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Indígenas querem co-presidência da COP30

Indígenas querem co-presidência da COP30

A exigência saiu na conclusão da COP29, que acaba neste final de semana, no Azerbaijão, e já apresenta os mesmos impasses e frustrações com quem espera avanços em defesa do planeta. Na foto acima, a liderança Alessandra Korap Munduruku, durante a COP29. (Foto: Divulgação COP29)


Manaus (AM) – A COP29, em Baku, no Azerbaijão, está próxima do encerramento, abrindo agora caminho para uma edição em um país democrático, daqui a um ano. A expectativa é que a COP30, no ano que vem em Belém (PA), traga mais abertura aos movimentos sociais e menos pressão das indústrias e que não haja retrocessos. As últimas edições foram realizadas em países de sistema político autoritário, e com forte pressão da indústria da mineração: em 2022, no Egito; em 2023, no Catar; e a atual no Azerbaijão.

A previsão era que a COP29 finalizasse nesta sexta-feira, mas impasses emperraram o fechamento do documento final. Isso porque a edição de 2024 da COP tem como um dos principais temas o financiamento climático, mas muitas nações, sobretudo as mais ricas, não aceitam se responsabilizar  pelos os impactos ambientais e sociais no planeta. Países como o próprio Azerbaijão continuam defendendo a exploração de combustíveis fósseis. Financiamento climático inclui programas de compensação e mitigação para projetos que têm o objetivo reduzir as emissões de gases de efeito estufa e combater a crise climática. Uma dessas ações é investir em energias renováveis.

À Amazônia Real, a coordenadora do Fundo Rutî do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Josimara Baré, fez críticas ao evento. Ela classificou o evento em Baku como “COP do retrocesso”.

“Com metas nada ambiciosas e países descompromissados com a questão ambiental e social, inclusive o que lançou uma meta de 67% que deveria ser mínima. Até agora, as negociações estão travadas em pontos muito importantes”, reclamou ela, que esteve presente em Baku, durante a COP29.

Josimara lembrou o Artigo 6, que trata de mecanismos de cooperação internacional para alcançar metas de redução de emissões de gases poluentes, e o NCQG, que é a nova meta de financiamento climático, ainda não avançaram como deveriam.

“Queremos recursos justos, que venham como apoio, e não como dívida, para que possamos proteger nossos territórios e combater as mudanças climáticas”, ponderou.

A liderança disse que os textos finais dessas metas ainda precisam ser mais claros sobre esses pontos e outros como: justiça climática, inclusão de jovens e gênero, desmatamento, adaptação, etc. “Mas o que tudo indica é que muita coisa será adiada para definição na COP30”, analisou.

Josimara Baré afirmou que a participação e escuta dos povos indígenas vem aumentando e garantindo espaços de “debates de alto nível”.

“Acredito que na COP30 o governo brasileiro, através do Ministério dos Povos Indígenas, já está traçando estratégias para reforçar ainda mais a participação, um exemplo é a iniciativa do programa ‘Kuntari Katu’, a qual inclusive faço parte. O programa visa formar 30 líderes indígenas na política global. Onde teremos vários momentos formativos para que estejamos preparados para garantir que nossas vozes sejam respeitadas e nossas vidas não sejam apenas instrumentos de outros. Pois nossa luta é real, nossa resistência é legítima e nossa presença nesses espaços é só o começo”, disse. 

Josimara Baré espera que a COP30, finalmente, aprove a nova meta de financiamento climático (NCQG) e que ela leve em conta as necessidades reais dos povos indígenas. “Queremos que o financiamento seja suficiente e chegue diretamente às nossas comunidades, reconhecendo nossa importância na proteção dos territórios e na luta contra a crise climática”. 

Josimara avalia que a COP30 deve ser o momento de mostrar ao mundo que sem os povos indígenas, não há solução para o clima. E que o Brasil poderá mostrar diversos exemplos de iniciativas que já ocorrem nos territórios.

“Será uma oportunidade do governo trabalhar em conjunto com a sociedade civil, principalmente com as organizações indígenas que estão liderando a questão de clima e . Queremos que nossos direitos sejam reconhecidos e garantidos. Como guardiões da natureza, exigimos que nossas contribuições sejam valorizadas e que os recursos climáticos cheguem diretamente às nossas mãos, sem intermediários. Não é apenas o que queremos, é o que merecemos: que nossas terras, nossos conhecimentos e nosso papel na luta climática sejam reconhecidos e protegidos”, pontuou.

Em sua participação na COP29, a ministra dos povos indígenas, Sonia Guajajara, declarou ser a favor de que o financiamento seja direto para as comunidades e populações indígenas. Ela destacou que os povos indígenas, responsáveis pela proteção das florestas, recebem apenas 1% dos financiamentos dedicados a esse objetivo.

“Não há mais o que negociar, os governos precisam desse apoio multilateral para continuar aplicando políticas públicas locais”, defendeu a ministra, em matéria publicada na agência Brasil.

A Amazônia Real procurou a ministra, através da assessoria do MPI, para ela explicar com mais detalhes o que ela considera financiamento direto, mas não deu retorno até a publicação desta reportagem.

Co-presidência indígena

A liderança Josimara Baré (à esq), com Valéria Carneiro, do Fundo Quilombola Mizizi Dudu, e Ronaldo Amanayé, da Fepipa. (Foto: Pepyaká Krikati)

A COP29 foi marcada por protestos, como foi o caso do ato público contra o projeto da Ferrogrão, e cobranças por mais participação dos povos indígenas. Lideranças não querem mais ser meros observadores ou participar apenas de eventos paralelos, sem poder de decisão.

Nos primeiros dias da COP29, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) reivindicou uma co-presidência indígena para a COP30 e o fim da era do combustível fósseis, cuja exploração tem sido uma das principais quedas de braço entre indústria do petróleo e movimentos sociais e ambientais nas conferências do clima. “Somos autoridades do clima, não aceitamos que as negociações aconteçam sem a participação de nossas vozes”, declarou Avanilson Karajá, liderança da Coiab, durante sua intervenção em programação paralela na COP em Baku.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), mesmo sem representante na COP29, endossou a cobrança da Coiab e exigiu a participação dos povos originários nas tomadas de decisão.

Na COP29, como se esperava, o acesso às discussões de negociação foi fechado, com forte pressão dos interesses econômicos.

Espaço democrático

A liderança Auricélia Arapiuns, da região do rio Tapajós e integrante do conselho deliberativo da Coiab, afirmou à Amazônia Real que espera uma maior abertura e um espaço democrático aos movimentos sociais na COP30.

“Esperamos que não seja apenas um evento, mas um espaço de movimentos sociais e de manifestação popular, para o povo mostrar o que é a Amazônia e o que é o Pará. Um estado que atropela os direitos dos povos indígenas, que passa por cima de nós como um trator. Que fala bonito, que usa inclusive alguns parentes para ter legitimidade neste contexto”, afirmou Auricélia à Amazônia Real.

A coordenadora da Associação Indígena Pariri, Alessandra Korap Munduruku, está em Baku, no Azerbaijão, que esteve na da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas avalia como necessário que os próprios povos indígenas participem cada vez mais das discussões climáticas.

“O mundo todo está discutindo as nossas vidas. As secas que estão acontecendo, antes não acontecia; a morte de peixe, rios desaparecendo, muita fumaça, muita queimada. Mas não é culpa da gente, não é culpa dos povos indígenas, é culpa dessas próprias empresas que muitas vezes querem pagar a compensação para continuar destruindo”, ressalta.

A líder indígena cobra ainda a realização de consulta aos povos originários sobre tomadas de decisões a respeito de projetos que visam, pretensamente, a defesa da floresta e dos territórios. Ela refere-se particularmente a programas de créditos de carbono, impostos por governos sem consulta às comunidades.

“O Estado nunca nos consultou, e de repente a gente vê que chegou uma discussão nova para o território que é [a questão do] crédito carbono, Reed+, bioeconomia, obrigando os povos a entender e aceitar”, dispara.

Alessandra Munduruku lembra ainda outros enfrentamentos que os povos indígenas têm pela diariamente, no Brasil, como é o caso mais recente da luta contra a PEC 48, conhecida como o “Marco da Morte”, por insistir na tese do Marco Temporal, mesmo depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter tratado a questão do ponto de vista da inconstitucionalidade.

“O Senado quer aprovar a mineração em terras indígenas, o arrendamento das terras indígenas e tem Câmara de Conciliação tentando negociar, negociar os nossos direitos”, denuncia.

Alessandra também criticou posicionamento do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), durante a COP em Baku, lembrando que o estado que sediará a próxima COP, em 2025, enfrenta questões com mineradoras, hidrelétricas, projetos que passam por cima de de direitos dos povos indígenas como é o caso Ferrogrão, entre outros temas. 

Durante evento realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o governador do Pará defendeu o mercado de crédito de carbono como solução de melhorias para as vidas das comunidades, e disse que “os indígenas não precisam mais bater na porta da Funai para pedir recursos”.

Barbalho também participou de evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) e a empresa Vale. Na mesma programação, o presidente do IBRAM, Gustavo Pimenta, declarou que a mineração tem papel fundamental no debate nacional e global. “nenhuma outra atividade econômica, no Brasil, tem esse compromisso com a Amazônia. Mas manifestar o compromisso com a região é uma pedra fundamental”

Sem citar o nome do governador, a Funai divulgou uma resposta à fala de Helder Barbalho, com uma declaração da presidente do órgão, Joenia Wapichana. “Os povos indígenas têm o direito de procurar todos os órgãos, seja o governo federal, estadual ou municipal, para encaminhar suas demandas. Não somente a Funai tem obrigação, mas todo o Estado brasileiro tem obrigação com os povos indígenas, pois são cidadãos e cidadãs brasileiros. E, sim, os povos indígenas podem levar suas demandas. O atendimento às demandas dos povos indígenas não é atribuição exclusiva de um único órgão, mas um compromisso de todas as instâncias governamentais.”

“O Helder chegar e dizer que o crédito de carbono é uma solução para os indígenas não estarem na porta da Funai? Cadê os direitos dos povos? Como que seria o direito às demarcações, às ameaças, direito à educação, à saúde? Será que o governador vai deixar de lado? Vai jogar esses países para cima do nosso território, ou ele vai receber esse recurso em nome dos povos? A gente tem várias dúvidas, porque eu vejo dois lados. Se ele está falando do meio ambiente, por que ele está liberando a mineração no estado do Pará?”, questiona.

A liderança indígena Auricélia Arapiuns também criticou as declarações do governador paraense. “Foram declarações altamente preconceituosas. Essa fala dele mostra o quanto o governador do Estado do Pará não conhece a realidade dos povos indígenas, não conhece os povos indígenas do Estado do Pará”, criticou. 

Auricélia lembrou que as populações indígenas do Pará continuam sofrendo os impactos das catástrofes climáticas e que esta é a realidade que precisa ser divulgada. Inclusive, recentemente, Amazônia Real mostrou o sofrimento dos povos indígenas e tradicionais com a seca no rio Tapajós, no Pará. 

“Estamos numa crise climática, mas não em mudança climática, porque a mudança climática já passou, agora, nós vivemos as consequências. Enquanto eles estão lá falando e fazendo seus acordos, o governo brasileiro fala bonito e faz feio dentro do Brasil”, dispara.

Sobre a realização da COP30, no Brasil, Auricélia diz esperar que não seja “apenas um evento”, e sim um espaço dos movimentos sociais, um espaço para a manifestação popular.

“[Um espaço] do povo mostrar o que é o Brasil, mostrar o que que é a Amazônia, principalmente mostrar para o mundo o que é o estado do Pará, o que é esse estado que atropela os direitos dos povos indígenas, que passa por cima de nós como um trator. Que fala bonito, que usa inclusive alguns parentes para ter legitimidade neste contexto”, comenta.

Especialista em política climática e presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, criticou a falta de transparência nas negociações da COP, e classificou o evento no Azerbaijão como uma “COP estranha”. “A gente não consegue entender exatamente qual é o curso da negociação, porque tem muitas coisas acontecendo nos bastidores há vários dias. Eu acompanho desde 2009 na COP15, e eu nunca vi uma COP, digamos, tão silenciosa”, conta. 

Apesar da expectativa para a COP de Belém, Natalie lembra a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de que as tarefas de Baku precisam ser resolvidas em Baku, e não em Belém.

“Eu acho que isso foi um sinal muito bom, de que não importa o que aconteça, tem que acontecer aqui”, diz, sinalizando que as discussões para o ano que vem dizem respeito financiamentos para as ações climáticas e para que grandes atores do sistema financeiro internacional parem de financiar combustíveis fósseis e parem de financiar o desmatamento. 

COP do Povo

Indígenas participam da COP29 (Foto COP29)

Enquanto a COP30 não chega, no Brasil, já começou a movimentação da chamada COP do Povo, um evento que, de acordo com a articuladora Claudelice Santos, nasce de um diálogo entre amigos ativistas, defensores ambientais, no ano passado, quando a COP foi anunciada para o Brasil em 2025.

“A ONU faz um negócio que a participação popular é limitada e a gente fica sempre às margens. Então, a gente pensa o porquê que nós não nos juntamos e fazemos uma COP do jeito que a gente acha que deve ser, com pautas que a gente realmente necessita que sejam dialogadas dentro dessa perspectiva de clima”, afirmou, à Amazônia Real.

A COP do Povo conta com a participação de mais de 30 entidades, entre elas a Comissão Pastoral da Terra (CPT Regional Pará), Casa Preta Amazônia, Tuxa Ta Pame – Conselho de gestão Ka’apor entre outros.

A primeira reunião do grupo aconteceu no dia 30/8 em Belém. “O start foi quando a gente começou a juntar outros companheiros que tinham o mesmo pensamento e a mesma sensação, então a gente começou a mobilizar outros defensores de base”, conta Claudelice, ressalta que a COP do Povo tem quatro grandes objetivos.

O primeiro é criar um espaço de coordenação de incidência política, que é um espaço onde as bases vão poder fortalecer as próprias demandas e, claro, tentar influenciar os processos decisórios da COP. 

Outro é criar um espaço de atividades e instalações artísticas,  expressões culturais. “Porque o nosso povo é riquíssimo em cultura e a gente quer que o mundo conheça essa cultura”.

Ela explica que o terceiro, descrito como um dos principais objetivos, é a criação do chamado “tribunal do povo”. “A partir das nossas bases, do nosso chão e de quem nos oprime, viola os direitos dos povos e comunidades, a gente quer fazer um tribunal do povo mesmo, como um julgamento muito baseado nos nossos direitos, seja dos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, comunidades rurais”, explica.

 O quarto objetivo da mobilização, explica, é o estabelecimento de um espaço de mobilização antes, durante e depois da COP. “Por que antes? Porque a gente vai fazer a COP do povo desde as bases, a gente já tem um calendário que nas regiões, nas aldeias, nos quilombos, nos territórios, já querem fazer a discussão sobre o que é essa COP, o que isso vai deixar delegado, não só o evento em si, mas de legado mesmo, positivo ou negativo, a gente quer saber, a gente quer entender, a gente quer discutir”, finaliza.



As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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