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Movimento estudantil repudia suspensão de bonificação

Movimento estudantil repudia suspensão de bonificação

Medida foi causada por decisão da Justiça Federal e afeta cinco mil estudantes; universidade também contesta negativa de bônus de 20% nas notas do Enem para alunos do Amazonas. Na foto acima, fachada do prédio da reitoria no campus UFAM ( Foto: Ascom UFAM).


Manaus (AM) – Após cumprir decisão da 3ª Vara da Justiça Federal, que negou bonificação de 20% nas notas no Enem para estudantes do Amazonas, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) suspendeu na terça-feira (27), por tempo indeterminado, a matrícula dos aprovados no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) em 2024. A medida prejudica mais de cinco mil candidatos do estado, sobretudo aqueles que são negros, indígenas, ribeirinhos e/ou moram em municípios do interior.

“Os corpos que deixarão de ingressar na Ufam não serão corpos brancos, do eixo Sul-Sudeste, mas negros, indígenas, ribeirinhos, baixa renda desse solo nortista. É importante lembrar que a Ufam está localizada na maior região indígena do país e, mesmo assim, ainda não possui um programa específico para entrada de indígenas. Dessa maneira, a bonificação é uma política afirmativa, que minimiza as desigualdades regionais, permitindo que amazonenses acessem uma universidade pública, gratuita e de qualidade”, diz trecho de nota de repúdio publicada pelo Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam) contra a medida judicial.

De acordo com Izabel Munduruku, historiadora e coordenadora executiva do Meiam, a decisão ignora as complexidades precárias da educação na região e atrasa o desenvolvimento acadêmico das populações mais vulneráveis. Ela diz que não se trata de questionar a  Constituição Federal, mas afirma que precisa haver uma mobilização a favor da inserção de pessoas originárias no espaço acadêmico

“É preciso que nos garantam na lei essa bonificação, assim como as cotas são garantidas, para que não haja interferências como essas”, afirma.

A ação popular foi movida na Justiça por Caio Augustus Camargos Ferreira, candidato do Distrito Federal a uma das vagas do curso de Medicina, que alegou que as bonificações criadas para os estudantes regionais prejudicam o ingresso de candidatos de outros estados na universidade. De acordo com a juíza Marília Gurgel Rocha de Paiva e Sales, responsável pela decisão, a bonificação por razões geográficas é considerada  irracional e discriminatória. Ela argumenta que a garantia do direito à educação superior igualitária está presente na Carta Magna. 

Em nota de repúdio divulgada na quarta-feira (28), a Ufam, por meio do Conselho Universitário, declarou indignação à decisão judicial que determinou a suspensão da bonificação aos candidatos que cursaram integralmente o ensino médio em instituições de ensino do Amazonas. A universidade observou que a legalidade da bonificação é fundamentada no objetivo de reduzir as desigualdades sociais e regionais, o que está previsto na Constituição.

“Além disso, a bonificação de 20% na nota do Enem desses candidatos se contextualiza na necessidade da garantia da equidade em prol do princípio da igualdade, considerando o baixo Índice de Desenvolvimento Humano estadual e municipal, consequência das desigualdades econômicas e geográficas no contexto amazônico”, diz trecho da nota.

pró-reitor de Ensino e Graduação da Ufam, David Lopes Neto (Foto: Ascom UFAM)

O pró-reitor de Ensino e Graduação da Ufam, David Lopes Neto, também se manifestou contra a medida judicial e afirmou que a instituição está lutando para manter a bonificação. “Venho aqui manifestar a minha e a nossa indignação diante das decisões contrárias à bonificação estadual para os estudantes secundaristas do Amazonas, as quais causaram prejuízo para mais de cinco mil candidatos, principalmente aqueles que concorriam a mais de 2.400 vagas da nossa Universidade Federal do Amazonas”, afirmou.

Na segunda-feira (26), o desembargador Alexandre Machado Vasconcelos, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), rejeitou o recurso da Ufam e manteve suspenso o bônus regional. Segundo ele, a bonificação é uma afronta à Constituição, uma vez que é proibido criar distinções ou preferências entre brasileiros. A Ufam tem 20 dias para contestar a decisão e comprovar a importância da medida, indicando suas finalidades.

Sistema educacional é desigual

Vitória Amazonas, vice-presidenta da União Estadual dos Estudantes do Amazonas (UEE/AM) (Foto: Acervo pessoal).

Para Vitória Amazonas, vice-presidenta da União Estadual dos Estudantes do Amazonas (UEE/AM), a decisão afronta a luta do movimento estudantil em defesa da equidade de acesso à educação para pessoas negras, indígenas e ribeirinhas do Amazonas. Além disso, ela diz que a medida pode dar a entender que os direitos e as necessidades dessas minorias não são prioritários, o que pode perpetuar o ciclo de exclusão e marginalização. 

“Isso pode desencorajar outros esforços para implementar políticas de cotas e ações afirmativas. Essas políticas são fundamentais para combater as desigualdades históricas e promover a inclusão social e educacional. No entanto, quando medidas destinadas a beneficiar esses grupos são contestadas ou revogadas, isso cria um ambiente de incerteza e desânimo, o que pode dificultar ainda mais a adoção de políticas afirmativas no futuro”, afirmou. 

Vitória Amazonas ressalta que ignorar os contextos locais e as dificuldades dos estudantes revela falta de sensibilidade e compreensão das desigualdades regionais. “Essas cotas foram criadas para garantir inclusão e acesso equitativo à educação superior, especialmente para grupos historicamente marginalizados. É essencial reverter essa decisão e fortalecer políticas que promovam uma educação verdadeiramente equitativa e acessível a todos os brasileiros”, diz.

Professora Valcinara Lima com alunos da etnia Juma na Escola Municipal Indígena Bahu, que fica na aldeia em Canutama, sul do Amazona (Foto: Puré Juma/Amazônia Real).

Amanda Mendes Soares, estudante de Pedagogia da Ufam em Parintins e coordenadora de movimento estudantil do coletivo Grito da Periferia, considera a decisão judicial “amedrontadora” para os estudantes amazonenses, principalmente os que vivem no interior do estado. Ela argumenta que as condições educacionais no ensino médio nas regiões Sul e Sudeste são melhores em comparação à realidade do Norte.

“O caminho que essas pessoas [do Sul e Sudeste] vão trilhar para chegar até a universidade vai ser totalmente diferente. Aqui tem as populações que moram de fato nos beiradões. Os estudantes têm que escolher entre ajudar a família na roça para sobreviver, para ter o que comer, ou estudar. Tem todos esses cenários e realidades”, analisa. Para ela, a bonificação de 20% ainda é mínima diante da trajetória dos estudantes ribeirinhos, indígenas e negros que têm seus corpos marcados pela desigualdade social.

“Uma decisão judicial como essa implica na redução do ingresso dessas pessoas que merecem ocupar esse espaço das universidades, que merecem ocupar essas cadeiras. Isso é imposto como se não fossemos dignos de estar na academia”.

Acesso à universidade precisa ser garantido

Izabel Munduruku, coordenadora do Meiam ( Foto: Jovens comunicadores Indígenas/ Makira’Eta).

A coordenadora do Meiam, Izabel Munduruku, afirma que o Enem é um exame desigual para os candidatos amazonenses, que enfrentaram dificuldades durante a pandemia de Covid-19 e, mais recentemente, sofreram com a seca extrema que isolou populações que vivem em aldeias e comunidades afastadas dos centros urbanos. A historiadora ressalta que as condições de estudo dos amazonenses são totalmente diferentes. “As leis não são feitas considerando nossas realidades e é por isso que se limitam a tratar o e os estudantes brasileiros de forma homogênea”.

“Quando houve a pandemia e a educação do Amazonas foi altamente prejudicada, porque em várias regiões do nosso estado o acesso à internet é instável, a nossa especificidade foi ignorada e o Enem foi realizado. Durante o ano de 2023 aconteceu o mesmo, quando enfrentamos a maior seca da do Amazonas. O sistema de educação e avaliação para inserção nas universidades, em nível nacional, trata o Brasil apenas na ótica Sul/Sudeste. Como ficam os estudantes que só têm essa alternativa?”, questiona. “A decisão “fragiliza a nossa luta histórica enquanto estudantes indígenas do Amazonas”.

Para ela, é preciso pensar em mudanças na estrutura acadêmica do Amazonas. A partir da mobilização do movimento indígena, a Constituição de 1988 assegurou aos povos indígenas o ensino por meio das línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, direito que se consolidou em 1996 com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que garante aos povos originários o direito a uma educação escolar específica diferenciada, intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária. 

Movimento de Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam) ( Foto: Jovens comunicadores Indígenas/ Makira’Eta).

O Meiam tem uma história importante na luta por políticas afirmativas. Em 2004 o movimento conquistou a reserva de vagas na Universidade Estadual do Amazonas (UEA) para estudantes indígenas, quando essa discussão ainda começava nos outros estados do Brasil. Atualmente, a organização trabalha com o Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena (FOREEIA) na construção de políticas voltadas às universidades e institutos federais do Amazonas.

Izabel defende que as políticas afirmativas não sejam de cima para baixo e passem a ouvir as reais demandas e o que os povos indígenas querem: quais cursos, as demandas para bolsas de acordo com o número de indígenas, projetos de pesquisa e extensão. “Queremos fazer parte dessa construção, pensando para além do acesso, mas considerando também a permanência, o direito à diferença cultural, à diferença linguística, alimentar, e tantas outras especificações que de fato contribuam para a permanência do estudante indígena no espaço acadêmico”, enfatiza.

Movimento estudantil se mobiliza

Fachada do campus UFAM (Foto: Ascom Ufam).

Nesta sexta-feira (1º), a partir das 16h, no Bosque da Resistência, entrada da Ufam, diversas organizações representantes do movimento estudantil irão se unir em protesto contra a suspensão da bonificação. “O movimento estudantil do estado está ativo e engajado na luta pelos direitos das cotas regionais, econômicas e raciais, adotando uma variedade de estratégias para promover mudanças positivas e garantir uma educação mais justa e inclusiva para todos”, diz a vice-presidenta da UEE, Vitória Amazonas.

Uma petição pública em defesa da bonificação nas notas do Enem para estudantes do Amazonas também foi lançada. De acordo com a plataforma, o documento já possui mais de 22 mil assinaturas. A meta é alcançar 25 mil. As duas mobilizações são organizadas pela União Estadual dos Estudantes do Amazonas (UEE-AM), União Nacional dos Estudantes no Amazonas (UNE-AM) e Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Ufam. 

As campanhas de petição online e nas redes sociais têm sido lançadas para reunir apoio popular e pressionar as instituições e autoridades responsáveis ​​a reverem suas decisões em relação às cotas regionais, econômicas e raciais”, afirma a UEE.


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