Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Crédito de carbono para florestas: - 1. Introdução à série

Crédito de carbono para florestas: – 1. Introdução à série

Por Thales A.P. West, Kelsey Alford-Jones, Philippe Delacote, Philip M. Fearnside, Ben Filewod, Ben Groom, Clemens Kaupa, Andreas Kontoleon, Tara L’Horty, Benedict S. Probst, Federico Riva, Claudia Romero, Erin O. Sills, Britaldo Soares-Filho, Da Zhang, Sven Wunder e Francis E. Putz

Resumo

Publicamos umtrabalho na prestigiada revista Global Change Biology, disponível aqui [1], explicando os muitos problemas com projetos no mercado voluntário para crédito de carbono para Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+). As lições destes problemas são relevantes às negociações em curso na Convenção de Clima sobre possíveis projetos REDD+ no mercado oficial. Esta série apresenta estas informações em português.

Projetos de compensação de carbono que visam evitar o desmatamento e a degradação florestal, geralmente denominados “REDD+”, são frequentemente promovidos como uma ferramenta essencial para mitigar as mudanças climáticas, prometendo oferecer cobenefícios adicionais para a biodiversidade e as comunidades locais. Apesar desse otimismo, a maioria dos impactos positivos reivindicados por essas iniciativas no mercado voluntário de carbono (VCM) carece de suporte empírico e, em vez disso, baseiam-se em narrativas otimistas de partes interessadas com claros conflitos de interesse. Examinamos criticamente as teorias científicas, os conceitos e as evidências referentes aos projetos REDD+ do VCM, destacando as limitações na quantificação de seus supostos benefícios, inerentes ao desenho atual dos mercados de carbono. Estudos independentes apontam consistentemente para deficiências no rigor e na credibilidade das metodologias de crédito e outros procedimentos, que os participantes do mercado têm sido lentos ou relutantes em abordar. Há evidências crescentes de que os benefícios climáticos e sociais dos projetos são frequentemente exagerados devido a uma série de deficiências técnicas e práticas. Esperamos que este trabalho esclareça equívocos generalizados associados a projetos REDD+ no VCM e auxilie organizações e formuladores de políticas em seus esforços para mitigar significativamente as mudanças climáticas.

Introdução

Preocupações crescentes com as mudanças climáticas e as correspondentes pressões sociais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa estão alimentando o crescimento do mercado voluntário de carbono [2]. Créditos de carbono (ou compensações) — equivalentes a uma tonelada de CO2 removidaou não emitida para a atmosfera devido às ações voluntárias e não tradicionais de “projetos de carbono” — são vistos por muitos indivíduos, organizações e governos como uma maneira econômica e escalável de reduzir as emissões [3, 4]. Esquemas de certificação para tais projetos, supostamente baseados em cálculos conservadores e avaliações independentes de terceiros, foram estabelecidos para garantir a integridade ambiental e a legitimidade da emergente indústria de compensações [5]. Com a nova onda e a percepção de conveniência da “compensação de carbono”, especulou-se que a tendência crescente poderia evoluir para um mercado de trilhões de dólares [6] — pelo menos antes do recente escrutínio iniciado por acadêmicos e reportagens jornalísticas. Descobertas investigativas que questionavam a integridade ambiental das reivindicações de compensação e os impactos dos projetos nas comunidades locais geraram considerável ceticismo público, remodelando as tendências do mercado e aumentando a conscientização da sociedade (por exemplo, [7, 8].

Quase um quarto do VCM consiste em créditos de projetos de desmatamento evitado [9] geralmente rotulados como “REDD+” (Emissões Reduzidas por Desmatamento e Degradação Florestal, com o “mais” incluindo manejo florestal sustentável, conservação e aumento de estoques de carbono). Por essa razão, focamos esta discussão em projetos de desmatamento evitado, mas concluímos abordando brevemente dois outros tipos de projetos REDD+: manejo florestal melhorado e projetos de florestamento/reflorestamento (AR). Créditos de projetos de desmatamento evitado são emitidos com base na comparação do desmatamento observável em um local do projeto com o desmatamento esperado para ocorrer na ausência do projeto, ou seja, o cenário de linha de base (ou contrafactual). Em geral, quanto mais “catastrófica” a linha de base, mais créditos um projeto pode reivindicar.

Uma das principais críticas aos cenários de linha de base adotados por projetos REDD+ reside na flexibilidade substancial nas decisões de modelagem incorporadas às metodologias de linha de base. Essa flexibilidade historicamente permitiu amplo espaço para manipulação [10] — onde a exploração dessa margem de manobra pode levar a ganhos financeiros, criando, assim, incentivos perversos para a indústria de compensação [11, 12]. Embora existam exceções (por exemplo, [13], muitos estudos sugerem que os impactos climáticos alegados por uma parcela considerável dos projetos REDD+ são exagerados, implicando que pouquíssimos créditos de desmatamento evitado no VCM são, na verdade, equivalentes a uma tonelada de CO2 [8, 14-17].

A atenção recente à falta de integridade ambiental associada a muitos projetos REDD+ teve grandes repercussões nos mercados de carbono, incluindo novas regulamentações e ações judiciais em todo o mundo. Mais notavelmente, diversas jurisdições adotaram requisitos de divulgação com o objetivo de aumentar a transparência nos mercados de carbono [18-20]. Tribunais em vários países decidiram recentemente que empresas que alegam que seus produtos são neutros em carbono com base no uso de compensações violam as leis de proteção ao consumidor [21-23]. Essa interpretação também foi recentemente codificada na legislação da União Europeia [24]. Maior transparência é agora um requisito metodológico fundamental do Artigo 6.4 do Acordo de Paris, enfatizando a abertura nas fontes de dados, cálculos e métodos de monitoramento usados para medir a eficácia da compensação [25]. Essa ênfase é essencial para o objetivo do Artigo 6.4 de estabelecer uma estrutura regulatória para os mercados internacionais de carbono, por meio da qual projetos de VCM possam ser autorizados a participar.

Descobertas recentes que lançam dúvidas sobre a integridade ambiental dos créditos REDD+ no VCM não são surpreendentes. Primeiro, o peso das evidências indica que todos os tipos de projetos de carbono falharam amplamente em alcançar a mitigação das mudanças climáticas além do status quo [26-31]. Segundo, em retrospectiva, o desafio de garantir a integridade ambiental dos créditos provenientes de intervenções de desmatamento evitado foi um dos principais motivos pelos quais esse tipo de projeto foi excluído do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto [32] e, mais recentemente, de esquemas de certificação como o Padrão Ouro [33].

Embora os projetos REDD+ sejam defendidos como um instrumento vital para a mitigação das mudanças climáticas, com cobenefícios promissores para as comunidades locais e a biodiversidade, ainda existem grandes lacunas entre as expectativas teóricas e os impactos reais das intervenções existentes. Essas discrepâncias são frequentemente obscurecidas por narrativas romantizadas, sem base em evidências, que retratam os projetos como tendo alcançado um sucesso impressionante na prevenção do desmatamento, na melhoria dos meios de subsistência locais e na garantia de benefícios climáticos duradouros que se estendem além de sua vida útil operacional, omitindo convenientemente qualquer menção aos conflitos de interesse inerentes. Para preencher essa lacuna e fornecer uma base para retificar concepções errôneas sobre REDD+ no VCM, examinamos teorias mal interpretadas, evidências negligenciadas e as limitações dos protocolos de avaliação de impacto e procedimentos padrão. [34]


Notas

[1] West, T.A.P., Alford-Jones, K., Delacote, Fearnside, P.M., Filewod, B., Groom, B., Kaupa, B., Kontoleon, A., L’Horty, T., Probst, B.S., Riva, F., Romero, C., Sills, E.O., Soares-Filho, B., Zhang, D., Wunder, S. & Putz, F.E. 2025. Demystifying the romanticized narratives about carbon credits from voluntary forest conservation. Global Change Biology 31: art. e70527.

[2] Ecosystem Marketplace. 2024. State of the Voluntary Carbon Market (SOVCM). Washington, DC.

[3] Blum, M. & Lövbrand, E., 2019. The return of carbon offsetting? The discursive legitimation of new market arrangements in the Paris climate regime. Earth System Governance 2.

[4] Corbera, E. & Martin, A., 2015. Carbon offsets: Accommodation or resistance? Environment and Planning A: Economy and Space 47(10): 2023–2030.

[5] Merger, E. & Pistorius, T., 2011. Effectiveness and legitimacy of forest carbon standards in the OTC voluntary carbon market. Carbon Balance and Management 6: art 4.

[6] Bloomberg, 2023. Carbon Offset Market Could Reach $1 Trillion With Right Rules.

[7] The Guardian, 2024. Market value of carbon offsets drops 61%, report finds. The Guardian, 31 de maio de 2024.

[8] The Guardian, 2023. Revealed: more than 90% of rainforest carbon offsets by biggest certifier are worthless, analysis shows. The Guardian, 18 de Janeiro de 2024. https://www.theguardian.com/environment/2023/jan/18/revealed-forest-carbon-offsets-biggest-

[9] Haya, B.K., Alford-Jones, K.K.W., Anderegg, R.L., Beymer-Farris, B., Blanchard, L., Bomfim, B., Chin, D., Evans, S., Hogan, M., Holm, J.A.J., McAfee, K., So, I., West, T.A.P.T., Withey, L. & Francisco, S., 2023. Quality assessment of REDD+ carbon credit projects. Berkeley Carbon Trading Project, University of California, Berkeley, California, EUA.

[10] West, T.A.P., Bomfim, B., Haya, B.K., 2024. Methodological issues with deforestation baselines compromise the integrity of carbon offsets from REDD+. Global Environmental Change 87: art. 102863.

[11] Battocletti, V., Enriques, L. & Romano, A., 2023. The Voluntary Carbon Market: Market Failures and Policy Implications. European Corporate Governance Institute, Law Working Paper No. 688/2023.

[12] Seyller, C., Desbureaux, S., Ongolo, S., Karsenty, A., Simonet, G., Faure, J., Brimont, L., 2016. The “virtual economy” of REDD+ projects: Does private certification of REDD+ projects ensure their environmental integrity? International Forestry Review 18: 231–246.

[13] Malan, M., Carmenta, R., Gsottbauer, E., Hofman, P., Kontoleon, A., Swinfield, T. & Voors, M., 2024. Evaluating the impacts of a large-scale voluntary REDD+ project in Sierra Leone. Nature Sustainability 7: 120–129.

[14] Calyx Global, 2023. Turning REDD into Green: Improving the GHG integrity of avoided deforestation credits.

[15] Takahata, K., Suetsugu, H., Fukaya, K. & Shirota, S., 2024. Bayesian state-space synthetic control method for deforestation baseline estimation for forest carbon credits. Environmental Data Science 3: art. e6.

[16] West, T.A.P., Wunder, S., Sills, E.O., Börner, J., Rifai, S.W., Neidermeier, A.N., Frey, G.P. & Kontoleon, A., 2023. Action needed to make carbon offsets from forest conservation work for climate change mitigation. Science 381: 873–877.

[17] West, T.A.P., Börner, J., Sills, E.O. & Kontoleon, A., 2020. Overstated carbon emission reductions from voluntary REDD+ projects in the Brazilian Amazon. Proceedings of the National Academy of Science USA 117: 24188–24194.

[18] SEC (Securities and Exchange Commission). 2024. The Enhancement and Standardization of Climate-Related Disclosures for Investors.

[19] California State Assembly, 2023. Assembly Bill No. 1305. 2023-2024.

[20] European Union, 2022. Directive (EU) 2022/2464 of the European Parliament and of the Council of 14 December 2022 amending Regulation (EU) No 537/2014, Directive 2004/109/EC, Directive 2006/43/EC and Directive 2013/34/EU, as regards corporate sustainability reporting. OJ L 322/15

[21] BGH (Bundesgerichtshof), 2024. Deutsche Umwelthilfe v Katjes. I ZR 98/23

[22] Rechtbank Amsterdam, 2024. Fossielvrij v KLM. ECLI:NL:RBAMS:2024:1512.

[23] Stockholms tingsrätt, 2023. Konsumentombudsmannen v Arla Foods AB. PMT 17372-21.

[24] European Union, 2024. Directive (EU) 2024/825 of the European Parliament and of the Council of 28 February 2024 amending Directives 2005/29/EC and 2011/83/EU as regards empowering consumers for the green transition through better protection against unfair practices and through better information. OJ L 2024/825

[25] European Union, 2024. EU secures agreement on carbon market rules and new climate finance goal, with broader contributor base to drive clean investments, increase resilience and prepare the ground for further emission reductions*. Press release.

[26] Badgley, G., Freeman, J., Hamman, J.J., Haya, B., Trugman, A.T., Anderegg, W.R.L. & Cullenward, D., 2022. Systematic over-crediting in California’s forest carbon offsets program. Global Change Biology 28: 1433–1445.

[27] Calel, R., Colmer, J., Dechezleprêtre, A. & Glachant, M., 2021. Do carbon offsets offset carbon? Centre for Climate Change Economics and Policy Working Paper 398/Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment Working Paper 371. London School of Economics and Political Science, Londres, Reino Unido.

[28] Cames, M., Ralph, O.H., Füssler, J., Lazarus, M., Lee, C.M., Erickson, P. & Spalding Fecher, R., 2016. How additional is the Clean Development Mechanism? Öko-Institut e.V., Berlin.

[29] Kollmuss, A., Schneider, L. & Zhezherin, V., 2015. Has Joint Implementation reduced GHG emissions? Lessons learned for the design of carbon market mechanisms. Stockholm Environment Institute, Working Paper 2015-07.

[30] Macintosh, A., Butler, D., Larraondo, P., Evans, M.C., Ansell, D., Waschka, M., Fensham, R., Eldridge, D., Lindenmayer, D., Gibbons, P. & Summerfield, P., 2024. Australian human-induced native forest regeneration carbon offset projects have limited impact on changes in woody vegetation cover and carbon removals. Communications Earth & Environment 5: art. 149.

[31] Probst, B.S., Toetzke, M., Kontoleon, A., Díaz Anadón, L., Minx, J.C., Haya, B.K., Schneider, L., Trotter, P.A., West, T.A.P., Gill-Wiehl, A. & Hoffmann, V.H., 2024. Systematic assessment of the achieved emission reductions of carbon crediting projects. Nature Communications 15: art. 9562.

[32] Jung, M., 2005. The role of forestry projects in the clean development mechanism. Environmental Science and Policy 8: 87–104.

[33] Gold Standard, 2024. The importance of trust in the carbon market.

[34] Esta série apresenta uma tradução de: West, T.A.P., K. Alford-Jones, P. Delacote, P.M. Fearnside, B. Filewod, B. Groom, C. Kaupa, A. Kontoleon, T. L’Horty, B.S. Probst, F. Riva, C. Romero, E.O. Sills, B. Soares-Filho, D. Zhang, S. Wunder & F.E. Putz. 2025. Demystifying the romanticized narratives about carbon credits from voluntary forest conservation. Global Change Biology 31: art. e70527.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor

Postes Recentes