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Mulheres nas ruas na luta contra a violência no 8 de março

Mulheres nas ruas na luta contra a violência no 8 de março

Amazonas registra aumento de feminicídios e violência doméstica, e mulheres vão às ruas denunciar a escalada da brutalidade em mobilização marcada para começar na tarde deste sábado (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real/2023).


Manaus (AM) – No Dia Internacional da Mulher, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) mobiliza a sociedade civil em uma manifestação nas ruas para denunciar a persistência da violência de gênero no Amazonas. O ato, que acontece neste sábado (8 de março) no Centro da capital amazonense, carrega como lema “O medo não vai nos parar”, um aviso de que elas vão resistir à violência doméstica, ao feminicídio e à misoginia.

No Amazonas, os índices de violência letal contra mulheres, que incluem feminicídio e homicídio doloso feminino, são os mais elevados do estudo Cartografias da Violência na Amazônia, divulgado em dezembro do ano passado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Mãe Crioula, que analisou o cenário de violência na região em 2023.

A taxa no estado alcança 6,4 mortes a cada 100 mil mulheres, representando um aumento de 69% em relação à média nacional, que é de 3,8 por 100 mil. Além disso, os números do Amazonas superam os índices da Amazônia Legal, cuja taxa é de 1,7 por 100 mil mulheres, ainda 21,4% acima da média nacional.

Para a advogada Alessandrine Silva, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do (OAB/AM) e coordenadora do ato, os avanços na formulação de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da violência contra a mulher, com a criação de novas legislações, portarias e protocolos, ainda não se refletem em dados concretos de redução da violência no Amazonas.

“É muito importante que, para além da formulação da legislação, nós tenhamos orçamento destinado a essas pautas. Que nós tenhamos todas as secretarias trabalhando de forma colaborativa em relação a esse assunto e que principalmente, essas políticas públicas sejam implementadas no sentido da prevenção da violência contra as mulheres”, alertou.

Um dos principais desafios está na prevenção. Sem investimentos em estratégias preventivas, o enfrentamento da violência se torna paliativo. Para que os avanços legislativos resultem em impactos reais, Alessandre Silva diz que é necessário um aumento proporcional no investimento e na fiscalização dessas políticas. 

“Enquanto isso não acontecer, embora essas ações sejam muito importantes, interessantes e dignas de se comemorar, nós ainda não teremos um dado concreto da redução das violências contra as mulheres”, disse.

Barreiras no acesso à rede de apoio no Amazonas

Julgamento de acusado de feminicídio no plenário do Tribunal do Júri, em Manaus. (Foto: Raphael Alves/Tjam/2021).

Mesmo que a Lei 14.541 determine o funcionamento ininterrupto das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), a realidade no Amazonas ainda está longe do ideal. As delegacias continuam operando apenas em horário comercial, deixando desassistidas as vítimas que buscam ajuda em momentos críticos. 

“Nós sabemos que o crime não tem hora para acontecer. Se essa delegacia, com todo seu aparato, funcionasse 24 horas por dia, certamente a proteção às vítimas se daria de forma mais ampliada e acessível”, pontua Alessandrine Silva.

O Ligue 180, principal canal do Governo Federal para denúncias de violência contra a mulher, registrou um aumento significativo nos casos em 2024. Até julho, foram 84,3 mil denúncias em todo o país, um crescimento de 33,5% em relação ao mesmo período de 2023. No Amazonas, o aumento foi ainda mais expressivo: 1.609 denúncias foram registradas, um salto de 45,48% em comparação ao ano anterior.

Das ocorrências registradas no estado, 945 partiram das próprias vítimas, enquanto 663 foram feitas por terceiros. A casa continua sendo o principal cenário da violência, com 698 denúncias envolvendo agressões ocorridas dentro do ambiente doméstico.

As mulheres entre 30 e 34 anos são as mais afetadas, totalizando 285 denúncias. Além disso, a maior parte das vítimas é negra: 991 das denunciantes se identificam como pretas ou pardas. Já os agressores, em sua maioria, são os próprios esposos, companheiros ou ex-companheiros, responsáveis por 698 dos casos denunciados.

Além da ampliação do funcionamento das DEAMs, outro ponto de reivindicação das mulheres que organizam o ato do 8 de março é a destinação de orçamento para políticas de prevenção, acolhimento e enfrentamento da violência contra a mulher. De acordo com o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus, a execução orçamentária ainda é insuficiente para garantir a efetividade dessas políticas no estado.

A implementação de protocolos específicos no poder judiciário para lidar com casos de feminicídio e violência também é uma reivindicação urgente. A falta de diretrizes claras contribui para a revitimização das mulheres, não apenas no sistema judicial, mas também no tratamento midiático desses crimes, afirma Alessandrine Silva. “Precisamos de protocolos que assegurem a essas mulheres dignidade mesmo após as violências que elas sofreram”.

Subnotificação

A professora Francy Júnior (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Francy Junior, historiadora, ativista e diretora do Movimento das Mulheres Negras da Floresta – Dandara, afirma que apesar dos esforços para reduzir os crimes de violência contra as mulheres, os avanços ainda são limitados devido a uma série de fatores, como a falta de recursos, a dificuldade de acesso a serviços de proteção em áreas remotas e a persistência de uma cultura machista, lesbofóbica e transfóbica.

“Dados recentes podem variar, mas muitas organizações afirmam que a redução não é significativa e que os números ainda são alarmantes”, avalia.

Apesar do aumento no número de denúncias, a subnotificação mascara a real dimensão da violência contra a mulher no Amazonas. Diversos fatores contribuem para que muitas vítimas não procurem ajuda ou formalizem queixas, diz Junior. O medo de represálias é um dos principais motivos. Muitas mulheres temem que, ao denunciar, possam sofrer ainda mais violência ou até mesmo serem mortas pelo agressor. A dependência econômica também pesa. Sem autonomia financeira, muitas vítimas sentem-se presas à relação abusiva, pois dependem do agressor para sustentar a família.

A falta de confiança no sistema de Justiça agrava a situação. A descrença na proteção oferecida pelo Estado e na efetividade das medidas legais desestimula as denúncias. Além disso, a cultura de normalização da violência perpetua o ciclo de abusos. 

“A violência é muitas vezes naturalizada, especialmente em contextos onde o machismo é mais enraizado. Ainda ouvimos a frase ‘ruim com ele, pior sem ele’, ou ‘minha filha, isso passa, ele estava nervoso, cheio de problemas’”, diz a feminista. 

Além do crescimento das denúncias, a brutalidade dos crimes cometidos na Amazônia preocupa. Casos emblemáticos, como o feminicídio da artista Julieta Hernandez, evidenciam as fragilidades do sistema de enfrentamento à violência de gênero. O crime foi registrado como latrocínio.

“Não há sinalização de redução e existe uma preocupação também de que às vezes esses dados não estão sendo corretamente demarcados ou tipificados, como no caso da Julieta. O crime de feminicídio foi alocado dentro do tipo penal do latrocínio, então essas são situações muito complexas que perpassam o enfrentamento da violência mesmo”, denunciou Alessandrine Silva.

Desde 2006, o FPMM mobiliza organizações e movimentos em defesa dos direitos das mulheres, fortalecendo a luta por igualdade de gênero e políticas públicas que garantam direitos fundamentais. O objetivo é promover inclusão social, autonomia feminina, combater a violência e buscar condições mais justas e dignas para as mulheres de Manaus, em todas as esferas da vida.

A manifestação começará a concentração na Praça do Relógio e vai reunir coletivos feministas como União Brasileira das Mulheres (UBM), projeto Menstrua e As Amazonas, ativistas e organizações da sociedade civil para discutir os desafios enfrentados pelas mulheres amazonenses, especialmente no que diz respeito à violência doméstica e feminicídio.

As mulheres que tiverem interesse em participar do ato, poderão levar seus cartazes e bandeiras. A saída da praça será realizada a partir das 15h e a caminhada se estenderá até o Largo de São Sebastião. Às 17h o ato terá apresentações culturais.

Mesmo com alguns avanços, as manifestantes reforçam que a luta está longe de acabar. “Não estamos seguras em nossas casas onde sofremos violência doméstica, nem nas ruas onde sofremos assédios, importunações sexuais e estupros, nem dos hospitais onde sofremos violência obstétrica, nem na política onde sofremos violência, nem em nenhum lugar”, concluiu Alessandrine.

Mulheres no 8M de 2023 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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