Segundo levantamento do órgão, parte da área pertence à União, mas havia sido grilada por pecuarista que diz ser dono de uma fazenda. O local vinha sendo cena de conflito fundiário e violência armada, com episódios de tortura e ameaças (Foto: Comunidade Marielle Franco).
Manaus (AM) – O Incra arrecadou uma área de 28,4 mil hectares como patrimônio da União para destinação de assentamento de agricultores da comunidade Marielle Franco, no município de Lábrea, no Amazonas, divisa com o Acre. A portaria da Gleba Novo Natal, onde está localizada a comunidade, foi publicada no Diário Oficial da União no último dia 27 de fevereiro. As famílias ocupam a área desde 2015, quando ainda se chamava Seringal Novo Natal.
O passo seguinte será a definição do tipo de assentamento das famílias. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) vai iniciar um levantamento para definir o perfil dos moradores que terão direito aos lotes de terras. Também vai realizar georreferenciamento do perímetro arrecadado.
Há mais de um ano o local tem sido cenário de disputa, conflitos armados e violência de campo, envolvendo os pecuaristas Sidnei Sanches Zamora e Sidney Sanches Zamora Filho, donos da fazenda Palotina, e os pequenos agricultores que vivem na comunidade. Os Zamora dizem que são os proprietários da terra onde está a fazenda. O Incra diz que a área é grilada. Pai e filho Zamora são donos de outras fazendas tanto no Amazonas quanto no Acre.
O líder da comunidade Marielle Franco, Paulo Sérgio Araújo, diz que há 200 famílias para serem assentadas. Elas deverão ficar em cerca de 100 lotes (cada), segundo Araújo. Ele afirma que a comunidade “deve ocupar” de 19 a 20 mil hectares dos 28,4 mil arrecadados. O líder da comunidade diz que, agora, depois do alívio de ter a situação fundiária regularizada, o que ele mais deseja é resolver a sua situação na justiça.
Em março de 2024, Paulo Sérgio Araújo, foi preso acusado de “organização criminosa”. Paulo negou o crime e diz que a acusação foi forjada. Um mês antes, ele denunciou que quatro moradores da comunidade foram torturados por capangas, a mando dos pecuaristas. Na ocasião, o advogado do pecuarista negou a acusação.
“A acusação ao senhor Sidnei faz parte de uma narrativa vitimista a fim de criminalizá-lo perante a opinião pública, na medida em que no âmbito judicial, não obtiveram nenhuma vitória ou reconhecimento de legitimidade de seus atos. É a tentativa infértil de vender uma história romântica do pobre contra o ‘fazendeiro malvado’, que possui jagunços ao seu dispor”, afirmou o advogado Marcelo Feitosa Zamora, em março de 2024.
Os episódios de conflitos de campo envolvendo a Comunidade Marielle Franco aconteceram em meio à luta das famílias de agricultores em regularizar a situação fundiária. As famílias chegaram a ser ameaçadas de desapropriação, a pedido do fazendeiro Sidnei Zamora na comarca de Lábrea, mas a decisão foi suspensa. O caso foi judicializado e passou a tramitar na justiça federal.
Mesmo com a perspectiva da arredacação pelo Incra, sinalizada desde 2024, em janeiro deste ano foi registrado mais um caso de violência, com o assassinato de José Jacó Cosotle, encontrado com marcas de tiro.
Para Manuel do Carmo, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no Amazonas, o processo de arrecadação do seringal Novo Natal, demonstrou a capacidade do governo federal para excluir e derrubar as grilagens que vêm ocorrendo no Brasil.
“Os grileiros afirmavam que essa terra eram deles, com documentos falsos operacionalizados no Fórum de Lábrea. Com as investigações da Justiça do Amazonas e da Justiça Federal, se chegou a determinar que essas terras eram da União. Agora estão arrecadadas para o Incra e ele irá fazer o assentamento”, disse.
Manuel do Carmo avalia que isso demonstra é preciso acabar com as grilagens e que a força da lei deve ser demonstrada em benefícios de todos. Não apenas para alguns.
Ação contra grilagem
O diretor de governança fundiária do Incra, João Pedro Gonçalves, disse à Amazônia Real que a definição da área para a destinação envolveu uma série de pesquisas e consultas em cartórios dos municípios de Lábrea, Boca do Acre e no governo do Amazonas.
“É um trabalho duro, árduo. O que foi feito agora foi muito importante. A equipe do Incra do Amazonas fez trabalho de campo. Agora falta fazer outro trabalho. Nesses dias vamos registrar em nome do Incra essa área que foi arrecadada no cartório de Lábrea. Vamos fazer para destinar as terras públicas para as famílias que vivem neste assentamento”, disse João Pedro Gonçalves.
Segundo Gonçalves, as famílias passarão por uma seleção para se enquadrar nos pré-requisitos que darão direitos aos lotes de terra e ter acesso às políticas públicas, como o crédito habitação e o crédito fomento.
Para identificar às áreas que poderiam ser arrecadadas como terras da União, o Incra precisou pesquisar a cadeia dominial da área, com informações com títulos definitivos (TDs) já existentes e matrículas registradas em cartórios dos municípios. No início das tratativas, chegou-se a cogitar uma área de 40 mil hectares. No entanto, segundo a Amazônia Real apurou, havia TDs registrados na Secretaria de Estado das Cidades e Territórios (SECT)
“Nem toda terra ali é do Incra. Tem partes que são do Estado, quem faz a gestão é a SECT. Mas o fazendeiro [Zamora] não tem documento do Incra. Essa área dentro da gleba ele grilou. Não tem como sustentar que toda aquela terra é dele. Por isso arrecadamos. Agora vamos fazer a destinação”, disse João Pedro Gonçalves.
Ele contou que o trabalho foi fundamentalmente técnico e que, apesar de intimidações sofridas, ninguém se intimidou.
“Vamos voltar lá para continuar o trabalho, até materializar a presença das famílias. Vou dar continuidade no procedimento judicial do fazendeiro por ter ocupado por muitos anos de forma ilegal uma área que é federal, fazer denúncia formal de ocupação ilegal de terras públicas”.
Segundo a SECT, foi identificado um título antigo registrado em seu Acervo Fundiário. Com base nessa informação, a SECT afirma que notificou o Incra que, ao verificar a situação, excluiu a área do título da poligonal a ser arrecadada e solicitou uma nova Certidão Negativa.
“Após confirmar que não havia títulos válidos ou interesse do Estado sobre a área, a SECT emitiu a Certidão Negativa. Com isso, a área foi arrecadada pelo INCRA, incluindo a comunidade Marielle Franco em seus limites.”
A Amazônia Real entrou em contato com os representantes de Sidnei Zamora, através do email e do telefone que consta no site do escritório de advocacia, mas não teve retorno.


Sidney Zamora Filho e o pai Sidney Zamora (Foto: reprodução do Instagram @sidneyzamoraf).
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