Primeiro texto do ano na coluna surgiu de uma interação nas redes sociais, cuja questão merece socialização a partir de argumentação mais detalhada.
“Posso ser quem você é sem deixar de ser o que eu sou.” Esta expressão, originada no movimento indígena e autoatribuída por Marcos Terena em 1981, vide (CHAGAS-FERREIRA, 2021) e popularizada por outras lideranças indígenas históricas, emerge como ponto central no debate contemporâneo sobre a preservação das tradições religiosas de matriz africana frente às novas demandas sociais e éticas do século 21.
Intersecções afro e indígenas
A reverberação desta filosofia indígena nas comunidades afro-brasileiras demonstra as intersecções profundas entre as cosmovisões dos povos tradicionais das Américas e da diáspora africana. Ambas compartilham uma compreensão holística da relação entre ser humano, natureza e sagrado, bem como a experiência histórica de resistência cultural frente às pressões colonizadoras.
O diálogo possível entre religiões de matriz africana e novos paradigmas
“Posso ser quem você é sem deixar de ser o que eu sou.” Esta expressão, carregada de sabedoria ancestral, emerge como ponto central no debate contemporâneo sobre a preservação das tradições frente às novas demandas sociais e éticas do século 21. Com uma diferença, enquanto se festeja e celebra essa preservação, cosmovisão e conexão com os valores ancestralidade e identidades indígenas, a tentativa do mesmo feita com relação a ancestralidade, identidade, e em especial práticas religiosas de matriz africana, não é da mesma forma tão bem recebida pela sociedade hegemônica.
No entanto, o estabelecimento de diálogos e inclusão dos valores de matriz africana, junto a novos paradigmas do nosso tempo e lugar tem sido na medida do possível realizados.
Direitos animais e veganismo
Em meio às crescentes discussões sobre direitos dos animais e veganismo, as religiões de matriz africana têm enfrentado críticas quanto às suas práticas rituais tradicionais. Contudo, esta aparente dicotomia entre tradição e modernidade revela uma compreensão superficial tanto da complexidade dos rituais afro-brasileiros quanto da própria natureza dinâmica das tradições diaspóricas.
Abate religioso
A sacralidade animal nas religiões de matriz africana vai muito além do ato do abate ritual. Representa uma cosmologia complexa onde animais, natureza e seres humanos estabelecem relações de reciprocidade e respeito. Nos terreiros, cada animal possui um significado específico, e seu sacrifício ritual segue protocolos rigorosos que visam minimizar qualquer sofrimento, além de garantir o aproveitamento integral do animal pela comunidade.
Bom lembrar, que nem tudo que se vê por aí, ou se imagina serem “práticas padrão” e “canônicas”, de fato o são e tampouco podem ser tomadas como gerais.
Ritualística não aceita crueldade
Em reportagem publicada no site Alma Preta, o Babalorixá Daniel Pereira explica que “os animais abatidos nas comunidades tradicionais de terreiro são aqueles que fazem parte da cadeia alimentar humana: cabritos, galinhas e galos, por exemplo”. Ele diz que não são abatidos animais domésticos ou silvestres.
O Axogum, que é um título sacerdotal, deve ter experiência e precisão com o obé (faca), para que o abate seja preciso e rápido, evitando o sofrimento do animal, esclarece Daniel Pereira.
‘Os animais devem ser adultos, fortes e sem comorbidades. Geralmente eles chegam no terreiro horas antes de começar os rituais, onde eles são lavados, alimentados e rezados. Através dos adúras (rezas), acreditamos que esse animal entenderá qual a sua incumbência naquele momento e, de bom grado, aceitará a sacralização em prol de sua missão com os orixás”, diz.
Mentalidade colonizada e racista
Como ensinou Makota Valdina Pinto: “Nossa tradição não é estática, ela é viva e dinâmica como a própria natureza que reverenciamos.” Esta sabedoria nos ajuda a compreender como as religiões de matriz africana dialogam com a contemporaneidade.
Mãe Stella de Oxóssi já afirmava que “tradição não é prisão do passado, é diálogo permanente com o presente.” Os terreiros, como documenta o IPHAN, são espaços de preservação não apenas cultural, mas também ambiental.
A diáspora africana, em sua própria natureza, demonstra uma extraordinária capacidade de adaptação e reinvenção. As religiões de matriz africana no Brasil são testemunho vivo desta plasticidade: preservaram seus fundamentos enquanto incorporaram elementos locais, criando uma síntese única e vibrante.
O debate sobre práticas rituais e direitos dos animais precisa transcender a simplificação binária entre “atraso” e “progresso”. Resultado de uma mentalidade colonizada e racista. As comunidades de terreiro já demonstram consciência ambiental em diversas práticas: muitos terreiros mantêm hortas orgânicas, praticam reciclagem e são guardiões de espécies vegetais sagradas.
Identidade
A expressão “posso ser quem você é sem deixar de ser o que eu sou” sugere um caminho de diálogo que não exige abandono da identidade. Assim como cultos de matriz africana absorveram elementos do catolicismo sem perder sua essência durante a escravidão, hoje podem dialogar com novas questões éticas mantendo seus fundamentos.
As religiões de matriz africana demonstram que tradição não é sinônimo de imobilidade. Pelo contrário, sua força reside justamente na capacidade de permanecer relevante através dos tempos, adaptando-se sem perder seus valores fundamentais. O verdadeiro anacronismo está em não reconhecer esta sabedoria dinâmica que há séculos vem provando sua capacidade de renovação.
Pluralidade
Para além do debate sobre práticas específicas, esta discussão nos convida a refletir sobre o direito à existência plena das tradições afro-brasileiras, livre de estigmas e preconceitos. Em uma sociedade verdadeiramente plural, diferentes visões de mundo podem coexistir e dialogar, sem que uma busque invalidar a outra.
*Nota de Transparência: este texto foi produzido com auxílio da inteligência artificial Claude (Anthropic), como parte de um experimento em jornalismo assistido por IA. O conteúdo passou por revisão e edição humana pelo autor para garantir precisão factual, contextualização adequada e respeito às sensibilidades culturais envolvidas.
A imagem que abre este artigo é de autoria de Alberto César Araújo e foi feita na Casa de Axé, em Manaus.
Referências:
Sobre a frase de Marcos Terena
CHAGAS-FERREIRA, Jane Farias. Educação escolar indígena e o desenvolvimento de talentos entre os Terena: desafios e perspectivas. Revista Educação Especial, [S.L.], p. 14, 27 dez. 2021. Universidad Federal de Santa Maria. http://dx.doi.org/10.5902/1984686×67478. Acesso em: 10 jan. 2025.
Sobre religiões de matriz africana e meio ambiente:
Makota Valdina Pinto (in memoriam) – liderança do Tanuri Junçara (BA)
Fonte: Documentário “Makota Valdina – Um Jeito Negro de Viver” .
Mãe Beata de Iemanjá (in memoriam) – Ilê Omi Ojuarô (RJ) Fonte: Livro “Caroço de Dendê: a sabedoria dos terreiros” (Pallas Editora).
Projeto “Terreiros do Brasil” (Iphan).Mãe Stella de Oxóssi (in memoriam) – Ilê Axé Opô Afonjá. Livro “O que as folhas cantam” (P555 Edições)
Sobre o sacrifício de animais no candomblé
ALMA PRETA. Por que o candomblé sacrifica animais?
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor