Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Djuena Tikuna leva música indígena ao mundo 

Djuena Tikuna leva música indígena ao mundo 

A cantora e compositora do Amazonas iniciou uma temporada de shows nos Estados Unidos e afirma que cultura é política. Ela canta na língua materna e utiliza a música indígena para conscientizar as pessoas (Foto: @richard_wera_mirim/Mídia Indígena).


Manaus (AM) – Com a chegada de abril, o mês dos povos indígenas, o canto de Djuena Tikuna ecoa a resistência originária pelo mundo. Considerada uma das maiores referências em música indígena no Brasil, a cantora e compositora do Amazonas iniciou uma temporada de shows nos Estados Unidos. Nos dias 6 e 7 de abril, Djuena fez uma apresentação no Brazil Conference at Havard & MIT, evento realizado pela comunidade acadêmica da região de Boston, Massachusetts. De volta ao Brasil, a artista passará por Rio de Janeiro e São Paulo com seu espetáculo.

No dia 10 de abril, ao lado do multi-instrumentista e produtor musical Diego Janatã, a cantora indígena da Amazônia irá se apresentar na Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. O show faz parte do encerramento do Seminário Internacional sobre Cultura Indígena, realizado pelo Museu Nacional dos Povos Indígenas

Nos dias 14, 18, 21 e 22 de abril, Djuena Tikuna estará nas cidades paulistas Osasco e Araraquara, além da capital, fazendo parte de eventos que reunirão música e conscientização ambiental. O maestro Ruriá Duprat apresenta releituras das obras de Djuena e de clássicos da música brasileira, orquestrados pela Brasil Jazz Sinfônica, no “Show para as Florestas”.

Vídeo: reprodução das redes sociais de Djuena Tikuna

Djuena (a onça que pula no rio) nasceu na Terra Indigena Tikuna Umariaçu, no município de Tabatinga, no Amazonas, região do Alto Rio Solimões, na fronteira entre o Brasil, Colômbia e Peru. Passou grande parte da juventude na Comunidade Indígena Wotchimaücü (ACW), localizada no bairro Cidade de Deus, periferia de Manaus. Hoje, ela vive em São Luís, no Maranhão. Seu povo é autodenominado Magüta.

O gosto pela música, Djuena herdou da avó, Awai Nhurerna (Marilza), já falecida, e da mãe, Totchimaüna, cantora do tradicional grupo musical indígena Wotchimaücü. Jornalista de formação, ela foi uma das pioneiras ao despontar no cenário nacional da música e das artes cantando em sua língua materna. Suas letras falam da preservação da identidade e da língua indígena, dos rituais sagrados e das ameaças aos direitos indígenas nos territórios.

Cantar fora do país não é novidade para a artista. Com um carreira musical consolidada pelos quinze anos de experiência e três álbuns lançados, além de videoclipes, turnês nacionais e internacionais e parcerias com importantes artistas da MPB, a artista já esteve nos Estados Unidos antes, promovendo a valorização da língua Tikuna. Em março de 2023, fez parte do concerto “We are the Forest”, realizado no Teatro Amazonas, ao lado da orquestra do Massachusetts Institute of Technology. O mesmo concerto se repetiu nos EUA no mês seguinte.

Engajada na defesa da Amazônia e dos povos originários, em 2017 tornou-se a primeira indígena a produzir e protagonizar um espetáculo musical no Teatro Amazonas, em mais de 120 anos de existência do local, símbolo da colonização européia na Amazônia. Na ocasião, lançou o álbum “Tchautchiüãne” (Minha aldeia), composto apenas por canções interpretadas em língua Tikuna. O trabalho foi indicado em 2018 ao Indigenous Music Awards, a maior premiação da música indígena mundial.

Antes, em 2017, participou da campanha musical “Demarcação Já”, ao lado de estrelas da MPB como Chico César, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Elza Soares, Dona Odette e Lenine. Em 2018, produziu o primeiro Festival de Música Indígena do Amazonas  – WIYAE.

Em 2019, Djuena Tikuna foi uma das vozes do Sonora Brasil, um projeto que tem como objetivo levar a música de grupos de mulheres e povos originários em turnê por todo o Brasil, possibilitando o contato com a qualidade e diversidade da música brasileira fora dos grandes centros urbanos.

Nesse mesmo ano, lançou seu segundo trabalho autoral, intitulado “Wiyaegü”, seguido por uma turnê na Europa, em cidades como Paris, Amsterdã, Bruxelas e Viena. No retorno para o Brasil, participou do primeiro festival de música indígena do Brasil, o YBY Festival, em São Paulo, ao lado de outros artistas e agentes culturais da comunidade indígena.

Durante a pandemia de Covid-19, a artista se conectou a diversas atividades e campanhas para ajudar famílias indígenas em situação de vulnerabilidade, por conta do isolamento social.  Em 2021, Djuena recebeu o Prêmio Grão de Música, representando a música indígena. Em agosto de 2022, lançou, novamente no palco do Teatro Amazonas, a obra “Torü Wiyaegü” (Nossos cantos), composta por um livro, um álbum e um curta-metragem.

Diante de uma trajetória musical tão diversa, a artista garante que seu objetivo é continuar conscientizando o mundo sobre a importância de valorizar a identidade dos povos indígenas. “Me dediquei para que meus parentes não tivessem vergonha de falar nas suas línguas e para que eles continuassem a ter esse desejo de conquistar outros espaços sem perder a própria identidade”, diz. 

Leia abaixo a entrevista exclusiva concedida por Djuena Tikuna à Amazônia Real, em retrospectiva de sua carreira, inspirações, visões sobre o público do exterior e o mercado musical para a nova geração de artistas indígenas.

Amazônia Real – Por que você começou a compor e cantar na sua língua materna Tikuna?

Djuena Tikuna – Quando eu morava em Manaus, na comunidade indígena Wotchimaücü, tivemos muitos desafios e dificuldades. Na escola, eu não sabia falar em português, eu nem entendia o que os não indígenas falavam. Minha mãe me mandou para uma escola municipal porque, na cabeça dela, se eu estudasse eu aprenderia a falar português. Eu tive que aprender português “na marra”. Durante essa trajetória passei por muito preconceito e racismo, mas eu já participava do movimento indígena dentro de Manaus e, quando tinham eventos culturais, encontros de mulheres, debates sobre saúde, educação, etc, sempre a comunidade era convidada e os meus pais também participavam. Eu cresci dentro da luta, mas eu era muito tímida. Quando vi outros parentes cantando, inclusive o próprio grupo Wotchimaücü, formado pelas minhas parentes Tikuna que na época já cantavam, vi que a música tinha esse poder de acalentar. Eu decidi cantar porque minha mãe é cantora, meu povo é muito musical.

Amazônia Real – Como se comporta o público das suas apresentações no exterior?

Djuena Tikuna – Quando eu faço shows fora do Brasil, já tenho um público específico, que são pessoas que já estão sabendo o que vai acontecer nesses eventos. A reação das pessoas é bem emocionante, porque é uma língua indígena e as pessoas realmente ouvem o canto, mesmo sem entender o que eu estou cantando. A melodia faz a conexão e eu trago muito isso para o meu público, fazer a pessoa se conectar com seus ancestrais 

Amazônia Real – Como as pessoas reagem à música cantada na língua originária Tikuna?

Djuena Tikuna – A reação do público é muito boa. As pessoas saem dos shows emotivas e felizes também, por saber que sou uma indígena brasileira fazendo seu trabalho. Ano passado eu fui para Boston, para cantar com a orquestra do MIT, dos grupos de músicos de lá. Foi bom porque foi a primeira vez que fui cantar nos Estados Unidos, e logo com uma orquestra. Eu achava que tecnologia não tinha nada a ver com música, mas a pesquisa deles envolve a música. A música faz  essas pontes. Cantar para eles a música indígena, na língua originária que é a língua Tikuna, para mim é uma grande conquista, dedicada para o meu povo. Os Tikuna mantêm muito viva a sua cultura e a sua língua.

Amazônia Real – Qual o sentido da cantoria na língua Tikuna para o seu trabalho?

Djuena Tikuna – Desde que eu comecei a cantar, foi para valorizar os Tikuna. Me dediquei para que meus parentes não tivessem vergonha de falar nas suas línguas e para que eles continuassem a ter esse desejo de conquistar outros espaços sem perder a própria identidade. Eu quero levar essa mensagem através da música indígena, porque cantar é uma coisa, mas explicar o que eu estou cantando é quando fica mais forte ainda. Na minha música indígena eu falo do nosso território, da nossa luta, da nossa resistência e de tudo que nós indígenas vivemos dentro do nosso território. Apesar de não morar mais dentro do território hoje em dia, eu sei muito do que acontece por lá. Eu sei o que acontece dentro das comunidades Tikuna da região do Alto Solimões, a mensagem que eu trago para o mundo é sempre falando dessa questão invisibilizada.

Amazônia Real – Como você derruba os preconceitos em torno do que é ser indígena e da cultura indígena?

Djuena Tikuna – Quando eu entrei na música, eu queria só cantar, porque assim as pessoas iriam me ouvir cantando. Mais tarde, eu fui entender que a gente não deve apenas cantar, a gente precisa falar e conscientizar as pessoas sobre as questões indígenas. Eu comecei a me colocar politicamente e fui estudar jornalismo. Durante esse processo, me encontrei totalmente com a minha arte, que estava escondida e eu precisava tirar isso de dentro de mim, como uma forma de as pessoas poderem me ouvir e começar a espalhar a mensagem dos povos indígenas através da música. Sofri muito preconceito porque não falava direito em português e foi recente isso, entre 2014 e 2015. Tive que encarar muitas coisas para chegar onde eu cheguei com a música. A música tem esse poder de me acalentar, por mais que eu sofra preconceito, por mais que me olhem torto. Toda vez que eu quis desistir de mim, a música veio para mim, a musicalidade indígena é muito forte.

Amazônia Real – Como é a experiência de trabalhar a diversidade cultural de etnias indígenas na Amazônia, incorporada ao seu trabalho como produtora e cantora?

Djuena Tikuna – Resolvi fazer o Festival WIYE para mostrar que tem uma diversidade cultural na música. Eu tinha essa consciência de que tem muitos indígenas que ficam em silêncio e que sofrem calados, e eu queria que outros parentes e a juventude se abrissem e se entregassem para aquilo que eles gostam de fazer. Não dá mais para a gente passar medo, porque era o medo que eu tinha de falar na minha língua e as pessoas olharem e rirem da minha cara. Não dá mais para viver assim. Depois de muitos anos, agora com 40 anos de idade, eu fui entender que a gente precisa formar essas lideranças de mulheres, das juventudes, para que eles tenham consciência de que a gente precisa ser forte, por mais que passe por racismo. A gente não pode se sentir inferior A gente tem que dizer que a gente é protagonista e que a gente é capaz. Coloquei isso na minha cabeça através da música, enquanto mulher indígena  e sendo protagonista, mostrando essa força.

Amazônia Real – Como está sendo viver no Maranhão? Você tem contato com a cultura e com a música dos povos indígenas dessa região?

Djuena Tikuna – Eu estou morando em São Luís agora, mas já desenvolvi um trabalho interessante com os povos e comunidades indígenas do Maranhão. Como eu sou cantora, eles me conhecem e me chamam para conhecer seus territórios. Estou produzindo agora um documentário sobre a música dos povos Guajajara, Kanela, Ka’apor e Gavião. Eu vou nessas aldeias e gravo, faço um registro sobre a história deles, sobre a música, sobre a cultura e sobre essa diversidade.

Amazônia Real – Como você vê o mercado musical para os artistas indígenas que estão surgindo?

Djuena Tikuna – Acho interessante que cada vez mais artistas indígenas estejam inseridos no mercado musical, mas isso requer que a gente, enquanto artistas indígenas, criemos consciência do porque a gente está chegando nesse lugar. Qual a importância do nosso papel como artistas? O que a gente leva para o nosso território? Para mim, a música tem o papel fundamental de ser uma ferramenta para a gente alertar e construir a autoestima da juventude que está lá no território, nos vendo pelas redes sociais. Para que um dia não tenham vergonha de cantar na sua língua materna, são papéis diferentes e linguagens musicais diferentes o que as outras cantoras indígenas vem fazendo. Essas são as mensagens que queremos transmitir da luta e da resistência dos povos indígenas pelo território. Que venham mais artistas para falar disso, porque eu sou só mais uma e o caminho que eu sigo os outros ainda seguirão. Eu acredito nessa força dos meus ancestrais, como a minha avó sempre falou: “A música ecoa”. Essa música não pode morrer, porque os outros vão cantar.

Amazônia Real – O que diferencia o seu trabalho de outros cantores indígenas?

Djuena Tikuna – Cada artista indígena que está surgindo tem uma linguagem musical diferente. Eu só canto na língua indígena. Sou uma cantora originária que canta na minha língua materna, para preservar a língua Tikuna e conscientizar as pessoas da importância das línguas indígenas. Esse é o diferencial do meu trabalho entre outros cantores. A Kaê Guajajara, por exemplo, é uma rapper que traz essa linguagem de nicho e nas suas letras pauta a ameaça aos povos indígenas e a sua luta, mas em português. Assim como a Brisa Flow, a Katú Mirim. Eu foco muito nas línguas indígenas. 

Amazônia Real – Quais são os projetos para o futuro da sua carreira?

Djuena Tikuna – Estou fazendo um documentário sobre a música do povo Tikuna, que em breve vou lançar. Todo esse processo da minha luta dentro do Teatro Amazonas também vira documentário. Se estou indo viajar internacionalmente ou estou fazendo shows fora de Manaus, fora de São Luís, é porque é o poder da música, é o poder da cultura é o poder da arte. A gente não pode só cantar, a gente precisa ser política também. A cultura é política. Eu canto para conscientizar as pessoas sobre a luta dos povos indígenas e a diversidade da cultura indígena, que estão fazendo a minha voz ecoar cada vez mais.


Para garantir a defesa da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, a agência de jornalismo independente e investigativa Amazônia Real não recebe recursos públicos, não recebe recursos de pessoas físicas ou jurídicas envolvidas com crime ambiental, trabalho escravo, violação dos direitos humanos e violência contra a mulher. É uma questão de coerência. Por isso, é muito importante as doações das leitoras e dos leitores para produzirmos mais reportagens sobre a realidade da Amazônia. Agradecemos o apoio de todas e todos. Doe aqui.


Republique nossos conteúdos: Os textos, fotografias e vídeos produzidos pela equipe da agência Amazônia Real estão licenciados com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional e podem ser republicados na mídia: jornais impressos, revistas, sites, blogs, livros didáticos e de literatura; com o crédito do autor e da agência Amazônia Real. Fotografias cedidas ou produzidas por outros veículos e organizações não atendem a essa licença.



As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor

Compartilhe:

Facebook
Twitter
LinkedIn

Postes Recentes

FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO

Redes Sociais: