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Câmara de Conciliação do STF atropela direitos indígenas

Câmara de Conciliação do STF atropela direitos indígenas

Tema da mineração no anteprojeto proposto pelo ministro Gilmar Mendes foi excluído na quinta-feira (27), mas será discutido agora em nova comissão. Para lideranças, essa é uma manobra para reduzir a pressão política do movimento indígena contra a proposta integral. Na imagem acima, indígenas do povo Munduruku que bloqueou a BR-163, no trecho sentido Itaituba (PA), em protesto contra a Lei 14.701, na madrugada de terça-feira (25) (Foto: @coletivowakoborun @thaigon_arapiun).


Manaus (AM) – O tema da mineração em terras indígenas foi excluído da revisão sobre o “marco temporal”, mas ao contrário de ser um recuo definitivo ainda paira como uma ameaça. Em reunião nesta quinta-feira (27), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu retirar essa proposta da Câmara de Conciliação que trata sobre a Lei do Marco Temporal. Mas para lideranças indígenas e especialistas esta é apenas uma forma de desmembramento da discussão sobre os direitos dos povos indígenas no .

O trecho do anteprojeto que propõe a alteração da Lei 14.701/23 e previa exploração de recursos minerais em territórios indígenas será agora discutido em uma nova comissão. Em setembro de 2023, o STF declarou inconstitucional a tese do marco temporal, o que representou uma vitória importante para os povos indígenas. O setor do agronegócio foi derrotado naquele julgamento histórico que garantiu proteção constitucional das terras indígenas independentemente da comprovação de posse até o ano de 1988.

Mas essa tese voltou a circular no Congresso na forma de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 48/2023), que pretende incluir na Carta Magna o “marco temporal”. Em julho de 2024, diante da iminência da aprovação da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), dominada por ruralistas e bolsonaristas, um acordo selado pelo então líder do governo Jaques Wagner e os senadores propôs a criação da Câmara de Conciliação.

O problema, alertam os indígenas, é que a minuta de um anteprojeto proposto por Gilmar Mendes cria instrumentos como a indenização por terra nua, o uso da Polícia Militar em ações de reintegração de posse e a flexibilização do processo de consulta livre, prévia e informada às comunidades. Esse texto prevê que são de “interesse público da União” atividades como segurança nacional, proteção sanitária, obras de infraestrutura destinadas a serviços públicos de transporte, sistema viário, saneamento, energia, telecomunicações, radiodifusão, além de atividades e obras de defesa civil.

Na foto acima, o Ministro Gilmar Mendes durante a Sessão Plenária do STF, em 26/02/2025 (Foto: Gustavo Moreno/STF/Arquivo).

A inclusão da “exploração de recursos minerais estratégicos” no artigo 21 da minuta de Gilmar Mendes gerou forte repúdio entre as lideranças indígenas. A proposta foi baseada em sugestão de Luís Inácio Lucena Adams, representante do Partido Progressistas (PP) e integrante da equipe de advogados da empresa Potássio do Brasil. O empreendimento em questão tem um projeto de mineração que impacta diretamente terras do povo Mura, na cidade de Autazes, no Amazonas, ameaçando especialmente as aldeias Lago do Soares e Urucurituba. A situação é ainda mais grave para a comunidade de Lago do Soares, onde a mina de potássio está localizada.

Para Gabriel Mura, tuxaua do Lago do Soares, a retirada do tema da mineração da Câmara de Conciliação do STF tem ares de uma manobra para reduzir a pressão política do movimento indígena contra a proposta. “Talvez esse desvio de atenção seja por conta do mês dos povos indígenas e, principalmente, do Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília. Acredito que isso é uma estratégia igual à das empresas de exploração, quando prometem grandes maravilhas para não ter que mostrar os impactos negativos”, criticou.

A liderança afirma que a luta dos Mura contra a mineração se intensifica cada vez mais e que estão em alerta para as outras propostas do ministro Gilmar Mendes que possam ferir os direitos originários. “Continuamos na resistência aqui também”, disse.

Regulamentação da mineração

Audiência no STF retoma a discussão sobre o Marco temporal ( Foto: reprodução reunião hibrida via zoom)

Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), explicou que a retirada do tema da mineração da Câmara de Conciliação deve ser vista como uma estratégia de “fatiamento” da discussão. Essa nova composição será instaurada na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86, apresentada pelo Partido Progressistas, que pede o reconhecimento de omissão do Congresso na regulamentação das atividades consideradas de “relevante interesse público” em territórios indígenas, como a mineração.

A advogada questionou ainda a decisão de Gilmar Mendes de assumir a competência para tratar da ADO 86, uma vez que a mineração não é um tema discutido na Lei 14.701. Ou seja, o ministro deveria ter levado a ADO 86 para a ser distribuída livremente entre os colegas do STF. “Em vez de discutir tudo de uma vez, ele vai fazer uma conciliação para discutir os temas da lei e outra conciliação para discutir regulamentação da mineração”, explicou.

Batista também criticou a premissa adotada pelo STF de que há uma omissão por parte do Congresso em regulamentar a mineração em terras indígenas.  Ela ressaltou que os parlamentares têm a prerrogativa de decidir sobre a regulamentação e que o STF tem utilizado essa premissa para pressionar o Congresso a agir. Os impactos negativos da mineração em terras indígenas não são levados em conta, alertou a advogada. 

“É uma forma de pressionar o Congresso a regulamentar um tema porque acreditam que isso pode ser bom. Sendo que a gente sabe que não vai ser bom, as terras indígenas são as áreas mais ambientalmente conservadas do País. A mineração vai gerar desmatamento, vai gerar poluição, vai gerar contaminação, vai gerar impacto dos modos de vida desses povos”, ou a advogado do ISA. 

A especialista alertou que a proposta de Gilmar Mendes cria brechas para a “cooperação entre indígenas e não indígenas”, o que poderia resultar em arrendamentos, e a sugestão de realocar os indígenas. Na prática, pode significar o meio legal para remover os indígenas da terra originária, algo que é proibido pela Constituição, salvo em casos excepcionais como catástrofes ou guerras. Para ela, essa abordagem é perigosa, pois abre espaço para a exploração das terras indígenas em favor de grandes setores econômicos, sem considerar os direitos e a proteção ambiental. “Na verdade, é um subterfúgio para autorizar que as terras indígenas sejam exploradas por grandes setores econômicos.”

Povos indígenas mobilizados

Na madrugada de terça-feira (25), por volta das 3h, o povo Munduruku bloqueou a BR-163, no trecho sentido Itaituba (PA), em protesto contra a Lei 14.701(Foto: @coletivoindigenakirimbawaita @coletivodajekapapeypi @coletivodauk @coletivowakoborun).

Uma nova audiência foi marcada para 2 de abril, e caso a Câmara de Conciliação chegue a um acordo, a proposta será submetida ao plenário do STF. Se aprovada, poderá ser encaminhada ao Congresso Nacional. Organizações indígenas correm para pressionar o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, para que inclua na pauta os embargos declaratórios do julgamento do marco temporal. Esses recursos foram apresentados pela Advocacia Geral da União (AGU) após a decisão do Supremo, em setembro de 2023, que declarou a tese inconstitucional.​

O povo Munduruku bloqueou a rodovia BR-163 em Itaituba, Pará, para se manifestar contra a Lei 14.701 e contra a Câmara de Conciliação. Em carta divulgada durante o protesto, os Munduruku afirmam que “os ruralistas do Congresso e Senado querem acabar com os nossos direitos e com nosso território e principalmente com as vidas indígenas, e agora o STF, através do ministro Gilmar Mendes, quer rasgar a nossa Constituição e negociar nossos direitos”. ​

A mobilização também denuncia agressões sofridas por indígenas durante o bloqueio, incluindo ataques por parte de caminhoneiros. Os manifestantes solicitam providências das autoridades para garantir sua segurança e o direito à manifestação pacífica. Eles reivindicam o fim da mesa de conciliação no STF e a revogação da Lei 14.701/2023, ressaltando que “nem o governo, Congresso ou STF podem decidir sobre nossas vidas e nossos territórios sem antes nos consultar”.

O movimento indígena denunciou o processo de conciliação como unilateral e repleto de pressões políticas e empresariais, beneficiando empresas como a Potássio do Brasil. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se retirou da mesa de comissão em agosto de 2024,  por imposições inaceitáveis sobre os direitos indígenas. A comissão foi mantida mesmo com a saída da principal entidade representativa dos povos indígenas brasileiros. A Apib declarou que saiu da Câmara de Conciliação por um motivo simples: o colegiado tem 24 integrantes e a entidade representante dos indígenas apenas 6. A comissão tomará decisões por maioria dos votantes.

Os relatores especiais da Organização das Nações Unidas (ONU) também condenaram a proposta do ministro Gilmar Mendes sobre a regulamentação do marco temporal indígena, expressando preocupação com a possibilidade de retrocessos nos direitos dos povos originários no Brasil. Segundo os especialistas, a proposta ameaça os direitos garantidos pela Constituição e pode abrir caminho para mais conflitos fundiários e violações aos povos indígenas.

O documento da ONU ressalta que qualquer decisão sobre os territórios indígenas deve seguir padrões internacionais, incluindo o direito à consulta prévia, livre e informada, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os relatores apontam que a proposta discutida na Câmara de Conciliação do STF pode enfraquecer a decisão de setembro de 2023, que já declarou a tese do marco temporal inconstitucional.

Contraproposta oficial

Audiência no STF retoma a discussão sobre o Marco temporal ( Foto: reprodução reunião hibrida via zoom).

Em resposta enviada à Amazônia Real por e-mail, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) declarou que a União, bloco representado na mesa de conciliação pelo Ministério dos Povos Indígenas, pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas, pela Advocacia Geral da União e pelo Ministério da Justiça, apresentou uma nova minuta de anteprojeto de lei durante audiência da Comissão Especial de Autocomposição em torno do marco temporal no STF.

Elaborada com base em consultas técnicas e jurídicas a diferentes áreas do governo, a nova proposta exclui todos os dispositivos relacionados à mineração em terras indígenas e também atualiza normas sobre reconhecimento, demarcação e uso de terras indígenas,  “garantindo o protagonismo indígena em todas as fases e respeitando o contraditório e ampla defesa de terceiros”, disse o MPI.

A pasta afirmou que foram revistos princípios, definidas diretrizes mais claras e simplificados procedimentos, com o objetivo de garantir maior segurança jurídica, respeito à diversidade cultural e equilíbrio institucional. As mudanças também reforçam a responsabilidade do Estado na mediação de conflitos e na reparação de situações fundiárias complexas.

“A presença do Ministério dos Povos Indígenas na Comissão Especial procura estabelecer um pacto federativo que garanta os direitos dos povos indígenas e reduza os danos da já aprovada Lei 14.701, para superar o marco temporal e avançar com as demarcações das Terras Indígenas no Brasil”, disse o MPI.

Na madrugada de terça-feira (25), por volta das 3h, o povo Munduruku bloqueou a BR-163, no trecho sentido Itaituba (PA), em protesto contra a Lei 14.701(Foto: @coletivoindigenakirimbawaita @coletivodajekapapeypi @coletivodauk @coletivowakoborun).

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