Na imagem acima, indígenas no primeiro dia do Acampamento Terra Livre, em Brasília (Foto: Tha Pataxó/Apib).
Manaus (AM) – Nada menos do que a co-presidência da Conferência das Nações Unidas Para Mudanças Climáticas (COP 30), no Brasil. Esta é a principal e mais ousada demanda que os povos indígenas estão levantando na 21ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), que começou na segunda-feira (7) em Brasília. O evento global da ONU sobre o clima, que vai ocorrer em novembro em Belém (PA), é considerado uma “agenda estratégica” para as principais entidades. Não é uma ação oportunista, mas uma questão de justiça.
“Nós nos reafirmamos, enquanto povos indígenas, como autoridades climáticas que devem estar dentro dos espaços de decisão. Somos nós os defensores dos biomas que servem como barreira contra as mudanças climáticas”, manifestou, com exclusividade para a Amazônia Real, Toya Manchineri, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Quando presidentes de nações estiverem sentados para discutir temas estratégicos como o impacto dos grandes empreendimentos, fim dos combustíveis fósseis e transição energética justa, os indígenas deveriam participar com o mesmo peso das decisões.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) junto a Coiab, Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Conselho do Povo Terena Grande Assembléia do povo Guarani (Aty Guasu) Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ArpinSudeste) e Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsuli), articulou a campanha “A Resposta Somos Nós, um chamado global indígena por justiça climática.
A campanha lançada nesta edição do ATL, a maior assembleia nacional do movimento indígena, exige ainda o repasse direto de recursos climáticos aos povos que protegem os biomas. O documento pressiona pela inclusão da demarcação de terras indígenas como uma política climática fundamental e vinculada como meta de mitigação na revisão das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) do Brasil.
As NDCs fazem parte dos planos de ação climática, com cada país se comprometendo a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em um dado percentual. Elas são um dos pilares do Acordo de Paris, tratado internacional firmado para enfrentar a crise climática e limitar o aquecimento global. As metas são definidas de forma autônoma e cada nação deve atualizá-las periodicamente.
No Brasil, Terras Indígenas ainda em fase de estudo ou delimitadas apresentam maiores taxas de desmatamento (0,2% ao ano) em comparação com as TIs declaradas, regularizadas e homologadas (0,05% ao ano). Esse dado é apontado pelo estudo “Demarcação é Mitigação: Contribuições Nacionalmente Determinadas brasileiras sob a perspectiva indígena”, lançado pela Apib, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam e Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC).
NDCs indígenas
Para a Apib, o resultado do estudo reforça a importância da demarcação e proteção das Terras Indígenas no enfrentamento das mudanças climáticas. “Os compromissos climáticos do Brasil serão atingidos quando o Estado avançar na política de demarcação dos territórios indígenas. Não há justiça climática e preservação da biodiversidade sem demarcação”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da organização indígena.
Os indígenas brasileiros se aliaram a povos indígenas da Austrália, do Canadá e de ilhas do Pacífico para fortalecer a reivindicação por espaço no debate climático na COP 30. Além disso, há a presença de delegações indígenas do G9, um grupo que representa os nove países da bacia amazônica, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname. “Essas articulações ampliam grandemente nossas vozes. Juntos, esperamos que nossos governos coloquem a demarcação e titulação de terras indígenas como política climática e parte das NDCs. Queremos ações concretas para, juntos, construirmos as soluções para a crise climática”, diz Toya Manchineri.
Em meio à mobilização nacional no ATL 2025, cujo tema é “Apib Somos Todos Nós: Em Defesa da Constituição e da Vida”, as articulações indígenas também se projetam no cenário internacional. Segundo Toya Manchineri, em resposta à demanda por co-presidência na COP 30, foi anunciado o “Círculo de Lideranças Indígenas”, espaço para garantir a participação efetiva dessas vozes nos debates da conferência climática em Belém. “Esperamos que esse círculo seja de fato participativo e que tenhamos voz com o mesmo peso de um chefe de Estado na conferência”, afirma o coordenador-geral da Coiab.
Como parte dessa construção, será realizado um Balanço Ético Global, que avaliará o cumprimento das metas climáticas por parte dos países. A partir dessa análise, será elaborada uma NDC indígena, proposta que poderá ser anexada à NDC brasileira já entregue e também às dos países aliados. Essa discussão será aprofundada na “COP Indígena”, encontro que reunirá povos de diversas regiões de 2 a 5 de junho, em Brasília.
No primeiro dia do ATL, na segunda-feira (7), plenárias celebraram a resistência do movimento indígena representado pela Apib (que completa 20 anos de luta) e sete organizações de base. A mobilização deste ano no ATL está estruturada em cinco eixos: “Apib Somos Todos Nós”, “Resistência e Conquista”, “Desconstitucionalização de Direitos”, “Fortalecendo a Democracia” e “Em Defesa do Futuro – A Resposta Somos Nós”. O ATL segue até sexta-feira (11) e durante a semana são esperados cerca de 8 mil representantes de 200 povos indígenas no acampamento montado no gramado do Eixo Cultural Ibero-Americano, antiga Funarte. Entre rituais, marchas, assembleias e encontros políticos, a programação prevê ainda debates sobre mudanças climáticas, segurança alimentar, juventude indígena, direitos LGBTQIA+ e o fortalecimento das mulheres nas lutas territoriais.
Direitos ameaçados

Uma pauta atravessada pelo momento e que está concentrando as falas nos debates do ATL são as ameaças da Câmara de Conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o marco temporal. O ATL ocorre em um contexto classificado por lideranças indígenas como “desconstitucionalização” de seus direitos e uma tentativa de reconfiguração da política indigenista no Brasil.
Apesar de o STF ter declarado inconstitucional a tese do marco temporal, em setembro de 2023, o tema voltou a circular no Congresso na forma de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 48/2023), imposta pela bancada ruralista, que pretende incluir na Carta Magna o “marco temporal”. Em julho de 2024, diante da iminência da aprovação da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), dominada por ruralistas e bolsonaristas, um acordo selado pelo então líder do governo Jaques Wagner e os senadores propôs a criação da Câmara de Conciliação.
Para as organizações indígenas, a conciliação é usada como forma de travar direitos fundamentais dos povos indígenas previstos na Constituição Federal de 1988. O alerta é ainda maior para uma minuta de um anteprojeto proposto por Gilmar Mendes que cria instrumentos como a indenização por terra nua, o uso da Polícia Militar em ações de reintegração de posse e a flexibilização do processo de consulta livre, prévia e informada às comunidades. A posição do movimento indígena é clara e reivindica pelo fim da mesa de conciliação do STF e a revogação da Lei 14.701/2023. As entidades se retiraram da Câmara de Conciliação ao perceberem que não havia diálogo possível e equilibrado.
Demarcação

Após duas semanas lutando contra a tentativa de ressuscitar o marco temporal, as cacicas, caciques, pajés e lideranças do povo Munduruku encerraram na noite desta segunda-feira (7) o bloqueio da BR-230 em Itaituba, no Pará. O protesto em um trecho da estrada, iniciado em 25 de março, foi uma resposta à Lei 14.701/23, que estabelece que os povos indígenas só teriam direito à demarcação de suas terras se estivessem ocupando-as até outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Os Munduruku exigiam uma audiência com o ministro Gilmar Mendes para tratar sobre o fim da Câmara de Conciliação sobre marco temporal. Indígenas dos Alto, Médio e Baixo Tapajós participaram da ocupação. A reunião está marcada para 15 de abril, entre o ministro do STF, Gilmar Mendes, representantes da Apib e lideranças do povo Munduruku. A informação foi confirmada pela liderança Munduruku, Alessandra Korap, por meio das redes sociais. Cerca de 120 pessoas do povo Munduruku estão rumo à Brasília para se juntar ao ATL e aguardar pela reunião.
O povo Munduruku trava uma luta histórica em defesa das terras indígenas Sawré Ba’pim e Sawré Muybu, localizados na área do Médio Rio Tapajós, nas cidades paraenses de Itaituba e Trairão. As demarcações desses territórios ancestrais estão ameaçadas ou paralisadas.
Durante o último dia do Acampamento Terra Livre (ATL), em abril de 2023, Joenia Wapichana, presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), assinou os Despachos Decisórios que reconheceram a Terra Indígena Sawre Ba’pim como ocupação tradicional dos Munduruku. A identificação e a delimitação do território pela Funai é o primeiro passo do procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, regido pelo Decreto 1.775/1996, que efetiva os direitos territoriais.
Depois de mais de 17 anos de luta, em setembro de 2024 o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, assinou a Portaria 779/2024, demarcando e declarando a posse permanente do povo Munduruku sobre a Terra Indígena Sawré Muybu. A assinatura ocorreu em Brasília e contou com a presença do cacique Juarez Munduruku, liderança histórica que há anos alerta para os riscos do avanço do garimpo e do desmatamento na região. A TI Sawré Muybu é considerada emblemática devido às ameaças constantes de garimpo ilegal e empreendimentos do agronegócio. A próxima etapa é a homologação pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda sem data definida.
A Apib alerta que os ataques contínuos aos direitos indígenas promovem a violência em outros territórios ancestrais, como invasão e assassinatos nos territórios dos povos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, Pataxó, na Bahia, e Ava-Guarani, nos estados do Sul do Brasil.
O movimento indígena reforça a necessidade do atual governo trabalhar ativamente para demarcar todos os territórios. Em 2023, o Governo de Transição apontou a importância da homologação de 14 Terras Indígenas nos primeiros 100 dias do Governo Lula como atos concretos de compromisso com os povos indígenas, mas isso não aconteceu. Desde que assumiu seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou 13 Terras Indígenas. A única terra da lista que ainda aguarda conclusão é a TI Xukuru-Kariri, localizada em Alagoas.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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