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Mulheres indígenas denunciam racismo em escola de Rondônia

Mulheres indígenas denunciam racismo em escola de Rondônia

Elas foram acusadas de invadir o prédio público, em Porto Velho, considerado território ancestral do povo Mura. Grupo foi ao local para fazer ritual e aponta perseguição. Na registro acima, Márcia Mura (ao centro) junto a outras mulheres indígenas (Foto: frame retirado de vídeo/ Movimento Plurinacional Wayrakuna).


Manaus (AM) – Mulheres das etnias Aymara, Borum Kren, Kayapó, Mura e Tupinambá denunciaram que sofreram racismo, na terça-feira passada (5), por parte da diretoria da Escola Estadual Francisco Desmorest Passos, localizada no distrito de Nazaré, em Porto Velho, capital de Rondônia. As mulheres foram à escola para promover uma atividade pedagógica relacionada ao Dia Internacional da Mulher Indígena e ao Dia da Amazônia. Elas fariam uma demarcação simbólica do território ancestral Mura, onde hoje fica a escola, mas a diretora Ana Laura Camacho acusou-as de invadir o local e assustar os alunos. 

“O secretário da escola e a diretora estavam nos filmando como se a gente tivesse cometido um crime. Eles disseram que invadimos a escola e não permitiram que os alunos e os funcionários pudessem interagir com a gente”, afirmou a educadora e escritora Márcia Mura, conhecida como Tanãmak na língua do seu povo, em entrevista à Amazônia Real.

O caso foi denunciado pelas indígenas no Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Rondônia (Sintero). A liderança Aline Negrenhtabare Lopes Kayapó registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil de Porto Velho pelo crime de racismo. “A diretora da escola nos tratou como se a gente tivesse cometendo um crime, sendo que estávamos fazendo nosso ritual indígena pelo Dia Internacional das Mulheres Indígenas. Ela está nos criminalizando e nos caluniando na comunidade, colocando os pais contra a gente. Ela cometeu racismo com várias etnias que estavam ali presentes”, disse Márcia.

Procurada pela reportagem, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) de Rondônia não respondeu aos questionamentos da reportagem. Ana Laura Camacho, a diretora da Escola Estadual Francisco Desmorest Passos, não foi localizada para falar sobre a denúncia. A Amazônia Real não identificou o nome do secretário, também acusado de racismo.

De acordo com Márcia, as mulheres estavam reunidas na cidade desde o dia 1° de setembro para uma formação política, cultural e espiritual entre representantes de etnias de diferentes localidades do Amazonas e de Rondônia. O encontro recebeu também o Movimento Plurinacional Wayrakuna, liderado por Aline Kayapó e Bárbara Flores Borum Kren, considerado o primeiro grupo de pesquisa composto somente por mulheres indígenas. Segundo elas, o objetivo da articulação foi compartilhar experiências, saberes e desafios que as mulheres indígenas enfrentam em seus territórios, além de fazer enfrentamento ao etnocídio que os Mura sofrem na região do Baixo Rio Madeira.

Como parte do protocolo do encontro realizado pelas indígenas, uma comissão foi formada para visitar a escola e verificar se a Lei 11.645, que torna obrigatório o estudo da e cultura indígena e afro-brasileira nas instituições de ensino fundamental e médio, está sendo aplicada. 

Na segunda-feira passada (4), as Mura, junto com as coordenadoras do Movimento Plurinacional Wayrakuna, solicitaram à diretora da escola que uma atividade de conscientização sobre cultura indígena e fosse realizada para os alunos, no dia seguinte. Segundo Márcia, houve a autorização prévia para o evento acontecer. No entanto, no dia marcado, a diretora enviou um documento sem assinatura para a comissão de mulheres indígenas afirmando que os professores não poderiam recebê-las por estarem preparando a programação para o Dia da Independência (7 de setembro). 

“Primeiro que era o Dia Internacional das Mulheres Indígenas e o Dia da Amazônia. A gente estava no nosso território, a escola é pública e a diretora já tinha concordado com a atividade que faríamos lá. Para a gente foi um absurdo não podermos ser recebidas”, explicou Márcia.

A decisão de boicotar a atividade foi entendida como um ato de apagamento e repressão, mas não fez com que as mulheres indígenas se intimidassem. Na mesma tarde, elas se pintaram com grafismos tradicionais e foram para a escola realizar um ato político-cultural, como forma de resistência.

Em silêncio, as mulheres fizeram rituais de conexão espiritual com seus antepassados, entoaram cantos sagrados em uma roda e balançaram os maracás para demarcar simbolicamente o local, considerado território ancestral do povo Mura. “Eu falei durante o ato que ali tinha uma roça do meu tio-avô e da minha tia-avó. No lugar onde é a escola, quando foram fazer escavações, encontraram vários pães indígenas enterrados. Essa é uma prática que nossos antepassados faziam. Isso mais do que comprova que ali é território indigena ancestral e fizemos uma demarcação simbólica naquele lugar, balançando o maracá”, pontuou a liderança.

As indígenas alegam que tiveram seus rostos filmados pelos funcionários durante o ato e que algumas salas da escola foram trancadas, com os alunos dentro, para impedir que entrassem em contato com elas. “Qual é a intenção de filmar a gente em roda cantando? Qual a intenção de filmar a gente balançando o maracá? Não foi para dizer ‘olha que lindo essas mulheres aqui, vamos desejar boas vindas para elas’. Filmaram a nossa cara para dizer que estávamos invadindo”, alegou Márcia.

Perseguição histórica

Após os rituais, as indígenas pediram permissão aos professores de português e matemática para entrar nas salas e falar brevemente sobre o Dia Internacional da Mulher Indígena e o Dia da Amazônia. Aline Kayapó, em depoimento à Polícia Civil, alegou que a diretora acuou os funcionários e os alunos do turno vespertino, que teriam sido impedidos de participar do evento.

As imagens gravadas pela diretora e pelo secretário da escola foram enviadas à Seduc, “como se a gente tivesse invadido e atacado todo mundo na escola”, reclamou Márcia Mura. “Nos filmaram para dizer que estávamos invadindo, chamaram a polícia para nos amedrontar”.

Mulheres Aymara, Borum Kren, Kayapó, Mura e Tupinambá em ação na Estadual Francisco Desmorest (Foto: frame retirado de vídeo/ Movimento Plurinacional Wayrakuna).

A liderança relatou ainda que a diretora compareceu a uma atividade da Igreja Católica na comunidade e falou publicamente que as mulheres indígenas invadiram o local e que os alunos ficaram assustados. “As instituições em nenhum momento demonstraram compreensão de que nós somos mulheres indígenas, estamos no nosso território e várias outras mulheres de outras etnias que estavam lá sofreram também racismo”, finalizou Márcia.

A educadora afirmou também estar sofrendo intimidações para sair da comunidade de Nazaré e disse que um abaixo-assinado foi articulado contra ela. 

Márcia Mura foi removida da Escola Estadual Francisco Desmorest Passos em 2021, após 20 anos atuando como professora na rede estadual de Rondônia. O relatório enviado à Seduc na época indicou que um dos motivos para a remoção foi a “insistência” em ensinar conteúdos de temática indígena para os alunos. 

Na ocasião, a diretora Ana Laura concedeu uma entrevista à Agência Pública dizendo que “a decisão para remover Márcia do quadro de funcionários daquela unidade veio de cima”. Leia aqui.


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