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Juntos no terreno para entender a Amazônia

Juntos no terreno para entender a Amazônia

Painel em Lisboa contou com as participações de jornalistas da Amazônia Real e do jornal português Expresso (Imagem: Vilma Reis para Amazônia Real).


Lisboa  – Após os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips, meia centena de repórteres, de vários países, uniram esforços num consórcio para dar seguimento ao trabalho investigativo que os dois estavam a fazer pela floresta e suas gentes. No primeiro semestre de 2023, o jornal português Expresso entrou em contacto com a Amazônia Real para uma reportagem especial. Alguns jornalistas viajaram até Manaus e trabalharam no terreno, em conjunto. O resultado foi publicado em junho passado, em vários meios de comunicação.

Um ano depois, em 22 de abril, três destes repórteres envolvidos na parceria, estiveram novamente juntos, desta vez em Lisboa, para contar como o trabalho foi realizado e qual o impacto da colaboração para o jornalismo dos dois veículos. Num painel inserido no evento Mês das Amazônias em Portugal, organizado pela pesquisadora Lau Zanchi durante a abertura da Exposição “A Selva que nos Habita”, que ocupou a Biblioteca do Palácio Galveias na capital portuguesa entre os meses de abril e maio, José Cedovim e Micael Pereira (do Expresso) e Alberto César Araújo (da Amazônia Real) deram mais detalhes de como foram feitas as reportagens que se debruçaram sobre o garimpo e a reconstrução da estrada entre Porto Velho e Manaus.

Para uma sala completamente cheia, com a participação de portugueses e brasileiros que vivem em Portugal, os três descreveram o processo da investigação deste esforço transnacional para dar seguimento ao trabalho jornalístico do colega do Guardian que morreu no exercício da sua função como repórter. Quando foi assassinado, o inglês Dom Phillips estava a escrever um livro que já tinha título: “Como salvar a Amazônia”. Ele e o indigenista foram mortos no dia 5 de junho de 2022, durante uma expedição no Vale do Javari, segunda maior terra indígena brasileira, localizada no Amazonas. Vítimas de uma emboscada, investigavam a ação de pescadores ilegais, financiados pelo crime organizado.

Consórcio

Equipes da Amazônia Real e Expresso juntas na Terra Indígena Apurinã (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real/2023).

“Dias depois das mortes, recebi um telefonema do Forbbiden Stories que é uma organização sediada em Paris, sem fins lucrativos, criada com a ideia de continuar o trabalho de jornalistas mortos ou perseguidos, ou seja: ter colegas a continuar os trabalhos dos que morreram ou foram perseguidos por aquilo que estavam a investigar”, disse Micael Pereira, Repórter Especial do semanário português Expresso, correspondente dos Repórteres Sem Fronteiras e membro do International Consortium of Investigative Journalists. Ele contou que o início da parceria com Manaus se deu quando conheceu Alberto César Araújo e, através dele, o restante da equipe da Amazônia Real e como a colaboração efetivamente se consolidou: “Devemos grande parte dessa cooperação à vontade da Fundação Gulbenkian, que teve a generosidade de financiar a operação conjunta do Expresso e da Amazônia Real (…) nós acabamos por constituir duas equipas mistas que trabalharam juntas no Amazonas e desenvolveram duas histórias sobre questões fundamentais que ameaçam aquele território, o seu futuro e as populações que habitam aquele lugar, sobretudo as populações indígenas que protegem a floresta”, explica Micael.

Decidiram contar a história da BR 319: “Integrar para não entregar era o slogan que os militares usavam para abrir o acesso a floresta, tornar a floresta um espaço que pudesse ser explorado do ponto de vista de seus recursos naturais e, portanto, implicando na sua destruição e desmatamento, como diz no Brasil, ou desflorestação, como dizemos aqui em Portugal (…) governos sucessivos do Brasil tiveram o plano de reconstruir essa estrada e permitir trazer o progresso a essa parte ainda preservada da Amazônia. Essa foi a história que nós fomos fazer”, conta Micael. Para além de vários artigos publicados em Portugal e também no inglês Guardian, a parceria resultou num trabalho multimídia e num documentário.  

O painel contou ainda com o depoimento de José Cedovim Pinto, Jornalista Multimídia do Expresso e que também participou da parceria com a Amazônia Real. Cedovim vincou a dimensão emocional que envolveu o trabalho das duas equipes. “Eu costumo dizer que nessa coisa do Jornalismo há duas palavras mágicas para mim: sensibilidade e empatia. Viajei com estes dois conceitos bem assentes dentro de mim para conseguir olhar o problema da Amazônia como um problema global e não restrito a uma área, mas que nos envolve a todos. Julgo ter tido a capacidade de perceber que aquilo era algo muito maior do que nós”, diz o jornalista. Ele citou ainda os momentos difíceis do trabalho, como quando foram abordados por um homem armado que os intimidou. Para Cedovim, todos estes momentos de tensão estão ligados com a verdade que o jornalismo busca incessantemente: “nos comprometemos, desde o início, em sermos honestos com o que estávamos a ver e a mensagem que queríamos transmitir. Como jornalistas, temos a obrigação de sermos isentos e imparciais, falamos muito sobre essa imparcialidade e percebemos, claramente, nesse fenómeno chamado Amazônia, que é muito difícil reportar aquela problemática porque, a certa altura, não queremos ser jornalistas isentos e obter respostas mas sim formular novas perguntas”, diz o jornalista.

A intervenção de Alberto César Araújo situou o painel na dificuldade que é trabalhar em reportagens, sendo amazônida: “Sou nascido e criado em Manaus e sei de coisas que eu não posso falar em público porque a minha terra se tornou um dos lugares mais arriscados para jornalistas e eu vou voltar pra lá! A história dessa estrada é uma história de máfia e de crimes – não só ambientais. O governo Bolsonaro incentivou o garimpo ilegal e pudemos ver o resultado dessa política na tragédia com os Yanomami. Tratou-se de um programa de governo que dificultava ao máximo a vida das populações tradicionais que ali estão. O atual governo, do Lula, de centro-esquerda, infelizmente, não é muito diferente. A perspectiva que o Lula tem da Amazônia não difere muito dos militares não, sabe?

“Ele (atual governo) ainda está com esse pensamento de que a Amazônia é um recurso”.

Alberto César (Foto: Vilma Reis)

Na espinha dorsal da parceria esteve sempre presente o esforço que foi feito para entender as várias realidades e diferentes perspectivas sobre aquele espaço, desde as “conversas com o povo Apurinã e também o entendimento com a população urbana de Tapauá. Mesmo em momentos de atrito profissional, parávamos para voltar a nos situar às questões fundamentais, que nos levaram a estar ali, juntos, porque temos culturas diferentes de trabalho, olhamos pro mundo de formas diferentes e temos que fazer um esforço para encontrarmos uma leitura que seja compatível, que nos faça sentido, juntos”, frisou Micael, que fechou o painel a falar sobre a verdade espiritual que existe na Amazônia e que “nós não devemos negar. Entendi isso, modestamente, ao ver como aquelas populações se relacionam com a floresta, eles pertencem à floresta na mesma forma que a floresta lhes pertence, ou seja, não é uma questão de propriedade, mas uma questão de pertença. Eu consegui sentir isso emocionalmente e são essas as pontes necessárias para a preservação daquele imenso lugar”.

Abertura da exposição A Selva que nos Habita na Biblioteca Palácio Galveias, em Lisboa. Lauro Moreira, ex-embaixador do Brasil junto à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Fotos: Amazônia Real).

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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