governança para controlar o desmatamento [17]. No entanto a atual estrada é essencialmente uma terra sem lei hoje [18, 19], e o custo seria astronômica de controlar o desmatamento não só ao longo da BR-319 em si, mas também nas outras áreas que receberiam a migração do arco de desmatamento: Roraima e outras áreas já conectadas a Manaus por estrada e a vasta área que seria aberta na Região Trans-Purus.
A construção da AM-366, abrindo a Região Trans-Purus a partir da BR-319 [20], já recebe apoio de um grupo de lobby chamado “Amigos da BR-319” [21]. Também é provável que a AM-366 ganhe prioridade devido ao planejado projeto de exploração de gás e petróleo na área em questão, onde os primeiros 16 blocos já foram vendidos para a empresa russa Rosneft [22], e a influência dessa empresa ser aumentada pela sua conexão com o presidente Putin, da Rússia [23]. O desmatamento desta área seria catastrófico devido ao seu enorme estoque de carbono e seu papel chave na reciclagem de água (e.g., [24].[25]
Notas
[1] Fearnside, P.M. 2008. The roles and movements of actors in the deforestation of Brazilian Amazonia. Ecology and Society 13(1): art. 23.
[2] Fearnside, P.M. 2021. O desmatamento da Amazônia. Amazônia Real-Série Completa.
[3] Fearnside, P.M. (ed.) 2022. Destruição e Conservação da Floresta Amazônica. Editora do INPA, Manaus, AM. 356 pp.
[4] Arima, E.Y., P. Richards, R. Walker & M.M. Caldas 2011. Statistical confirmation of indirect land use change in the Brazilian Amazon. Environmental Research Letters 6: art. 024010.
[5] Richards, P.D., R. Walker & E.Y. Arima 2014. Spatially complex land change: The Indirect effect of Brazil’s agricultural sector on land use in Amazonia. Global Environmental Change 29: 1-9.
[6] da Silva, M.D. & P.M. Fearnside 2022. Brasil: Meio ambiente sob ataque no Governo Bolsonaro. Amazônia Real, 04 de outubro de 2022.
[7] Ruaro, R., G.H.Z. Alves, L. Tonella, L. Ferrante & P.M. Fearnside 2022. Afrouxamento do licenciamento ambiental. Amazônia Real, série completa.
[8] Carrero, G.C. & P.M. Fearnside 2022. Dinâmica de uso da terra e a expansão de propriedades rurais em Apuí, um hotspot do desmatamento na Rodovia Transamazônica. p. 329-345. In: Fearnside, P.M. (ed.) Destruição e Conservação da Floresta Amazônica. Editora do INPA, Manaus. 356 p.
[9] Carrero, G.C., R.T. Walker, C.S. Simmons & P.M. Fearnside 2023. Grilagem de terras na Amazônia brasileira. Amazônia Real. Série completa.
[10] Yanai, A.M., P.M.L.A. Graça, L.G. Ziccardi, M.I.S. Escada & P.M. Fearnside 2022. Desmatamento em terras públicas não destinadas. Amazônia Real. Série completa.
[11] Carrero, G.C. & P.M. Fearnside 2022. Dinâmica de uso da terra e a expansão de propriedades rurais em Apuí, um hotspot do desmatamento na Rodovia Transamazônica. p. 329-345. In: P.M. Fearnside (ed.) Destruição e Conservação da Floresta Amazônica. Editora do INPA, Manaus. 356 p.
[12] Carrero, G.C., P.M. Fearnside, D.R. do Valle & C.S. Alves 2020. Deforestation trajectories on a development frontier in the Brazilian Amazon: 35 years of settlement colonization, policy and economic shifts, and land accumulation. Environmental Management 66: 966–984.
[13] Yanai, A.M., P.M.L.A. Graça, M.I.S. Escada, L.G. Ziccardi & P.M. Fearnside 2020. Deforestation dynamics in Brazil’s Amazonian settlements: Effects of land-tenure concentration. Journal of Environmental Management 268: art. 110555.
[14] Fearnside, P.M., L. Ferrante, A.M. Yanai & M.A. Isaac Júnior 2020. Trans-Purus, a última floresta intacta. Amazônia Real.
[15] Fearnside, P.M. 2022. Por que a rodovia BR-319 é tão prejudicial. Amazônia Real, série completa.
[16] Ferrante, L., M. Gomes & P.M. Fearnside 2020. BR-319 ameaça povos indígenas. Série Amazônia Real.
[17] Fearnside, P.M. 2024. Impactos da rodovia BR-319. Amazônia Real, Série completa.
[18] Andrade, M.B.T., L. Ferrante & P.M Fearnside 2021. A rodovia BR-319, do Brasil, demonstra uma falta crucial de governança ambiental na Amazônia. Amazônia Real, 02 de março de 2021.
[19] Ferrante, L., M.B.T. Andrade & P.M. Fearnside 2021. Grilagem na rodovia BR-319. Amazônia Real-Série completa.
[20] Santos, J.L., A.M. Yanai, P.M.L.A. Graça, F.W.S. Correia & P.M. Fearnside 2023. Amazon deforestation: Simulated impact of Brazil’s proposed BR-319 highway project. Impacto simulado da BR-319. Amazônia Real, Série completa.
[21] Amazonas em Tempo 2022. Amigos da BR-319 propõem volta do DER-AM, ponte sobre o Solimões e rodovia ‘Transpurus’. Amazonas em Tempo. 20 de setembro de 2022.
[22] Fearnside, P.M. 2020. Os riscos do projeto de gás e petróleo “Área Sedimentar do Solimões”. Amazônia Real, 12 de março de 2020.
[23] Fearnside, P.M. 2022. Por que a rodovia BR-319 é tão prejudicial. Amazônia Real, série completa.
[24] Ferrante, L., M.B.T. de Andrade, L. Leite, C.A. Silva Junior, M. Lima, M.G. Coelho Junior, E.C. da Silva Neto, D. Campolina, K. Carolino, L.M. Diele-Viegas, E.J.A.L. Pereira & P.M. Fearnside 2021. Brazil’s Highway BR-319: BR-319: O caminho para o colapso da Amazônia e a violação dos direitos indígenas. Amazônia Real.
[25] Esta série é uma atualização de: Fearnside, P.M. 2022. Ameaças aos serviços ambientais da Amazônia. p. 28-35 In: C.W.N. Moura & G.H. Shimizu (eds.) Botânica: Para Que e Para Quem?: Desafios, Avanços e Perspectivas na Sociedade Contemporânea. Sociedade Botânica do Brasil, Brasília, DF. 517 p.
A foto que abre este artigo mostra focos de calor próximos à área com registro de desmatamento no Prodes, em Nova Maringá (MT) (Foto: Crhistian Braga/Greenpeace/ 07/2020).
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