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Gilmar suspende processos e propõe ‘mediação’ sobre ‘marco temporal’

Gilmar suspende processos e propõe ‘mediação’ sobre ‘marco temporal’

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes suspendeu, ontem (22), os processos relacionados à Lei 14.701/2023, que prevê o “marco temporal” das demarcações das Terras Indígenas (TIs), entre outras restrições aos direitos dos povos originários. 

A decisão deverá ser avaliada agora pelos outros ministros, no plenário da corte, mas ainda não há data para isso. Ela vale para instâncias inferiores e não tem efeito nas ações sobre o tema que tramitam no próprio tribunal. 

Mendes propôs também um “processo de conciliação e mediação” com o objetivo de resolver o “conflito social subjacente à temática” e o “conflito entre possíveis interpretações da lei”, além de evitar “decisões judiciais conflitantes aptas a causar graves prejuízos às partes envolvidas (comunidades indígenas, entes federativos ou particulares)”, conforme nota enviada pela assessoria do ministro

“Determino, ainda, a intimação de todos os autores das ações de controle concentrado de constitucionalidade ora apreciadas, bem ainda dos Chefes dos Poderes Executivo e Legislativo, além da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República para que, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentem propostas no contexto de uma nova abordagem do litígio constitucional discutido nas ações ora apreciadas”, diz a decisão

Mendes solicitou o apoio do Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (Nusol), criado pelo Supremo em 2020 e que tem o objetivo de apoiar os gabinetes dos ministros e promover a cooperação com outros órgãos do Judiciário. Ainda de acordo com a decisão, a instância deverá realizar audiências sobre o assunto para auxiliar o trabalho de “mediadores/conciliadores” que serão nomeados “oportunamente”.

Negociação de direitos

A decisão, que sequer entrou no mérito da questão, desagradou o movimento indígena, setores do governo e o Ministério Público Federal (MPF). O temor é o de que, em meio aos embates entre os Três Poderes, o processo de “conciliação” abra brecha para a negociação com setores do Congresso, principalmente ruralistas e oposição, desembocando em novas restrições aos direitos indígenas. 

“Gilmar Mendes demorou para decidir e decidiu mal”, criticou o coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do (Apib), Maurício Terena. “Os direitos dos povos indígenas, assim como disse o ministro [do STF] Edson Fachin, são direitos fundamentais, portanto, não são passíveis de negociação”, alertou. Terena informou que a Apib ainda analisa a decisão e deverá se manifestar em breve sobre ela.

Ele avaliou que Mendes “desprestigiou” o colegiado de ministros, já que a corte já tem uma decisão sobre o assunto, e que deveria ter entrado no mérito da questão considerando isso. “A gente está extremamente preocupado com o teor da decisão, porque a lei segue vigente. Isso é um perigo, porque ele suspendeu os processos, mas manteve a lei”, completou. 

Gilmar Mendes é o ministro do Supremo com atuação política mais intensa e, desde o início do governo Lula, aproximou-se do Palácio do Planalto. Por outro lado, sempre foi próximo dos ruralistas e mantém canais de comunicação com os bolsonaristas. 

Na decisão de ontem, ele afirmou que a Lei 14.701/2023 “contém dispositivos que, ao menos em um exame inicial, podem ser interpretados de modo a contrariar parte das teses fixadas no referido julgamento [do marco temporal]”. Em contrapartida, também abriu margem para conversas políticas sobre a questão ao apontar que a legislação “aparenta não ter dedicado a mesma atenção” a outros aspectos do Artigo 231 da Constituição, dos direitos indígenas.

Em vídeo nas redes sociais, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), elogiou a decisão. “[Ela] manteve clara a constitucionalidade dessa lei. Saímos vitoriosos nesse voto do ministro”, comemorou.

A determinação de Mendes veio a público no primeiro dia da 20ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena do país, realizada em Brasília, nesta semana, pela Apib. A estimativa é que mais de oito mil indígenas, de 200 povos diferentes, participem do evento. No centro das discussões, está justamente a defesa do direito à terra, expressa na exigência por demarcações e pela rejeição do “marco temporal”. 

Preocupação no governo

Setores do governo também ficaram preocupados. “Eu me assustei com as decisões de ontem, mas temos muitos argumentos contra”, comentou Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), numa das mesas do ATL. “Não vamos nos curvar. Vamos trabalhar dentro da nossa competência, pelos direitos dos povos indígenas”, continuou. Ela informou que o órgão acompanha de perto o caso e que sua procuradoria também deve se manifestar em breve. 

“O STF se coloca no papel de negociador de direitos que não deveria ser o de um tribunal constitucional. Se existisse conciliação possível, ela deveria se dar com o respeito à decisão do próprio STF, que definiu a inconstitucionalidade do marco temporal”, criticou a advogada do ISA Juliana de Paula Batista.

“Está se abrindo margem para uma negociação em que não necessariamente as organizações indígenas poderão participar em igualdade de condições. Espera-se que o plenário da Corte sopese os direitos indígenas que estão em jogo, e em desigualdade quanto ao poder econômico e político de outros setores da sociedade”, completa. 

O procurador da República no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Felício Pontes, também foi categórico ao criticar a proposta de Mendes. “Temos de dizer não à conciliação”, disse também no ATL. “Como conciliar o direito ao território, que é um direito fundamental dos povos indígenas?”, questionou.

No dia 11, a Procuradoria-Geral da República defendeu que o STF suspenda vários dispositivos da lei, como os que permitem a exploração das TIs por não indígenas. 

Marco temporal

Indígenas chegam ao Congresso em marcha do ATL 2024. Foto: Carolina Fasolo / ISA

Gilmar Mendes tomou a decisão como relator de ações que tratam da Lei 14.701, como a ADC 87 e as ADIs 7582, 7583 e 7586, além da ADO 86, que dá um prazo ao Congresso para regulamentar o parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição, sobre a posse e a exploração das TIs. 

As ações foram apresentadas, a partir do final do ano passado, pela Apib e partidos de esquerda (PT, PCdoB, PV, PSOL, Rede e PDT), que questionam a constitucionalidade da norma, além do PP, PL e Republicanos, que a defendem. O ISA é amicus curiae (“amigo da corte”) nas três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), ou seja, pode apresentar informações e argumentos nos processos. 

A Lei 14.701 foi promulgada após o Congresso derrubar, em dezembro, quase todos os vetos do presidente Luís Inácio Lula da Silva ao texto original. A aprovação da norma desafiou a decisão do STF, de setembro, que declarou inconstitucional o “marco temporal”, por 9 votos contra 2. Na mesma decisão, os ministros da corte fixaram teses complementares sobre a demarcação, a exemplo da indenização pela terra nua para ocupantes não indígenas.

O “marco temporal” é uma interpretação jurídica ruralista, segundo a qual só teriam direito às suas terras as comunidades indígenas que estivessem em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. 

A tese ignora as expulsões e violências cometidas contra essas populações, em especial nas últimas décadas. Na prática, pode inviabilizar grande parte das demarcações, por questionamentos administrativos ou judiciais.

Marcha do ATL 2024. Foto: Kamikiá Kisedje / Apib

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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