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ToggleA liminar obtida pelo Ministério Público Federal (MPF) na Justiça Federal no último dia 14 contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e o Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea) suspendeu a emissão de uma importante licença ambiental no Complexo de Energias Boaventura (antigo Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – Comperj). Sem a licença de operação e recuperação (LOR), a Petrobras terá de manter a unidade de tratamento de gás de Itaboraí (UTG-ITB) em regime de pré-operação, limitado em tese a testes e ajustes de equipamentos. A decisão da 2ª Vara Federal de Itaboraí ocorreu na ação civil pública (ACP) ajuizada em janeiro passado pelo MPF, conforme ((o))eco noticiou no último dia 20.
No último dia 4, a Comissão Estadual de Controle Ambiental do Rio de Janeiro (Ceca) aprovou a Deliberação 6.820/2025, que autoriza a emissão de LOR para a UTG-ITB. Contudo, o extrato do ato de concessão da licença não foi publicado até o momento no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. Conforme reza o artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei Estadual 5.427/2009, que regula os atos e processos administrativos no estado do Rio de Janeiro, “qualquer ato que implique dispêndio ou concessão de direitos deverá ter seu respectivo extrato publicado na imprensa oficial”. “A licença só faz efeito no mundo depois que é recebida pelo administrado”, observa um especialista em direito ambiental, que prefere não ter seu nome divulgado.
O MPF enviou ofícios ao Ibama e Inea na última sexta-feira (28) assinalando que a publicação do extrato do ato de concessão da LOR no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro é ato necessário para que a Petrobras inicie a operação comercial da UTG-ITB. É o que permite o controle social do cumprimento das condicionantes estabelecidas na licença. Portanto, o MPF entende como suspensa a concessão da emissão dessa LOR em razão da liminar concedida pela Justiça Federal no último dia 4 de novembro.
Há na Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE) quem entenda que a publicação do extrato do ato de concessão da licença é uma mera formalidade. Assim, seria suficiente a deliberação da Ceca para afastar os efeitos da liminar da Justiça Federal sobre a LOR aprovada pela Ceca.
No entanto, a numeração e as condições de validade da licença são incluídas apenas no ato administrativo de concessão do instrumento, também conhecido como ato de emissão ou expedição. A publicação do extrato do ato de concessão é o que produz efeitos jurídicos quanto ao início da operação comercial, diferentemente da deliberação da Ceca, que aprova a emissão, mas não se confunde ela mesma com a expedição do instrumento.
Ilustra tal distinção a concessão da LOR para as unidades de utilidades que geram insumos como água tratada, energia elétrica e vapor para a Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) do então Gaslub, concomitantemente ao gerenciamento de áreas contaminadas no local. Em 2 de setembro de 2024, a Ceca concedeu a LOR IN100561 à Petrobras para a operação comercial das unidades de utilidades da UPGN. A licença também prevê o gerenciamento pela empresa das áreas contaminadas na área do megaempreendimento. Com 55 condicionantes, o documento pode ser acessado aqui.
Quase um mês antes, a LOR havia sido aprovada pela Ceca na Deliberação 6.724, de 6 de agosto de 2024, aqui disponível. A aprovação da licença pela Ceca foi noticiada pelo ((o)eco dois dias depois, em 6 de agosto.
A expectativa da Petrobras era de que outras duas licenças fossem aprovadas pela Ceca até o fim deste ano, segundo a assessoria de comunicação da empresa, em resposta às questões da reportagem: a LO do duto de gás liquefeito de petróleo (GLP) de 10 polegadas (OCERJ 10″) e a renovação da licença de instalação (LI) da unidade petroquímica básica (UPB).
Ibama e Inea apenas poderão emitir a LOR da UTG-ITB e a LO do duto de GLP e renovar a LI da UPB quando as medidas previstas na decisão judicial que deferiu o pedido de liminar do MPF forem implementadas pelas duas autarquias. Como se trata de decisão em primeira instância, Ibama e Inea em tese poderão apresentar recursos contra a liminar à 2ª Vara Federal de Itaboraí e ao Tribunal Federal Regional da 2ª Região (TRF2).
Nova tentativa
A suspensão de novos licenciamentos valerá até que Ibama e Inea comprovem as seguintes ações: a implementação de medidas equivalentes às previstas por duas condicionantes da licença prévia (LP) emitida em 2008 para o Comperj; a recuperação de áreas contaminadas na área de influência do megaempreendimento; e a devida consideração da zona de amortecimento da Estação Ecológica da Guanabara no licenciamento ambiental das estruturas do Boaventura.
Sob delegação do Ibama, formalizada em acordo de cooperação técnica celebrado em agosto de 2019, o Inea continuava emitindo uma série de licenças ambientais para diferentes estruturas do Complexo de Energias Boaventura (antigo Comperj) sem que as condicionantes 30.1 e 30.2 da LP tivessem sido cumpridas. Normalmente, a LI e a LO apenas podem ser emitidas se as condicionantes da LP já foram atendidas.
Expedidas pela antiga Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), na época o órgão ambiental licenciador no Rio de Janeiro, as duas licenças determinavam à Petrobras a restauração das matas ciliares das sub-bacias dos rios Caceribu e Guapiaçu-Macacu (30.1) a montante do antigo Comperj, somando 2.014 hectares, e a implantação de uma zona tampão entre o empreendimento e a Área de Proteção Ambiental (APA) Guapi-Mirim (30.2), totalizando entre 2.308 e 2.525 hectares.
Espera-se que a zona tampão seja viabilizada com a implantação efetiva do Parque Natural Municipal Águas de Guapimirim (PNMAG), criado oficialmente em janeiro de 2013 pelo então prefeito de Guapimirim (RJ), mas ainda aguardando a desapropriação das fazendas de gado lá existentes.
Para Rogério Rocco, superintendente do Ibama no Rio de Janeiro, “a liminar cria uma janela de oportunidades importante, pois demonstra que o Judiciário acolheu tudo o que vínhamos chamando a atenção nos últimos tempos relacionado ao descumprimento das condicionantes e à manutenção dos impactos negativos em razão da omissão de restaurar as áreas determinadas pelo Ibama e pelo ICMBio”
Os efeitos da decisão da Justiça Federal poderão ser interrompidos se um novo termo de ajuste de conduta (TAC) for assinado, desta vez entre o MPF, o Ibama e a Petrobras, acredita Rocco. “Creio que estabelecer um TAC é uma possibilidade formal de firmar compromissos no âmbito do Judiciário para solucionar a questão. Na assinatura de um TAC, ele consegue amarrar essas obrigações e destravar a decisão judicial, definindo prazos e objeto, um TAC bem elaborado.”
Os TACs estaduais do Comperj

Em agosto de 2019, foi assinado o primeiro Termo de Ajuste de Conduta (TAC 1) entre Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Petrobras, Secretaria de Ambiente e Sustentabilidade (Seas-RJ) e Inea com o objetivo de regularizar o cumprimento de condicionantes do licenciamento ambiental do Comperj. Em atendimento ao previsto no TAC 1, a Petrobras repassou R$ 396,8 milhões ao Fundo do Meio Ambiente do Rio de Janeiro (FMA-RJ) entre 2019 e 2020 para que fossem restaurados 4.322 hectares de ecossistemas da Mata Atlântica, incluindo matas ciliares, florestas e áreas alagadas e brejosas.
Visando ao cumprimento tardio das condicionantes 30.1 e 30.2 da LP de 2008, a restauração da área seria uma medida de mitigação dos impactos adversos sobre o meio ambiente causados pela terraplanagem superior a 2.000 hectares de vegetação removida no interior do megaempreendimento da Petrobras. Para implementar a restauração florestal prevista no TAC 1, o governo fluminense lançou em outubro de 2020 o programa Florestas do Amanhã (FDA) com o dinheiro repassado pela Petrobras ao FMA-RJ em cumprimento de cláusulas do TAC 1 do Comperj.
Contudo, o programa evolui bastante devagar. A última atualização do FDA no Portal da Restauração Fluminense, referente a março passado, mostra dados parecidos com os atualizados até maio de 2023. Somente 313,7 hectares continuam em processo de restauração, ou 7,3% dos 4.322 hectares previstos na LP de 2008 e no TAC 1. O quadro se torna mais desolador quando se observa a situação das mudas plantadas.
Segundo o diagnóstico ambiental rápido (DAR) realizado pelo Inea, 27,7% da área restaurada apresenta situação crítica, requerendo “grandes intervenções ou refazer a implantação da restauração por completo”, informa o Inea na página do FDA no Portal da Restauração Fluminense. A assessoria de imprensa da Seas-RJ informou que a área sob restauração no FDA já alcança 364,5 hectares, mas não forneceu detalhamento dos dados referentes a essa atualização de informações.
Também pouco andou a implantação do Parque Águas de Guapimirim (PNMAG), objeto de um novo acordo relacionado ao descumprimento de condicionantes da LP de 2008. A área do parque permanece ocupada por pastagens, aguardando a desapropriação das fazendas de gado lá existentes pelo governo do Rio de Janeiro.
Se as duas condicionantes da LP do Comperj tivessem sido cumpridas, 4.322 hectares já estariam restaurados, contribuindo para atenuar os impactos ambientais adversos do Comperj, sequestrar carbono da atmosfera, impedir o carreamento de poluentes para os rios da região e aumentar a carga hídrica de mananciais que abastecem perto de 2 milhões de pessoas no leste fluminense.
A restauração também é vista como crucial para proteger duas unidades de conservação federais – a APA Guapi-Mirim e a Estação Ecológica (Esec) Guanabara –, localizadas numa região que abriga o maior complexo de remanescentes de manguezais da Baía de Guanabara. Além de mitigar e atenuar os impactos do Complexo Boaventura sobre essas duas UCs, a restauração é crucial para proteger os manguezais, um grande aliado da estratégia de adaptação aos eventos climáticos extremos.
Petrobras admite efeitos sobre suas licenças
Ao pedido de posicionamento a respeito da liminar concedida ao MPF efetuado pela reportagem, a Petrobras informou por meio de sua assessoria de imprensa que “não é parte na ação civil pública mencionada pela imprensa, ajuizada pelo MPF contra o Ibama e o Inea”. A empresa admite, porém, que “os efeitos da decisão judicial em referência (…) impactam a companhia, pois podem repercutir sobre o licenciamento de empreendimentos futuros do Complexo de Energias Boaventura”.
Sem indicar evidências sobre o cumprimento das condicionantes 30.1 e 30.2 da LP de 2008, “a Petrobras reafirma que cumpre rigorosamente todas as condicionantes ambientais estabelecidas nas licenças concedidas pelo órgão ambiental competente. A Companhia mantém-se sempre disponível ao diálogo com as autoridades ambientais e com o Ministério Público e reforça seu compromisso com a transparência, com a proteção ambiental e com a segurança das comunidades do entorno”.
Ibama e Inea esquivaram-se de comentar a decisão judicial que concedeu liminar na ACP, em que figuram como réus. Por meio de sua assessoria de comunicação social, o Ibama informou que os processos de licenciamento ambiental referentes ao Complexo de Energias Boaventura (antigo Comperj) são conduzidos pelo Inea, não competindo à autarquia, portanto, a emissão de qualquer nova licença. O Ibama é acusado pelo MPF na ACP de ter falhado no seu dever de supervisionar a delegação atribuída ao Inea para conduzir o licenciamento do Comperj, renomeado para Polo Gaslub em maio de 2020 e Complexo de Energias Boaventura em setembro de 2024.
A reportagem pediu ao Inea no dia 18 último seu posicionamento ante a liminar. Na ocasião, o órgão informou por meio da assessoria de comunicação da Seas-RJ que não havia sido notificado a respeito da decisão judicial. Novamente indagado sobre o mesmo assunto no dia 24, o Inea reiterou que não fora notificado oficialmente acerca da decisão da Justiça Federal até aquele momento.
O Instituto Chico Mendes (ICMBio/MMA) foi aceito em junho último pelo juiz da 2ª Vara Federal de Itaboraí como parte auxiliar do MPF no polo ativo da ACP. Em nota enviada a ((o))eco, por meio de sua assessoria de comunicação, o ICMBio declara aguardar “que essa decisão judicial inaugure um novo momento para a solução desse grande passivo ambiental, que traz impactos relevantes para a saúde da Baía de Guanabara, seus manguezais e o abastecimento público da população do Leste Fluminense”.
Para o gerente do ICMBio na região Sudeste, Breno Ferreira, “a decisão da Justiça Federal é oportuna, pois reafirma a necessidade destas ações de restauração, de modo a assegurar a funcionalidade e a saúde ambiental do maior remanescente de manguezais da baía de Guanabara”.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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