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Nação fictícia enganou indígenas da Bolívia para arrendar terra por mil anos

Nação fictícia enganou indígenas da Bolívia para arrendar terra por mil anos

Membros da seita religiosa Estados Unidos de Kailasa entraram no país para fraudar contratos. Especialistas ouvidos pela Amazônia Real suspeitam que grupo tentava fazer negócio de crédito de carbono. Na foto acima, o ex-ministro do do Equador, Sade Fritschi, em encontro com membros do Kailasa, realizado em março de 2024 (Foto: reprodução El Universo)


Cuiabá (MT) – Um grupo religioso autoproclamado Estados Unidos de Kailasa que enganou e arrendou ilegalmente terras de povos indígenas da Bolívia em 2024, foi expulso no mês passado pelas autoridades por violar regras do país. Eles entraram na Bolívia como turistas, mas seu propósito era ocupar terras ilegalmente com promessas financeiras. O mesmo grupo já havia passado por Paraguai e Equador e anunciou entrada também em Honduras. 

Na Bolívia, o “país” Estados Unidos de Kailasa fez acordos para arrendar um total de 480 mil hectares de terras nos territórios dos povos Baure, Cayubaba e Ese Eja, do Território Multiétnico 2 (TIM 2), que habitam as regiões amazônicas de Pando e Beni da Bolívia.

Os acordos incluíam a cessão de todos os direitos sobre o espaço aéreo e os recursos sobre ou sob o solo, por um período de 1000 anos com renovação automática e perpétua, além de reconhecer Kailasa como um estado soberano, com direito de governar seu povo e o território. Mas os indígenas nunca tinham ouvido falar de Kailasa e nem conheciam seus representantes.

Foi uma reportagem do jornal boliviano El Deber que denunciou os contratos assinados com os três povos amazônicos bolivianos entre agosto e novembro de 2024, causando controvérsia no país, devido às características e fundamentos inconstitucionais apresentados nos documentos. O jornal obteve documentos assinados por um dos líderes indígenas, Pedro Guasico, que consentia o arrendamento.

Carta de consentimento assinada pelo povo indígena Baure com os membros do Kailasa. Eles concordaram com um “arrendamento perpétuo” em troca de US$ 60.000 por mês. (Foto reprodução El Deber).

Além de estabelecer acordos financeiros contrários aos povos indígenas e ameaçar a soberania do país, outro elemento de suspeita foi que Kailasa não conta com uma representação legal no país, e nem reconhecimento legal fora dele.

Há duas semanas, 20 ‘emissários’, como se denominam os Kailasa, foram deportados da Bolívia. O grupo inclui homens, mulheres e crianças de nacionalidades chinesa, sueca, americana, inglesa, indiana, irlandesa e portuguesa. Enquanto isso, o criador desta nação sem território, o hindu Nithyananda Paramashivam, que tem um histórico de crimes e fuga da justiça de seu país, e atualmente com paradeiro desconhecido, aparece nas redes sociais sem dar declarações sobre a expulsão.

Após a repercussão de sua investigação, o jornal El Deber passou a receber ameaças e intimidações, conforme denúncia feita no último dia 1º de abril.

Seca e incêndios motivaram acordo

A Amazônia Real conversou com Pedro Guasico para ele relatar como foi a negociação. Liderança do povo Baure, Pedro Guasico disse que foi contatado por Whatsapp por um representante de Kailasa, o advogado equatoriano Miguel Antonio Chumapi. 

“Foi ele que nos convocou, em setembro do ano passado, para ir até Trinidad, e nas reuniões era ele que traduzia o que os monges (Kailasa) falavam”, explicou. 

Segundo Pedro Guasico, os hindus se apresentaram como indígenas e disseram que estavam buscando uma “forma de preservar a natureza nos territórios na Bolívia”. 

“Foi inesperado ter essa gente dizendo que queria apoiar a nossa comunidade, oferecendo benefícios como apoio à educação, saúde, conservação da floresta, dos corpos de água, e pagamento em dólares”.

Tabela revela os valores dos territórios arrendados em contrato (Foto: reprodução contrato).

Motivado pelo interesse de um grupo supostamente interessado em ajudá-los, Guasico voltou ao território Baure para compartilhar as informações com a comunidade. Na ocasião, os indígenas Baure enfrentavam impactos da crise climática, com seca extrema e incêndios florestais em seu território. Guasico lembra que o fogo ameaçava as florestas no território indígena e a ajuda do governo boliviano contra os incêndios era insuficiente.

Ansiosos para encontrar uma solução para enfrentar a crise ambiental, ele admite que o povo Baure aceitou assinar o contrato. 

“Frente a essa necessidade e desespero, estávamos buscando ajuda, apoio para salvar a nossa floresta, e fomos enviados novamente a Trinidad para firmar o contrato”, disse.

Foi nessa segunda reunião que Pedro viu de forma mais detida a proposta de arrendamento por 1000 anos, com renovação automática para sempre. “Foi uma surpresa para nós, algo que jamais iríamos aceitar. E encontramos outra cláusula onde se apoderavam de nosso espaço aéreo, do solo e do subsolo. Eles ficavam como se fossem os legítimos donos”, lamentou.

Outra cláusula estabelecia a completa soberania de Kailasa sobre o território, além de aplicar nele sua própria constituição. Então informaram ao advogado de Kailasa que não concordavam e solicitaram que as cláusulas fossem mudadas, ou não haveria acordo, porque não estavam de acordo com o que eles queriam e nem com a própria Constituição boliviana. Mas ainda assim assinaram o acordo.

Fotos com autoridades

Luis Arce, presidente boliviano. junto com representante de Kailasa em evento da Cidob. (Foto: Kailasa).

Após a publicação dos contratos e a expulsão dos membros de Kailasa, o governo boliviano, por meio do Ministério de Relações Exteriores publicou uma curta nota dizendo que “não mantêm relações diplomáticas com a suposta nação ‘Estados Unidos de Kailasa’, e que, também não é reconhecida como Estado por nenhum outro ator da comunidade internacional”.

A expulsão vem no rastro de uma trama intrincada que envolveu, inadvertidamente, até o presidente da Bolívia, Luis Arce, que apareceu em uma fotografia ao lado de líderes do grupo, em outubro de 2024, recebendo um presente, na comemoração do aniversário da Confederação de Povos Indígenas da Bolívia em Santa Cruz. 

A envolvendo o Kailasa é tão esdrúxula, que seus membros enganaram autoridades em vários países, participando até de eventos na Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça, em fevereiro de 2023. Nas redes sociais, representantes de Kailasa mostram fotos junto a autoridades e políticos internacionais, com o objetivo de mostrar reconhecimento à seita.

Antes de tentar enganar os indígenas na Bolívia, a ‘nação’ passou pelo Equador, onde tentou arrendar 1000 hectares da comunidade Jatun Molino, na província de Pastaza, mas as organizações indígenas anularam o acordo e a expulsaram. No Paraguai, Kailasa assinou um memorando de entendimento com o chefe de gabinete do Ministério de Agricultura, o que provocou a demissão do mesmo por estabelecer acordos com uma falsa nação. A seita teria oferecido apoio ao país, incluindo irrigação. E em Honduras, teriam firmado um acordo bilateral com o povo Lenca, para trabalhar na preservação cultural e no bem-estar das comunidades.

Mercado de carbono pode estar envolvido

Território Multiétnico 2, do povo Ese Eja, um dos que assinaram contrato (TIM 2) (Foto Universidade de Kent).

Para especialistas ouvidos pela reportagem, o caso da seita Kailasa tem vínculos com projetos de mercado de crédito de carbono em terras indígenas da América do Sul, sem mecanismos de consulta e uso de informação incompletas.

Adolfo Chávez, da Confederação de Povos Indígenas da Bolívia (Cidob), relacionou a chegada de Kailasa no país com a nova abertura do estado boliviano ao mercado do carbono, sem dar esclarecimentos sobre os possíveis acordos com a população local. 

“Os contratos entregam o direito territorial à Kailasa, permitindo que negociem a venda de créditos de carbono. Isso ameaça diretamente a autonomia e o controle dos povos indígenas sobre suas terras”, disse Adolfo.

Ele diz que em outubro de 2024, o Tribunal Constitucional Plurinacional boliviano – equivalente ao Supremo Tribunal Federal (STF) no – publicou uma sentença que autorizou a implementação do negócio dos bonos de carbono nesse país. No mesmo mês, o governo emitiu um decreto supremo que estabeleceu diretrizes para a gestão do financiamento climático no país.

Para Miguel Vargas, diretor do Centro de Estudos Jurídicos e Investigação Social (Cejis), desde então se deu a largada para permitir o ingresso de entidades – como empresas, grupos e até seitas -, para estabelecer negociações de forma direta com territórios indígenas, que são os que têm os espaços melhor cuidados e protegidos do país. Ele os chama de “piratas do carbono”. 

Miguel não tem dúvidas sobre a relação dos contratos de Kailasa com o mercado do carbono, relação para ele desvelada nos contratos assinados onde se estabelece um controle abusivo e soberano de Kailasa sobre o território e os recursos naturais. “Existe um interesse de não só tomar posse de territórios indígenas, mas a partir daí, aparece a intenção de mercantilizar os bonos de carbono”, afirmou.

É a visão compartilhada também pelo especialista florestal Olvis Camacho, que concorda sobre o interesse de Kailasa no mercado de carbono. Agora que a Bolívia se abriu a este mercado, chegam novos interessados e os povos indígenas estão desprotegidos, já que o Estado não tem a capacidade técnica para assessorá-los nesse tema. “Os povos indígenas são vulneráveis ao engano, estão abandonados, e podem ser ludibriados, como neste caso, e não obter as compensações justas e competitivas”, afirmou Olvis à reportagem.

Frente a todas as dúvidas que surgiram no país referente ao objetivo de Kailasa de se estabelecer em territórios indígenas na Bolívia, seu advogado Miguel Chumapi, declarou categoricamente que o grupo não “está interessado em mercados de carbono”. 

“Nosso objetivo é apoiar os povos indígenas para manterem suas tradições e garantirem uma vida digna. Kailasa não está para se servir do que existe nos territórios indígenas, Kailasa está para apoiar humanitariamente, estabelecendo relações diplomáticas entre povos indígenas para cooperar, respeitando o estado constitucional de direito”.

Desrespeito à Constituição

Casa ocupada por representantes de Kailasa em Exaltación, território Cayubaba. (Foto: El Deber).

Apesar das repetitivas declarações de que Kailasa respeita as leis do país, os contratos firmados não teriam validade legal, justamente por serem contrários à Constituição do país e a outras normas que integram o sistema jurídico, explicou Rodrigo Herrera, advogado especializado em justiça ambiental. 

A Constituição boliviana estabelece que os territórios indígenas e originários não podem ser cedidos a terceiros e nem divididos. São indivisíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, inalienáveis e irreversíveis.

Em segundo lugar, o artigo 348 da Constituição determina que o aproveitamento dos recursos naturais será conforme disposições dos setores correspondentes, enquanto os contratos cedem todos os direitos sobre os recursos à Kailasa. Uma terceira justificativa de nulidade dos contratos é que Kailasa não é uma pessoa jurídica reconhecida pelo direito boliviano, não tem um endereço, um cnpj nem um representante legal. “Estes acordos são como assinar um contrato com um fantasma”, finaliza Rodrigo.

Representantes de Kailasa quando foram apreendidos no território Cayubaba (Foto: Migración Bolivia).

Os contratos de Kailasa com povos indígenas bolivianos mediante um pagamento significativo anual, se assemelha ao caso de empresas colombianas, unidas em um consórcio, que prometeram uma universidade exclusiva para os indígenas da região do Alto Solimões, no Amazonas, Brasil.

Os colombianos convenceram lideranças de pelo menos seis territórios indígenas a firmarem pré-contratos para o desenvolvimento de projetos de créditos de carbono, com cláusulas abusivas, como o sigilo sobre negociações comerciais, além de incumprir salvaguardas socioambientais, como a consulta livre, prévia e informada.

Apesar das orientações da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) de os povos não assinarem contratos nem acordos sobre mercado de carbono, o consórcio colombiano conseguiu contratos em novembro de 2023 para comercializar créditos de carbono gerados nas florestas.

Quem são os Kailasa?

Kailasa se autoproclama como uma nação soberana, criada em 2019 pelo seu líder espiritual hinduísta Nithyananda Paramashivam. O grupo afirma representar um Estado sem território físico que foi fundado para preservar e promover a cultura e os valores do hinduísmo.

O autointitulado deus Nithyanand, que fugiu da Índia em 2019, deixando para trás um vasto império religioso, após ser acusado de vários crimes (Foto: Reprodução/Facebook)

Conta com sua bandeira, constituição, banco central e seu próprio passaporte, mas não é reconhecido por nenhum governo ou organismo internacional, sendo frequentemente alvo de acusações de fraude e controvérsias jurídicas.

No entanto, o líder fundador Paramashivam -nascido na Índia- é fugitivo da justiça deste país, onde foi preso com acusações de estupro e agressões sexuais, reporta The Times of India. 

Em 2010 Nithyananda foi detido pela polícia e obteve liberdade mediante fiança, e em 2018 fugiu do país, de acordo com a polícia do estado indiano de Gujarat. 

Desde 2019 foram denunciadas tentativas de estabelecer Kailasa no Equador, no Paraguai, Honduras e agora na Bolívia, sempre com o mesmo modo de operação, mediante a abordagem direta a líderes locais; oferta de apoio humanitário em educação, saúde e proteção do meio ambiente; propostas de arrendamento por prazos infinitos; a exploração de lacunas legais e desconhecimento das leis para assinar contratos inconstitucionais e prejudiciais para os indígenas; e participação em eventos com autoridades governamentais de vários países e publicação das fotos em redes sociais.

Nithyananda Paramashivam, o guru e fundador de Kailasa, tem contas pendentes com a Justiça indiana por estupro e sequestro. (Foto: Getty Images via BBC)

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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