É impossível evitar a excelente impressão proporcionada pela leitura das 271 páginas do livro Capital Natural das Florestas de Carajás, que resulta de uma excepcional empreitada de pesquisa científica promovida pela mineradora Vale, o seu Instituto Tecnológico Vale e o Museu Emílio Goeldi, sob a coordenação de Tereza Giannini. A qualidade do produto final o fez merecer a indicação como semifinalista ao Prêmio Jabuti, na categoria ciências biológicas, biodiversidade e biotecnologia.
As belas imagens, ocupando várias páginas do livro, e sua edição gráfica, induzem o leitor a se tornar um defensor da preservação e o mais múltiplo possível dessa floresta tão rara, joia da natureza incrustrada em uma estrutura que a circunda, a ameaça e pode destruí-la.
Essa ameaça, algumas já concretizadas e outras ainda latentes, se concentram ao longo de todas as bordas da floresta de Carajás. Não no seu interior, ao menos em função do pouco destaque, imerecido, que as atividades de lavra mineral, na maior numa mina a céu aberto, onde estão as maiores jazidas de minério de ferro extraído a céu aberto no planeta.
Os vários estudos publicados no volume são, na esmagadora maioria, descritivos, segundo um método funcionalista estabelecido na sociologia por Émile Durkheim e seus seguidores, a partir de métodos das ciências naturais (incluindo autodeclarados marxistas, como o mestre Florestan Fernandes, do primoroso A função social da guerra na sociedade tupinambá. Os pesquisadores assumem uma função sincrônica na maioria dos seus estudos. Daí a ausência de abordagens sobre conflitos que acontecem no mundo real de Carajás.
Faltam mapas, como de uso do solo e de áreas de desmatamento, além de números sobre a extensão dos vários tipos de floresta e das áreas do entorno, e, em particular, um estudo sobre o que resta da floresta de canga e as cavernas e seu acervo arqueológico, que não aparecem no livro.
Essa limitação (imposta ou assumida?) é ligeiramente ultrapassada quando se observa, em uma das seções do livro, na qual “os pesquisadores do ITV (o instituto da Vale] analisaram, em escala de paisagem, o impacto da instalação do Complexo Mineral Eliezer Batista S11D – Canaã dos Carajás sobre a biodiversidade na região. A área de estudo foi determinada a partir de um raio de 11 km em volta da mina e da usina (extensões no ano de 2021), e abrange parte da Floresta Nacional de Carajás”.
Prossegue o texto: “Entre o início dos estudos ambientais, para se obter a licença de instalação e operação, no ano de 2008, e o ano de 2021, os pesquisadores detectaram mudanças significativas no uso e cobertura do solo (Figura 3). Cerca de 700 hectares de cangas foram suprimidos para a extração do minério de ferro. Por outro lado, com a instalação da usina fora dos limites da unidade de conservação, evitou-se o impacto sobre os recursos naturais [sem indicação da distância]. Adicionalmente, extensas áreas (cerca de 3.500 hectares) de pastagens foram transformadas em florestas secundárias com projetos de restauração [quem e como realizou esse projeto e a que custo?]. Como resultado , houve ganhos para a biodiversidade que ultrapassaram as perdas devido a atividade de mineração”.
Mas os pesquisadores são confiantes: “Embora planos de manejo eficazes para características biológicas específicas sejam fundamentais para garantir ‘nenhuma perda líquida’ (NNL do inglês no net loss), os nossos resultados mostram que as atividades de restauração florestal são capazes de compensar os impactos sobre a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos promovidos pela mineração. Considerando outras estratégias de compensação, bem como a recuperação de minas previstas pela hierarquia de mitigação, é possível [qual o grau de probabilidade?] que a implementação responsável do complexo de mineração S11D seja capaz de gerar ganhos l&iacu te;quidos de biodiversidade na megadiversa Amazônia em médio e longo prazo’.
Um grupo de pesquisadores fez um estudo de caso na bacia hidrográfica do rio Itacaiúnas, localizada ao sudeste do Pará, na área conhecida como o arco do desmatamento, com uma área de aproximadamente 41.300 quilômetros quadrados, equivalente ao tamanho da Suíça, e que já perdeu 50% de suas florestas.
Eles informam que estudo do Instituto Tecnológico Vale “apontou um passivo total de 5.700 km2, sendo que 58% disso deve ser recuperado e 42% poderia ser compensado via ‘aluguel’ de floresta em outra propriedade do mesmo bioma (é o mecanismo de compensação”.
Esses números demonstrariam que a implementação da LPVN no Brasil “é uma grande oportunidade para alavancar a escala da restauração no país e atender os comprometimentos nacionais em relação à restauração. Mas somente a obrigação legal não é suficiente para estimular os proprietários. São necessários medidas e incentivos adicionais como os mecanismos de pagamento por serviços ambientais (PSA), redução de taxas de juros, maiores facilidades para obtenção de crédito e suporte técnico”.
Ou seja: a floresta de Carajás ainda está sob ameaça constante. Só conhecê-la e admirá-la não basta para garantir a sua existência.
A imagem que abre este artigo mostra a Usina do projeto S11D, em Canaã dos Carajás, Pará (PA), Brasil (Foto: Ricardo Teles/Agência Vale/27/07/2016).
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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