Cientistas arregaçaram as mangas e vêm ajudando a melhorar a qualidade da água e recuperar a biodiversidade em trechos de rios na Inglaterra e no Brasil. Usando materiais encontrados nos próprios cursos d’água e serviços naturais, as técnicas poderiam ser disseminadas nacional e globalmente.
Nascida e criada em Vitória (ES), uma das capitais brasileiras bem servida de áreas verdes e políticas públicas amigáveis à natureza, Carolina Orlandi rumou em 2002 para estudos em Londres, a frenética capital inglesa hoje com mais de 9 milhões de moradores.
Já cursando Ciências Ambientais na Universidade de Kingston, conheceu a restauração do Rio Wandle, poluído desde a Revolução Industrial, na segunda metade do Século 18. Esforços nos anos 1990 devolveram as águas cristalinas a trechos desse afluente do Rio Tâmisa, a maior fonte de água londrina.
“É um exemplo para a União Europeia e o mundo de que recuperar rios é possível, mesmo com ainda muitas indústrias ao longo do Wandle”, avalia a também mestre em Hidrologia e Ciência dos Recursos Hídricos, pela Universidade de Queen Mary.
De lá para cá, a cientista segue firme nesses trilhos e coordena hoje uma equipe na ong Thames21, focada em limpar e reabilitar rios e córregos de Londres. O trabalho envolve anualmente cerca de 7 mil voluntários, diz a entidade.
Premiada este ano com o UK River Prize, o mais importante do setor no Reino Unido, a restauração de trecho do Rio Rom reduziu riscos de inundações para moradores resgatando antigos banhados e trouxe de volta uma biodiversidade há tempos não vista.
O trabalho durou 6 anos e usou troncos e galhos do próprio rio para criar ambientes amigáveis a peixes e outros seres e devolver alguns contornos naturais. Ao longo dos séculos, esse e outros cursos d’água foram canalizados e retificados tentando ajustá-los ao crescimento das cidades.
“Escavações, mapas históricos e sondagens topográficas nos mostraram por onde o Rom corria naturalmente e onde era mais necessário recuperá-lo”, diz Carolina Orlandi. A revitalização também reaproximou a população do subúrbio de Romford do manancial e das áreas verdes.
De tão bem sucedida, a iniciativa deve ganhar mais espaço na União Europeia, pois entrou na carteira de casos positivos do Centro Europeu de Restauração de Rios (ECRR, sigla em Inglês). Enquanto isso, já pode ser conferida em rios e córregos brasileiros.
A técnica aprimorada em Londres ajuda a restaurar trechos do Gualaxo do Norte, um afluente do Rio Doce, esse atingido em 2015 pelo despejo de rejeitos de mineração da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), das empresas Samarco, Vale e BHP Billiton.
Já no Espírito Santo, a revitalização do Rio Mangaraí melhorou a qualidade e aumentou a quantidade de água para a capital Vitória. O esforço fez saltar a abundância de peixes em 70% e até o cascudinho Euryochus tysanos, antes restrito ao sul da Bahia, apareceu no manancial capixaba.
“Aves, répteis, anfíbios e mamíferos como a lontra (Lontra longicaudis) e a cuíca-d’água (Chironectes minimus) são beneficiados e usam os meandros e cantinhos criados pelos troncos e galhos para se proteger e procriar”, detalha Carolina Orlandi. Em 2016, a iniciativa conquistou o 1° lugar do Prêmio Ecologia, do governo estadual, na Categoria Inovação em Soluções para a Gestão da Água – Foco Empresarial. O projeto foi uma parceria da Agência Ambiental Londrina, Centro Inglês de Restauração de Rios e consultoria Aplysia.
Os resultados também renderam à Carolina a Comenda Domingos Martins, a maior reverência da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, este ano. “É uma homenagem a pessoas que contribuíram com a sociedade capixaba”, diz o propositor da comenda, o deputado estadual Fabrício Gandini (PSD).
Já a pós-doutora em Biologia da Conservação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e professora na pós-graduação em Biologia na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Luísa Soares Filho, lembra que recuperar a vegetação também ajuda a dar uma nova vida aos rios.
É o que ela, outros cientistas e inúmeros voluntários vêm fazendo há uma década ao longo de cursos d’água como os córregos dos Colibris e da Tiririca, que cruzam Niterói (RJ) até as lagoas de Itaipu e Piratininga. “Havia uma situação dramática com despejo de esgoto e falta de mata ciliar”, conta.
Para aliviar esse drama, usam a chamada “agricultura sintrópica”, onde processos naturais são aproveitados e o crescimento de árvores como o pau-brasil é protegido por plantas de vida curta, como feijão-de-porco, aipim e arbustos.
O mesmo tipo de parceria alcança as comunidades beneficiadas pela restauração ecológica. Numa vila de pescadores na baiana Curumuxatiba, moradores valorizam e ajudam a conservar a variedade de peixes depois de ajudar na recuperação de córregos regionais.
“É um sistema de cooperação entre as plantas e as pessoas, com os mesmos princípios da natureza. Isso pode ser replicado em qualquer bioma”, assegura Luísa, coordenadora do projeto Nossos Riachos, focado na Mata Atlântica.
As mudanças são evidentes. A paisagem nos trechos recuperados ganhou uma ampla roupagem verde, a terra está mais fértil, a biodiversidade de aves, peixes e outros animais cresceu a olhos vistos e, tão importante quanto, os córregos estão mais limpos.
Revitalizar rios é indispensável para um país que sofre com enchentes e secas e, há 5 anos, já somava quase 84 mil km de rios poluídos, mostra um levantamento da Agência Nacional de Águas (ANA). A distância seria suficiente para mais de duas voltas inteiras no planeta.
Mas há entraves de políticos a econômicos para que isso ganhe espaço e força no país todo. Não há políticas públicas para injetar dinheiro e disseminar a restauração de cursos d’água.
Mudanças legais escantearam a recuperação da vegetação e permitiram a construção às margens de rios e córregos urbanos. Ao mesmo tempo, o crescimento das cidades devora áreas verdes que ajudariam a conter enchentes, aliviar a temperatura e melhorar a vida das pessoas.
“O Brasil é um dos países com mais água doce do mundo e essa opulência fez com que deixássemos essas águas todas poluídas. É um absurdo essa situação”, resume Luísa Soares Filho (UFES).
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