O corpo do coletor de castanhas José Jacó Cosotle, de 55 anos, foi encontrado morto com marcas de tiro em Lábrea, Amazonas, e lideranças denunciam escalada de violência e cobram investigação. Na foto acima, famílias da ocupação Marielle Franco (Foto: Arquivo/Comunidade Marielle Franco).
Manaus (AM) – A violência no campo voltou a assombrar a comunidade Marielle Franco, em Lábrea, no Amazonas. Na manhã de quarta-feira (29), o trabalhador rural José Jacó Cosotle, de 55 anos, foi encontrado morto com marcas de tiro embaixo do queixo e no abdômen da vítima. Ele estava próximo ao ramal que faz limite com a Fazenda Palotina, área que é palco de um violento conflito agrário no sul do Estado e faz divisa com o Acre.
Lideranças do assentamento denunciaram o caso à Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Amazonas, levantando preocupações sobre a segurança dos moradores da ocupação. Segundo as informações da comunidade, Jacozinho, como era conhecido, saiu para coletar castanhas no último domingo, 26, e não retornou. O corpo do trabalhador rural permaneceu por horas no local, aguardando as autoridades policiais e o Instituto Médico Legal (IML).
A tensão persiste na comunidade. No dia 16 de janeiro, um trabalhador rural identificado como Francisco do Nascimento de Melo, conhecido também como Cafu, foi morto na área do ramal 37, em Boca do Acre, às margens da estrada que liga Rio Branco, no Acre, ao sul do Amazonas.
Na semana anterior ao assassinato de Jacozinho, os moradores relataram que um carro branco, com pessoas vestidas com uniformes do Incra, circulou pelo ramal da comunidade alegando que o órgão distribuiria terras aos comunitários. No entanto, ao serem questionados, representantes do Incra negaram qualquer envolvimento com a suposta visita.
“A princípio, não se sabe a causa da morte. O corpo tem um ferimento no queixo, próximo da boca. Não é a primeira vez que um morador é encontrado nessas condições”, disse João Pedro Gonçalves, do Incra. Jacozinho era natural do Paraná e vivia na comunidade Malocão.
Em entrevista à Amazônia Real, o líder comunitário e ambientalista da comunidade Marielle Franco, Paulo Sérgio Costa Araújo, disse acreditar que o crime está diretamente relacionado à violência no campo. “Como a gente está na área de conflito, toda hora sendo ameaçado e sendo expulso por pessoas colocadas pelo fazendeiro, nós relacionamos o crime a isso. Até policiais sem mandado judicial ele manda lá para afrontar as famílias. Ninguém sabe o que ele pode estar tramado de agora para frente”, declarou.
Entre dezembro de 2024 e o início de janeiro deste ano, coletores de castanhas da comunidade relataram que, por semanas, foram cercados e atacados por jagunços a serviço da Fazenda Palotina, de propriedade do fazendeiro Sidnei Sanches Zamora.

O conflito agrário se intensificou após uma visita do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Polícia Federal na comunidade. Em resposta, jagunços e seguranças da Fazenda Palotina expulsaram à força moradores do acampamento Castanhal, derrubando barracos de madeira e lona, sob a alegação de um mandado judicial que nunca foi apresentado. Segundo testemunhas, os invasores agrediram adultos e crianças durante a ação.
Diante da violência, os moradores da comunidade bloquearam a BR-317. A mobilização levou à realização de uma audiência pública virtual com a participação de órgãos como a Ouvidoria Agrária Nacional, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), CPT, Comissão de Defesa dos Direitos Humanos do Amazonas, ICMBio, além de advogados e outros coletivos. No encontro, ficou acordada a liberação da rodovia e o envio da Polícia Federal à área de conflito. Entre as demandas apresentadas pela comunidade, estava a instalação de um posto policial permanente na região, o que até agora não foi cumprido.
A região da Amacro, localizada na divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia, tem sido marcada por intensos conflitos agrários, impulsionados pela grilagem e pela expansão do agronegócio. De acordo com o relatório Conflitos no Campo Brasil 2023, elaborado pela CPT, foram registrados 200 conflitos em 32 municípios da Amacro. Das 31 mortes violentas ocorridas no País, 8 aconteceram na Amacro. Entre as vítimas, estavam 5 pessoas sem terra e 3 posseiros. Grileiros foram responsáveis por cinco dessas execuções.
Território em disputa

A comunidade Marielle Franco foi fundada em 2015 e nomeada em homenagem à vereadora do Rio de Janeiro, brutalmente assassinada em 2018. Situada na Gleba Novo Natal, a área abriga cerca de 200 famílias que vivem do cultivo de banana, arroz, macaxeira e café em um território de aproximadamente 18 mil hectares.
A batalha judicial pela posse da terra teve início em novembro de 2016 e, desde então, o assentamento se tornou um epicentro de conflitos agrários. Ao longo dos anos, a comunidade enfrentou diversos episódios de violência, incluindo torturas, prisões e tentativas de reintegração de posse.
O fazendeiro Sidnei Sanches Zamora diz ser o dono de 40 mil hectares da terra. No entanto, de acordo com o Incra, a área pertence à União e está em processo de arrecadação para reforma agrária.
Desde o final de 2023 as tensões na comunidade voltaram a aumentar. Em um dos capítulos de violência, em fevereiro de 2024, quatro agricultores foram espancados e torturados. O mandante do crime, de acordo com o agricultor Paulo Sérgio Costa de Araújo, seria o fazendeiro Sidnei Zamora, que na época, por meio de seu advogado, negou qualquer participação no crime. O líder comunitário chegou a ser preso dias depois de denunciar o caso de agressão e tortura na delegacia, sob acusação de organização criminosa.


Sidney Zamora Filho, pecuarista (Foto: reprodução do Instagram @sidneyzamoraf).
A última tentativa de reintegração de posse ocorreu em março de 2024, quando o fazendeiro Sidnei Zamora obteve uma decisão favorável na Justiça do Amazonas. A ordem foi suspensa após a Defensoria Pública do Estado (DPE) entrar com um recurso, fazendo com que o processo fosse remetido à Justiça Federal.
Após essa tentativa de reintegração de posse, a Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas foi até Lábrea e identificou o desaparecimento de páginas do livro de registro de imóveis referente às terras da comunidade Marielle Franco e da Fazenda Palotina, de propriedade de Zamora. Pelo menos duas páginas foram arrancadas do documento registrado no Cartório Extrajudicial da Comarca de Lábrea. A investigação sobre o caso, denominada “correição extraordinária”, foi determinada pelo corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Amazonas, desembargador Jomar Fernandes.
Lideranças cobram investigação

Manuel do Carmo da Silva Campos, membro da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos de Parintins e Amazonas e da CPT do Amazonas, afirma que o crime contra Jacozinho é mais um capítulo do conflito agrário histórico. “Nós vemos essa morte do Jacozinho com muita indignação e muita tristeza, haja vista que esses crimes e essas agressões acontecem nesta terra que pertence à União e que a fazenda Palotina barganha como sua”, diz.
Para Manuel do Carmo, é necessária a presença das forças de segurança. “Por que que o governo federal, através da Justiça Federal, não determina o posto do Exército nessa área para fiscalizar permanentemente? Estão ceifando vidas. A falta de presença do Estado nessa região permite a grilagem de terra, a invasão dos garimpos e a retirada da madeira. Isso prejudica e mata trabalhador rural, ribeirinho, quilombola e indígena. A situação continua muito drástica”, afirma.
Por temer uma escalada ainda maior do conflito agrário, a comunidade Marielle Franco solicita investigações urgentes do Ministério Público Federal do Amazonas, Ministério Público Estadual do Amazonas e Defensoria Pública do Estado do Amazonas, sobre os assassinatos de José Jacó e Francisco.
Segundo os trabalhadores rurais, a Polícia Federal e a Força Nacional têm demonstrado dificuldades em garantir proteção, enquanto as Polícias Civil e Militar do Amazonas, Acre e Rondônia são frequentemente apontadas como coniventes com grileiros, fazendeiros, madeireiros e garimpeiros ilegais. “Aqui fica o protesto dos nossos coletivos e a reivindicação para que o governo Lula tome providências para atuar e agir nessa região, que é uma das regiões mais violentas de conflito agrário aqui na Amazônia”, diz Manuel do Carmo.
A liderança Paulo Sérgio reforçou o pedido de providência da Polícia Federal para investigar o conflito agrário. “É mais uma situação. Já houve torturas, prisões ilegais, tanta coisa que eu considero ali uma guerra pela terra, não é mais nem um conflito”, afirmou.
Paulo Sérgio segue em prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica, acusado de liderar ocupações de terra e ameaçar o fazendeiro Sidnei Zamora. A defesa do trabalhador rural, representada pelo advogado João Estevão, denuncia uma construção fraudulenta do caso, articulada por delegados locais.
Procurada, a Polícia Federal não respondeu sobre as investigações do crime até a publicação desta reportagem.
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