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O desafio da Autoridade Climática do Presidente Lula – 2: o cenário da política brasileira

O desafio da Autoridade Climática do Presidente Lula – 2: o cenário da política brasileira


Por Rodrigo Machado Vilani, Philip Martin Fearnside e Carlos José Saldanha Machado

Entender a ameaça atual ao do requer algumas informações básicas sobre a política brasileira. O Brasil tem um sistema presidencial de governo com três poderes no nível federal: executivo, legislativo e judiciário. Os governos estaduais têm um papel crescente em questões ambientais, e os governos municipais são atores importantes em projetos que impactam o meio ambiente. As legislaturas nos níveis estadual e federal são eleitas por totais de votos em todo o estado, em vez de totais em municípios ou distritos congressionais. As cadeiras são distribuídas com base nos totais de votos dos partidos políticos, não nos totais dos candidatos individuais. O Brasil tem muitos partidos políticos, dos quais 20 têm cadeiras no Congresso Nacional em 2025 [1]. O partido com mais cadeiras é o Partido Liberal(PL), o partido do ex-presidente Jaír Bolsonaro cujas ações antiambientais durante seu mandato de 2019-2022 foram notáveis. No Brasil hoje, o termo “liberal” tem um significado diferente daquele em outros países e períodos históricos e implica reduzir o governo e favorecer as grandes empresas.

O poder legislativo federal tem múltiplas formas de influência sobre o poder executivo que não se limitam aos “cordões” do orçamento anual. A maioria dos cargos ministeriais é oferecida a partidos políticos importantes para obter seu apoio para votos no Congresso. Isso dá a esses ministros o poder de direcionar projetos federais para estados ou municípios onde seus partidos (e políticos individuais dentro dos partidos) têm interesses eleitorais. Claro, também há oportunidades para corrupção e para oferecer cargos de alta remuneração a aliados políticos ou seus familiares. Além disso, há um sistema de emendas parlamentares, que são dotações onde membros individuais do congresso recebem quantias significativas de dinheiro para gastar, essencialmente, da maneira que desejarem, geralmente com o objetivo de maximizar votos no estado do político. Existem muitas oportunidades para corrupção neste sistema.

O sistema de emendas parlamentarescresceu na última década, especialmente no período de 2020-2024, quando R$ 150 bilhões (cercade US$ 30 bilhões) foram distribuídos [2]. Este é essencialmente um meio de comprar legalmente os votos do Congresso; em um período de 20 dias antes de uma votação importante sobre a legislação em dezembro de 2024, o governo Lula distribuiu R$ 8,3 bilhões (US$ 1,5 bilhão) dessa forma [3]. Uma parte da distribuição das emendas parlamentaresé controladopelos presidentes das duas câmaras do Congresso Nacional, mas uma parte substancial é controlada pela poderosa ‘Casa Civil’ dentro do gabinete do Presidente Lula. Deve-se notar que nas administrações anteriores do Presidente Lula uma função equivalente foi alcançada ilegalmente pela distribuição de propinas em dinheiro a membros do congresso para comprar seus votos, como revelado no enorme escândalo do mensalão(por exemplo, [4, 5]).

O Congresso Nacional do Brasil é dominado por dois grupos sobrepostos: os ruralistas e o centrão, sendo este último um grupo de partidos políticos que não se distinguem por classificações como ‘esquerda’ ou ‘direita’, mas sim por serem descaradamente transacionais, essencialmente vendendo seus votos para o maior lance (conhecido no Brasil como “fisiologismo) [6]. Uma pesquisa com cientistas políticos brasileiros indicou os seguintes oito partidos como atualmente considerados parte do grupo: PP, Republicanos, PL, MDB, União Brasil, Podemos, PSD e PRD (antigos PTB e Patriota) [6]. Os maiores pagadores por seu apoio geralmente estão alinhados com interesses antiambientais; por exemplo, o centrãocolaborou com o bloco de votação ruralista para remover responsabilidades importantes do MMA e do Ministério dos Povos Indígenas logo após o presidente Lula assumir o cargo em 2023 [7]. Em 2025, os partidos do centrãodetêm 69% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 78% do Senado [1], bem como a presidência de ambas as casas do Congresso Nacional e o Ministro do Governo de Lula, que chefia a Casa Civil.

Os ruralistas são grandes proprietários de terras e seusrepresentantes [8]. No Congresso Nacional, estes são membros individuais, em vez de partidos políticos, e são organizados na Frente Parlamentar da Agropecuária, (FPA). Em 2025 a FPA detêm 59% da Câmara dos Deputados e 61% do Senado [9].

O centrãoe os ruralistasnão apenas controlam assentos suficientes em ambas as casas do congresso para aprovar legislação ordinária com mais de 50% dos votos, mas também para ultrapassar os 60% necessários para anular vetos presidenciais ou para emendar a constituição. Emendar a constituição do Brasil é fácil e não requer ratificação pelos estados. A constituição atual foi emendada 135 vezes desde que entrou em vigor em outubro de 1988 [10]. Outros interesses aliados aos ruralistasno enfraquecimento dos controles ambientais incluem aqueles para mineração, exploração madeireira e represas hidrelétricas, aumentando assim as restrições às ações do presidente Lula sobre o meio ambiente. [11]


A foto que ilustra este artigo mostra o Plenário do Senado Federal (Foto: Saulo Cruz/Agência Senado).


Notas

[1] Congresso Nacional (2025) Parlamentares em exercício.

[2] Vargas M (2025). Emendas movimentam R$ 150 bi em 5 anos com protagonismo do Congresso e baixa transparência. Folha de São Paulo, 13 de janeiro de 2025.

[3] Vargas M (2024). Governo Lula paga R$ 8,3 bi em 20 dias, e dezembro vira mês ‘top 3′ com mais emendas. Folha de São Paulo, 20 de dezembro de 2024.

[4] da Costa EM, Sehmer, A (2012). Brazil’s mensalão: Corruption and context. OpenDemocracy, 04 de dezembro de 2012.

[5] Michener G, Pereira C (2016). A Great Leap Forward for Democracy and the Rule of Law? Brazil’s Mensalão Trial. Journal of Latin American Studies 48(3):477-507.

[6] Testa G, Mesquita L, Bolognesi B (2024). Do fisiologismo ao centro do poder: As reformas eleitorais e o centrão 2.0. Cadernos CRH 37: art. e024003.

[7] Pitombo JP, Chagas B (2024). Lula anuncia criação de autoridade climática em meio a seca e queimadas. Folha de São Paulo, 10 de setembro de 2024.

[8] Ferrante L, Fearnside PM (2019). O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global. Amazônia Real, 30 de julho de 2019.

[9] FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) (2025). Todos os membros – FPA.

[10] PR (Presidência da República) (2025). Emendas Constitucionais.

[11] Esta série traduz Vilani, R.M., P.M. Fearnside, C.J.S. Machado. 2025. Brazilian president Lula’s Climate Authority challenge: Pragmatism versus coalition politics. Environmental Conservation.

Os Autores

Rodrigo Machado Vilani Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2000) e em Direito pela Faculdade Vianna Júnior (2003). Possui mestrado em Direito (2006) e doutorado em Meio Ambiente (2010) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Realizou pós-doutorado no Programa de e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (2014). É professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), onde ingressou em 2014. Suas áreas de interesse são: Direito Ambiental; Política Ambiental; Áreas protegidas; Conflitos Ambientais; Ecoturismo.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e pesquisador 1A de CNPq. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 800 publicações científicas e mais de 750 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Carlos José Saldanha Machado é Graduado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Política de Ciência e Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em Antropologia Social pela Universidade de Paris V (Sciences Sociales Sorbonne). Atualmente é pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, no Laboratório de Informação Científica e Tecnológica em Saúde (LICTS/Icict). É professor colaborador de Programas de Pós-Graduação da Fiocruz (Informação e Comunicação em Saúde – PPGICS/Icict, em Biodiversidade e Saúde – PPGBS/IOC), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Doutorado em Meio Ambiente – PPG-MA/UERJ) e do Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos (PROFÁGUA / UNESP / USP / UERJ / UFRGS / UFPE / UEA / UFES).

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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