Controlar fogo é difícil, tanto no caso de queimadas propositais como de incêndios florestais. Isto foi demonstrado pela inabilidade do Exército Brasileiro de conter os surtos de fogo em cada ano de 2019 a 2022, na tentativa de fazer cumprir decretos do Presidente Jair Bolsonaro proibindo o uso de fogo durante 120 dias, o resultado sendo números recordes de pontos de fogo cada ano [1-3]. O Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), que é mais eficiente que o Exército, tem a sua atuação limitada às unidades de conservação federais, enquanto o restante da Amazônia é responsabilidade de governos estaduais e municipais [4]. É evidente que a escala dos eventos de fogo ultrapassa em muito a capacidade de controle. Um exemplo do desafio que representa foi o “grande incêndio de Roraima” durante o El Niño e 1997/1998, quando mesmo trazendo bombeiros de Argentina não houve essencialmente nenhuma diminuição do incêndio até que a época chuvosa começasse em março de 1998 (e.g., [5]). Evidentemente, controlar incêndios é muito caro e de eficacidade limitada depois do fogo estar iniciada em grande escala.
É evidente que precisa agir antes dos fogos começarem. Algumas medidas diminuem as chances de queimadas escaparem de controle e se tornar incêndios, tais como, preparação de aceiros para proteger florestas e outras áreas vizinhas, tocar fogo no final do dia quando há menos calor e vento, e escolher uma data para queimar quando o combustível não esteja totalmente seca. Coordenação com vizinhos também ajuda evitar o espalhamento para outras propriedades.
Alguns projetos têm experimentado com alternativas ao uso de fogo na agricultura do tipo corte e queima. Um e o projeto hoje conhecido como “Agricultura sem Fogo”, que começou como o projeto SHIFT (Studies on Human Impact on Forests and Floodplains in the Tropics) nos anos 1990, uma colaboração entre a Alemanha e a Embrapa-Amazônia Oriental [6]. O estudo continua em várias unidades de Embrapa [7, 8]. Isto usa vários desenhos de trituradores montados em tratores para triturar capoeira (não troncos da floresta primária). Os resultados são considerados satisfatórios. No entanto, é evidente que ainda não se espalhou em grande escala, provavelmente por depender de equipamentos que não são baratos para obter, manter e operar, portanto, exigindo um subsídio nem sempre disponível.
Outro sistema foi a “tecnologia Yurimaguas”, desenvolvido em uma estação de experimentação em Yurimaguas, Peru por agrônomos da Universidade Estadual de Carolina do Norte, nos EUA [9]. O sistema propunha substituir a agricultura de corte e queima por cultivação contínua, mantida com insumos de adubos e agroquímicos. Uma série de problemas agronômicos, sociais e financeiras impede que o sistema alcançasse seu objetivo de substituir o desmatamento e o uso do fogo [10]. Mesmo se não tivesse esses impedimentos, um problema básico, assim como no caso do triturador, é que é difícil concorrer com algo tão barato e facilmente disponível como o uso de fogo. Em termos do problema maior de desmatamento e fogo na Amazônia brasileira, outra limitação é que essas inciativas só se tratam de pequenos agricultores familiares, enquanto o grosso do problema se refere a pecuaristas que desmatam e queimam áreas muito maiores. Para os pecuaristas a solução não seria novas tecnologias, mas sim diferentes decisões políticas difíceis para os induzir a investir em atividades econômicas menos danosas [11, 12].
O principal fator levando a mais fogo, especialmente incêndios florestais, é o aquecimento global e as grandes secas resultantes disto. O efeito estufa antropogênico tem solução: exige uma parada rápida das emissões líquidas de gases de efeito estufa. Isto exige um esforço global, e o Brasil deve assumir a liderança nisto sendo que os impactos da continuação do aquecimento seriam desastrosos para o País, a começar pela perda da floresta amazônica e os seus serviços ambientais [13, 14]. Infelizmente, com a exceção do Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas (MMA), praticamente todo o resto do governo está agindo no outro lado desta questão [15, 16]. O Ministério dos Transportes quer reconstruir a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho), que, junto com as estradas laterais planejadas, implica em enormes áreas desmatamento [17], o Ministério das Minas e Energia quer abrir novos campos de perferação para gás e petróleo, inclusive na foz do rio Amazonas e na floresta Amazônica [18], o Ministério da Agricultura financia pasto e soja na Amazônia e a transformação de pasto em soja tanto dentro como fora da Amazônia, o que resulta em forte desmatamento “indireto” na Amazônia [11], e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) age principalmente para legalizar reivindicações de terra em florestas públicas, que é uma das grandes forças empurrando o desmatamento [11, 19]. [20]
A imagem que abre este artigo mostra agentes do PrevFogo/Ibama no combate a queimada na Terra Indígena do Xingu, Set/24 (Foto: João Stangherlin/Ibama).
Notas
[1] Silveira, M.V.F., Petri, C.A., Broggio, I.S. et al. 2020. Drivers of fire anomalies in the Brazilian Amazon: Lessons learned from the 2019 fire crisis. Land 9(12): art. 516.
[2] Silveira, M.V.F., Silva-Junior, C.H.L., Anderson, L.O. & Aragão, L.E.O.C. 2022. Amazon fires in the 21st century: The year of 2020 in evidence. Global Ecology and Biogeography 31(10): 2026-2040.
[3] Sordi, J. 2022. Blazing start to Amazon’s ‘fire season’ as burning hits August record. Mongabay, 01 de setembro de 2022.
[4] Eufemia, L., Turetta, A.P.D., Bonatti, M., da Ponte, E. & Sieber, S. 2022. Fires in the Amazon Region: Quick Policy Review. Development Policy Review 40: art. e12620.
[5] Barbosa, R.I. & Fearnside, P.M. 1999. Incêndios na Amazônia brasileira: Estimativa da emissão de gases do efeito estufa pela queima de diferentes ecossistemas de Roraima na passagem do evento “El Niño” (1997/98). Acta Amazonica 29(4): 513-534.
[6] Denich, M., Vielhauer, K., Kato, M.S.A., Block, A., Kato, O.R., de Abreu Sá, T.D., Lücke, W. & Vlek, P.L.G. 2004. Mechanized land preparation in forest-based fallow systems: the experience of eastern Amazonia. Agroforestry Systems 61: 91–106.
[7] Sampaio, C.A., Kato, O.R. & Nascimento-e-Silva, D. 2008. Sistema de corte e trituração da capoeira sem queima como alternativa de uso da terra, rumo à sustentabilidade florestal no Nordeste Paraense. Revista de Gestão Social e Ambiental 2(1): 41-53.
[8] Leão, V.M. da Silva Teixeira, K., de Assis Oliveira, D.P., de Abreu Sá, T.D. & Kato. O.R. 2020. Agricultura de corte sem queima e o projeto Tipitamba. Cadernos de Agroecologia 15(2).
[9] Sanchez, P.A., Bandy, D.E., Villachica, J.H. & Nicholaides Ill, J.J. 1982. Amazon Basin soils: Management for continuous crop production. Science 216: 821-827.
[10] Fearnside, P.M. 1987. Rethinking continuous cultivation in Amazonia. BioScience 37(3): 209‑214.
[11] Fearnside, P.M. 2021. O desmatamento da Amazônia–Série Completa . Amazônia Real
[12] Fearnside, P.M. (ed.) 2022. Destruição e Conservação da Floresta Amazônica. Editora do INPA, Manaus, Amazonas. 356 p.
[13] Machado, F.F., M.C.N.S. Terra, A.F. Rodrigues, P.M. Fearnside, L.F.G. Pinto, P.C. Bispo, F.F.V. Faleiro, A.G. Coutinho, A.L. Regolin, C. Jaramillo-Giraldo, F.R. Melo, F.P.L. Melo, I.C.G. Vieira, L.M. Monteiro, L.G.A. Barboza, M. Venzon, R.R.S. Vieira, R. Corrêa, S.M. Pessoa & F.M. Pelicice. 2024. Além da COP28: O Brasil deve agir para enfrentar a crise global do clima e da biodiversidade. Amazônia Real, 08 de outubro de 2024.
[14] Fearnside, P.M. & R.A. Silva. 2023. A seca na Amazônia em 2023 indica um futuro desastroso para a floresta tropical e seu povo. The Conversation, 06 de novembro de 2023.
[15] Fearnside, P.M. 2024. A Agenda Transversal Ambiental do PPA-2024-2027: Os elefantes na sala. Amazônia Real, 31 de janeiro de 2024. h
[16] Fearnside, P.M. 2023. O que o Brasil deveria ter dito na COP28, mas não disse. Amazônia Real, 05 de dezembro de 2023.
[17] Fearnside, P.M. 2024. Impactos da rodovia BR-319. Amazônia Real, Série completa
[18] Fearnside, P.M. 2023. O leilão do “Fim do Mundo” para exploração de gás e petróleo. Amazônia Real, 14 de dezembro de 2023.
[19] Fearnside, P.M. 2023. Lula e a questão fundiária na Amazônia. Amazônia Real, 17 de janeiro de 2023.
[20] Este texto é uma atualização de: Fearnside, P.M. 2022. Fogo na Amazônia: Impactos ambientais e sociais. p. 479-485. In: C.W.N. Moura & G.H. Shimizu (eds.) Botânica: Para Que e Para Quem?: Desafios, Avanços e Perspectivas na Sociedade Contemporânea. Sociedade Botânica do Brasil, Brasília, DF. 517 p.
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