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STF sela vitória dos indígenas e sepulta a tese do marco temporal

STF sela vitória dos indígenas e sepulta a tese do marco temporal

Em sessão no plenário da Suprema Corte, ministros definiram a tese de repercussão geral, definindo quando e como cabe indenização a invasores de TIs: apenas para os posseiros de boa-fé (Foto: Carlos Moura/SCO/STF).


Manaus (AM) – O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou nesta quarta-feira (27) o julgamento do Recurso Extraordinário 1017365, sepultando a tese do marco temporal. Para descontentamento dos ruralistas, que defendiam a ideia de uma data para a demarcação dos Territórios Indígenas (TIs) e ainda tentaram reagir com a aprovação também nesta data de uma lei com o mesmo teor no Senado, os ministros do STF definiram que no máximo haverá uma indenização aos ocupantes dessas áreas, desde que feitos de boa-fé. Mas as terras indígenas são “inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis”, sentenciaram os magistrados.

Na última sessão presidida por Rosa Weber, que está se aposentando compulsoriamente por ter 75 anos, o STF estabeleceu 13 itens para a tese de repercussão geral. Foi confirmada a indenização por benfeitorias e pela chamada “terra nua” somente para aqueles proprietários que receberam títulos de governos estaduais e do governo federal, quando as áreas forem consideradas terras indígenas. 

A tese de repercussão geral autoriza ainda a indenização prévia paga em dinheiro ou em títulos de dívida agrária, mas determina que o processo deverá ocorrer em separado. Ou seja, os invasores terão de sair das terras indígenas independente do pagamento das indenizações. 

A tese determina que não caberá indenização em casos pacificados, decorrentes de terras já reconhecidas, com exceção dos processos em andamento na Justiça. De pronto, os 13 itens estabelecidos na sessão final servirão de referência para a análise de pelo menos 226 casos semelhantes. 

Mais uma vez [como ocorre desde a promulgação da Constituição de 1988], o STF ressaltou que é dever da União efetivar procedimentos demarcatórios em terras indígenas.  Mas, na tese geral, os ministros definiram que é “admitida a formação de áreas reservadas”, desde que não seja possível realizar a demarcação. Nesse caso, a tese afirma que a comunidade indígena precisa ser ouvida. O item VII abre brecha para negociações entre povos indígenas e posseiros (privados ou públicos, como governos), quando os primeiros teriam de ser deslocados para essas reservas a serem formadas – mas esta deve ser a exceção e não a regra.

Outro item que pode gerar alguns novos processos é o que prevê o redimensionamento de terras indígenas já demarcadas em um prazo de até cinco anos. Isso pode ocorrer se tiver havido, no processo demarcatório, “grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena”, com exceção de ações já em curso na Justiça.

A vitória histórica dos indígenas foi reafirmada na tese de repercussão geral, quando o STF atesta, de uma vez por todas, que “as terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes” e que “os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória”, portanto estão aptos a defender seus interesses.

Placar de 9 a 2

Ministros durante o julgamento do marco temporal (Foto: Carlos Moura/SCO/STF).

A inconstitucional tese do marco temporal foi derrotada pelo placar de 9 a 2, no dia 21 de setembro. Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber votaram contra a admissão da tese defendida pelos ruralistas. André Mendonça e Kássio Nunes Marques, ministros indicados por Jair Bolsonaro (PL),  votaram a favor do marco temporal. 

Um dos pontos que entrou em debate na sessão final foi a questão da mineração em território indígena. O ministro Dias Toffoli chamou de “omissão” o fato de o Congresso não ter  votado a regulamentação dessa atividade em TIs nos últimos 35 anos. “A não regulamentação da mineração leva a mineração ilegal, leva ao mercúrio nos rios, leva ao desmatamento, leva a conflitos localizados (…) Havendo uma exploração legítima, autorizada na forma da lei a ser aprovada, eu tenho convicção de que diminuirão muito as ilegalidades”, discursou o ministro, sem esquecer de dizer que estava usando parâmetros em “favor dos povos indígenas”. 

Toffoli apresentou ainda proposições sobre a mineração em terras indígenas e disse que elas podem ser usadas como parâmetro para os parlamentares editarem uma lei em 12 meses. “Caso o Congresso Nacional não edite a lei em 12 meses, evidentemente há uma omissão legislativa e a isso há os instrumentos constitucionais aptos a corrigir a omissão legislativa”, alertou o ministro. 

Ação e reação

O ministro Roberto Barroso participa da sessão plenária do STF, durante o julgamento do marco temporal (Foto: Carlos Moura/SCO/STF).

O ministro Luís Roberto Barroso retrucou Toffoli, afirmando que não seria uma boa ideia transformar o caso do marco temporal em uma espécie de “mãe de todas as batalhas envolvendo demarcação de terras indígenas”. O magistrado lembrou que a Corte já havia estabelecido que a tese de repercussão geral deveia ficar tão próxima quanto possível do caso concreto em discussão.

Barroso lembrou que o julgamento da tese do marco temporal girou em torno de uma reintegração de posse judicializada pelo Estado de Santa Catarina, contra os indígenas Xokleng. “Estamos discutindo aqui e essa é a tese central: se os indígenas têm o direito à sua área após o laudo ou se depende da homologação”, pontuou o magistrado, que emendou: “Não se discutiu a presença aqui presença de agricultor, não se discutiu aqui indenização devida ou indevida, nem critério de fixação de indenização, e muito menos se discutiu aqui mineração em terra indígena, portanto eu acho que nós estamos transformando este debate num debate em que não houve nem o contraditório e nem discussão dessas questões que são muito importantes”, assinalou Barroso.

Durante a votação dos itens da tese de repercussão geral, Dias Toffoli decidiu retirar de seu voto a questão da mineração em TIs. Com isso, o assunto foi “sepultado”, pelo menos por ora, já que o próprio ministro estabeleceu prazo de 12 meses para que a legislação seja feita pelo Congresso. 

Resposta tardia

Numa tentativa de resposta tardia, já que o STF já havia sinalizado a inconstitucionalidade da tese do marco temporal na semana passada, o Senado iniciou uma corrida para aprovar o PL 2.903/2023. O primeiro passo foi a votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde o texto foi aprovado [sem emendas] por 16 votos a 10. Logo em seguida, o plenário do Senado aprovou o requerimento de urgência para a votação do projeto. O placar foi 41 votos a 20. Por fim, no início da noite desta quarta-feira, os senadores deram nova vitória à tese do marco temporal, pelo placar de 43 a 21 votos. 

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), evitou um confronto direto contra o STF e disse ver com “naturalidade” a aprovação do marco temporal na Casa. “É natural que o Congresso Nacional possa decidir a esse respeito e isso pode inclusive subsidiar o Supremo Tribunal Federal em relação ao entendimento quanto a esse tema. Não há nenhum tipo de adversidade ou de enfrentamento com o Supremo Tribunal Federal, é apenas uma posição do Congresso, considerando que nós reputamos que temas dessa natureza devem ser deliberados pelo Congresso Nacional”, finalizou.

Uma vez aprovado no Congresso, o PL 2.903 segue para a mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele tem até 15 dias para sancionar ou vetar o projeto. As chances de restabelecer a tese defendida pelos ruralistas são nulas, e fontes do governo já sinalizaram que o presidente não vai tardar para vetar o PL na íntegra – se sancionasse, criaria um mal estar na imagem internacional do governo e uma indisposição direta entre o Palácio do Planalto e o STF. Já o acórdão com a decisão do STF desta quarta-feira deve ser publicado em até 60 dias no Diário Oficial da União, quando passa a valer.

Mesa: senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS); secretário de Gestão Governamental de João Pessoa, Diego Tavares; presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG); líder do governo no Senado Federal, senador Jaques Wagner (PT-BA); senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL) (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado).

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