Jornalista britânico estava escrevendo o livro “How to Save the Amazon”, quando foi assassinado no rio Itacoaí, nos limites da TI Vale do Javari, junto com o indigenista Bruno Pereira. Seis escritores foram escolhidos para concluir a obra. O jornalista inglês e amigo de Phillips, Jonathan Watts, concedeu entrevista para a Amazônia Real contando como foi o processo (Foto cedida pela Wewito Ashaninka).
Manaus (AM) – Quando foi assassinado ao lado do indigenista Bruno Pereira, no dia 5 de junho de 2022, em uma área próxima da Terra Indígena Vale do Javari, no município de Atalaia do Norte, no Amazonas, o jornalista britânico Dom Phillips realizava um trabalho de campo que daria origem ao livro “How to Save the Amazon” [“Como salvar a Amazônia”, em tradução livre]. O crime que comoveu o mundo, impediu que Phillips pudesse terminar ele mesmo, o livro, mas não foi capaz de silenciar o projeto, que contou com a ajuda de vários jornalistas para ser concluído postumamente, entre eles, de seu amigo de longa data, Jonathan Watts, que é editor global de meio ambiente do jornal britânico The Guardian. Em entrevista exclusiva à Amazônia Real, Watts contou como foi o processo para concluir a obra deixada inacabada pelo amigo.
O livro que agora tem o título definitivo de “How to Save the Amazon – A journalist’s deadly quest for answers” [Como salvar a Amazônia – A busca mortal de um jornalista por respostas, em tradução livre], será lançado em 27 de maio de 2025, pela editora Bonnier Books. A expectativa é que a obra seja lançada de forma simultânea no Reino Unido, Estados Unidos e Brasil, mas ainda não há definição sobre isso.
Início do projeto
Jonathan Watts conta que, após o assassinato de Dom Phillips, a viúva do jornalista, a estilista com foco em sustentabilidade e empreendedora Alessandra Sampaio, nomeu um pequeno grupo de amigos jornalistas de Dom, para dar continuidade ao projeto. “Nosso trabalho neste grupo é supervisionar a conclusão do livro. Dom já havia escrito uma introdução e três capítulos e meio. Tivemos que encontrar pessoas para escrever os outros seis capítulos”, revela.
O jornalista conta que, inicialmente, a editora queria que apenas uma pessoa fizesse todo o trabalho de conclusão do livro. “Mas queríamos que este fosse um projeto colaborativo, para que pudesse fornecer uma mensagem de solidariedade”, conta.
Os capítulos foram escritos por jornalistas como Jon Lee Anderson, da revista New Yorker; Eliane Brum, do Sumaúma; Tom Phillips, correspondente do The Guardian na América Latina; Helena Palmquist, conselheira do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Não Contatados e Recentemente Contatados (Opi); Stuart Grudgings, ex-chefe da Reuters Bureau sediado na Costa Rica; Andrew Fishman (The Intercept Brasil), além do próprio Watts.
“Cada pessoa tem uma parte [no livro] e também decidimos adicionar um prefácio para explicar o que aconteceu com Bruno e Dom e um posfácio que daria uma última palavra a um escritor indígena”, explica. A missão ficou a cargo de Beto Marubo, integrante da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), junto com Helena Palmquist.
Jon Watts revela que além dos escritores dos capítulos, a obra conta ainda com outras participações, como no apoio editorial dos jornalistas Kátia Brasil (Amazônia Real); Sônia Bridi (Rede Globo); Fabiano Maisonnave (Associated Press na Amazon); Ana Aranha (Repórter Brasil) e Rubens Valente (Agência Pública), além de outros profissionais estrangeiros. “Visamos compartilhar a mensagem [de Dom Phillips, de uma forma] mais ampla. Eles [Bruno e Dom] estavam tentando amplificar [a mensagem] de que a floresta Amazônia está em um grande perigo, e que aqueles que a defendem estão sendo ameaçados e mortos”.
Pensar como Dom
De acordo com o jornalista, o livro está 95% pronto. “Ainda precisamos trabalhar em mapas e fotos”, relata, mas o maior desafio, sem dúvida, foi ter de pensar como Dom Phillips, já que não se sabia exatamente o que ele pretendia fazer em cada um dos capítulos.
“Não foi um projeto fácil porque envolveu muitas pessoas, muitas emoções e também muitas perguntas. Então demorou mais tempo do que eu imaginava, mas finalmente, ainda não totalmente, mas quase, temos um livro de Dom. É uma obra cheia de emoção porque custou duas vidas, vidas de amigos, de pessoas importantes”, emociona-se.
Cada capítulo, explica o jornalista, tem um tema diferente, incluindo responsabilidades governamentais, o agronegócio, bioeconomia, conhecimento indígena, questões de infraestrutura, finanças globais, urbanização e outros assuntos.
Jonathan Watts também fala sobre o legado deixado pelo amigo. “Para mim, o maior legado de Dom é que ele era um ser humano decente. Ele era curioso sobre o mundo, se importava com outras pessoas e outras espécies, acho que é por isso que ele se tornou jornalista”, descreve o amigo.
O amor de Dom pelo Brasil e pela floresta também é lembrado por Watts. “Ele amava o Brasil, amava a Amazônia. O assassinato dele e do Bruno foi horrível, mas eles morreram fazendo o que acreditavam, tentando ouvir os dois lados da história, vendo o problema por si mesmo, e tentando encontrar soluções conversando com a população local, e depois compartilhando com o mundo exterior”, disse
Watts lembra ainda que todos os anos, jornalistas e ativistas ambientais são assassinados em diferentes partes do mundo e que a maioria dos casos relatados sequer são investigados. “Espero que o legado de Dom seja lançar luz sobre o que está acontecendo na Amazônia, sobre a coragem dos povos indígenas e outros povos tradicionais. Ele era uma ponte entre a situação e o leitor distante em outros países, outras cidades, é isso que os jornalistas fazem, para mim esse é o seu legado mais amplo. E é uma tentativa também de mostrar que mesmo se você matar um jornalista, não pode silenciar a história”, finaliza.
Não foi silenciado
Assim como a obra de Dom Phillips ganhará as páginas de um livro a partir do próximo ano, a sua luta para mostrar os graves problemas enfrentados pelos povos tradicionais na Amazônia, também ganhou força com o Projeto Bruno e Dom.
Há um ano, a Amazônia Real participou do consórcio internacional coordenado pela Forbidden Stories, que encabeçou o Projeto Bruno e Dom, que foi formado por mais de 50 jornalistas de 16 organizações de mídia. A agência foi o único veículo da região Norte do Brasil. O projeto tinha o intuito de continuar e ampliar as investigações iniciadas pelo jornalista.
Para o projeto, a agência publicou três reportagens: “A Fome pelo ouro do rio Madeira”, mostrando a atuação de garimpeiros ilegais; “Os Guerreiros do Médio Javari”, sobre a atuação do grupo Guerreiros da Floresta, formado por indígenas Kanamari, que atuam na vigilância do próprio território no Vale do Javari; e por fim a reportagem “Uma BR-319 no meio do caminho”, mostrando os bastidores das tentativas de asfaltamento da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho.
O crime
No início do mês, Polícia Federal (PF) concluiu o inquérito do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips e confirmou o envolvimento de nove pessoas, entre elas o mandante, conhecido como Colômbia, líder do crime organizado que atua na tríplice fronteira, na região do Alto Solimões, no Amazonas. Durante toda a investigação, ele teve sempre duas identificações: Rubem Dário da Silva Villar e Rubens Villar Coelho, documentos que ele próprio apresentou às autoridades policiais. Colômbia é autoidentificado como “pescador”, natural da cidade de Benjamin Constant, e morador da comunidade Boa Vista, conforme apurou a Amazônia Real.
O inquérito da PF encerra um dos capítulos mais controversos de um crime de repercussão global, ocorrido em junho de 2022. Havia, contudo, a perspectiva de continuidade das investigações até chegar a outros envolvidos, incluindo políticos locais.
Bruno e Dom foram mortos nas proximidades da Terra Indígena Vale do Javari, em Atalaia do Norte (a 1.136 quilômetros de Manaus). Na região fica a segunda maior a Terra Indígena (TI) do Brasil, atrás apenas da TI Yanomami, em Roraima e Amazonas. Na região, vivem mais de 6.317 indígenas de sete povos contatados (Kanamari, Kulina, Marubo, Matís, Matsés e Tsohom-Dyapá, este de recente contato, e um grupo de Korubo) e ao menos 16 referências a grupos isolados e não contatados. Outro grupo de indígenas Korubo permanece em isolamento voluntário.
O indigenista ajudava os indígenas da TI Vale do Javari a criarem grupos de vigilância contra os invasores de suas terras. Por meio de câmeras e uso de equipamentos de georreferenciamento, ele ensinava os povos originários a localizarem pescadores ilegais, garimpeiros, madeireiros, o que o tornou alvo dos predadores da floresta.
Em outubro do ano passado, o juiz federal Wendelson Pereira Pessoa, da Comarca de Tabatinga, decidiu que “Pelado”, “Dos Santos”, e “Pelado da Dinha”, vão a júri popular pelo crime. Na decisão, à qual a Amazônia Real teve acesso, o juiz ressaltou ter baseado sua decisão em laudos periciais, a maioria feitos pela Polícia Federal (PF), que indicam a “materialidade dos homicídios e das ocultações de cadáveres”.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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