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Ameaças virtuais contra Raimundo Barros, primo de Chico Mendes, serão investigadas no Acre

Ameaças virtuais contra Raimundo Barros, primo de Chico Mendes, serão investigadas no Acre

Os ataques em um grupo de WhatsApp começaram após operação do ICMBio apreender bois criados ilegalmente por pecuaristas, que foram expulsos de dentro da unidade de conservação, no Acre. O número permitido de criação de animais por morador é 30 cabeças de gado. Com um só pecuarista foram apreendidas 167 bois. (Foto: Katie Maehler / Mídia NINJA) [CC-BY-NC].


Rio Branco (AC) –  O município de Xapuri, a 170 quilômetros da capital do Acre, voltou a ter um clima de tensão tal qual no ano de 1988, quando foi assassinado por fazendeiros o líder Chico Mendes. Em entrevista à agência Amazônia Real, Raimundo Mendes de Barros, de 80 anos, o seringueiro mais longevo e primo do ambientalista, afirma que, mesmo diante das centenas de ataques virtuais que ele e sua família vêm recebendo nos últimos dias, não vai parar de defender a Reserva Extrativista Chico Mendes – alvo de uma devastação sem precedentes, comércio ilegal de gado e venda de terras públicas. 

“Eu não paro, eu não paro porque eu não tenho como parar. Eu não parei quando eu era novo, porque agora na velhice eu vou parar? Vou continuar fazendo o meu trabalho”, afirma Raimundo Barros, também conhecido como Raimundão, e que também luta pela defesa da preservação da floresta amazônica. 

As ameaças contra Raimundo Barros e sua família estão sendo disseminadas em um grupo da rede social WhatsApp, intitulado “Manifestação pacífica”, com mais de 1.000 seguidores da cidade de Xapuri e outros municípios da região, e foi aberto no dia 06 de junho. Entre os administradores do grupo estão populares, agricultores, pecuaristas e políticos locais. O grupo diz que o seringueiro é o responsável pela operação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A desconfiança é porque Barros tem um filho que é funcionário do instituto.

O grupo de WhatsApp foi ativado após o ICMBio, órgão do Ministério do Meio Ambiente, deflagrar, no dia 5 de junho, a Operação Suçuarana, para combater o desmatamento na Resex Chico Mendes, crime ambiental recorrente e provocado, segundo o órgão, “pela pecuária irregular praticada por invasores em diferentes pontos da Unidade de Conservação (UC)”. A data é alusiva ao Dia do Meio Ambiente e também marca os assassinatos de dois defensores da floresta, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, em Atalaia do Norte, no Amazonas, em 2022.

Raimundo Mendes, o Raimundão (Foto: Katie Maehler / Mídia NINJA) [CC-BY-NC]

A agência Amazônia Real teve acesso a trechos das ameaças à Raimundo Barros em áudios divulgados pelos seguidores, das quais irá divulgar apenas uma frase para que o leitor veja o teor da ação virtual contra o seringueiro.

“Por causa desses caras [família de Raimundo Barros] a gente tem que virar tudo bandido, entendeu? Fazer igual aqueles caras de São Paulo: eles chegaram e meteram a bala, é o único jeito pra acabar com eles. É o único jeito, a Lei está do lado deles”, diz uma pessoa do grupo.

Criada em 1990, a Reserva Extrativista Chico Mendes é de propriedade da União e as terras não podem ser comercializadas. As famílias que vivem na área possuem apenas o direito de uso. Em sua página no Instagram, a ministra Marina Silva disse que a Operação Suçuarana conta com o apoio também da Polícia Federal, da Força Nacional de Segurança, do Exército Brasileiro, Ministério Público Federal e Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Acre (IDAF). “O objetivo é retirar bovinos de áreas embargadas e de posseiros que ocupam a unidade de forma ilegal, em desacordo com o plano de manejo e as normas da reserva”, afirma a ministra.

À Amazônia Real, Raimundo Mendes de Barros expressou preocupação com sua segurança e de sua família dentro da Resex Chico Mendes. Ele vive numa casa com a esposa, filhos e netos.  “Às vezes saio daqui, eu vou para cidade sozinho, vou na mota, e confesso: minha família, meus filhos, não querem que eu vá. Eu passo em certos trechos [da reserva] pensando se não tem algum covarde para tirar minha vida”, afirma Raimundo Barros.

“Eu não denunciei ninguém, eles é que tomam a iniciativa”, disse ele sobre a operação do ICMBio. “Há tempos que o ICMBio fiscaliza e  multa pessoas que estão em situação de irregularidade na Resex”, concluiu Raimundo Barros.

Diante da gravidade das ameaças, a família de Raimundo Mendes de Barros está tomando providências para resguardar a segurança do seringueiro. Segundo a advogada Elenira Mendes, filha de Chico Mendes, as provas das ameaças foram registradas em cartório, como áudios, vídeos e mensagens de texto disseminadas pelo grupo de WhatsApp. “Dos conteúdos e fatos apurados até o momento, será protocolada uma queixa-crime contra alguns indivíduos que, por meio de um áudio amplamente divulgado em grupo de WhatsApp, proferiu declarações pejorativas, ameaçadoras e potencialmente criminosas”, disse.

Elenira afirmou que as mensagens do grupo de WhatsApp “extrapolam a liberdade de expressão e podem configurar, juridicamente, crimes de ameaça, calúnia, difamação e injúria”. “Essas pessoas estão ofendendo diretamente a dignidade de Raimundão. São infrações que serão igualmente objeto de investigação, uma ação penal, com responsabilização individualizada de cada autor”, diz a advogada.

Nascido no ano de 1945 no Seringal Santa Fé, no município de Xapuri, Raimundo Mendes de Barros, disse que sua luta em defesa da Resex Chico Mendes busca frear o excesso de desmatamento. Sobre a acusação do grupo de WhatsApp de que teria uma serraria clandestina e gado, Raimundo Barros diz que “é caluniosa e tem tom político”. Ele afirma que tem um projeto dentro da Resex Chico Mendes, o Ateliê da Floresta, uma marcenaria comunitária, que foi inaugurado em 2024, para fortalecer a cadeia de produção envolvendo a madeira sustentável no estado. 

“As madeiras utilizadas caíram a aproximadamente a 30 e 40 anos e são transformadas em obras de arte, móveis, utensílios domésticos, dentre outros artefatos. O objetivo da criação deste espaço é potencializar os recursos naturais da Amazônia e fomentar a importância da preservação e educação ambiental”, diz Raimundo Barros, confirmando que produz gado: “na minha colocação tenho 26 cabeças, está dentro do limite permitido pelo ICMBio”.

Comércio do gado

A operação do ICMBio, que não tem prazo para finalizar, apreendeu 167 cabeças de gado do pecuarista Josenildo Mesquita de Souza, morador da Resex Chico Mendes. Outro pecuarista, Gutierrez Rodrigues, também teve o gado apreendido dentro da resex, mas o órgão não informou o número de animais dele. 

A gerente regional do ICMBio para a Amazônia e coordenadora da Operação Suçuarana, Carla Lessa, afirma em entrevista à Amazônia Real  que os pecuaristas autuados por crimes ambientais têm  processos antigos de desocupação da área e foram notificados judicialmente. 

“São pessoas interessadas em explorar economicamente a reserva. O ICMBio não está prejudicando o produtor rural. Isso não é verdade. A reserva extrativista Chico Mendes é uma reserva para uso, para a melhoria da qualidade de vida, para a economia das pessoas que vivem ali naquela região”, diz Lessa.

Os dois pecuaristas que tiveram gado apreendido estão dentro do grupo de WhatsApp “Manifestação pacífica” que faz ataques contra Raimundo Barros. É pelo grupo que os protestos contra a Operação Suçuarana são organizados. Entre os dias 8, 9, 13, 14 e 15 de junho, os manifestantes bloquearam a rodovia BR-317 (que liga Brasiléia a Rio Branco) impedindo a retirada de caminhões de gado apreendidos pelo ICMBio com os pecuaristas na Resex Chico Mendes. 

Equipes do Batalhão Ambiental do Acre e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) conseguiram desbloquear as ações. Segundo a Polícia Federal, no domingo (15) três homens foram presos  por acusação de atear fogo em pneus em uma estrada de acesso à rodovia. Equipes continuam na região monitorando a área para garantir a segurança dos motoristas, diz a PF.

Troca de terra por Hilux

Moradores da Resex Chico Mendes, em Xapuri bloqueiam a BR-317 contra a Operação Suçuarana do ICMBio. (Foto: Ascom ICMBio).

Os pecuaristas Josenildo Mesquita de Souza e Gutierrez Rodrigues foram procurados pela reportagem para darem suas versões sobre a Operação Suçuarana e ameaças no grupo de WhatsApp contra Raimundo Barros. 

Apenas Josenildo Souza atendeu o telefonema da agência Amazônia Real. Ele disse que não é extrativista e há seis anos negociou as terras, um total de 41 hectares, dentro da Resex Chico Mendes de um morador, do qual não revelou o nome. 

“A gente fez uma troca por uma área que eu tinha no assentamento Tupá, também dentro da Resex Chico Mendes, e uma caminhonete Hilux, cabine simples do ano de 2013, nessa área de terra dele”, diz o pecuarista.

Souza não informou o valor da negociação das terras na Resex Chico Mendes. Mas uma pesquisa na internet sobre o comércio de veículos, aponta que o valor de uma Toyota Hilux cabine simples de 2013 pode variar em torno de R$100 mil. 

“Ele [o morador] falou assim comigo: ‘com certeza, eles [o ICMBio] vão aceitar o senhor ficar, porque o senhor não é fazendeiro, você é um pequeno criador, eles vão aceitar o senhor’”, disse Josenildo Souza sobre a proibição do comércio de gado dentro da reserva.

Com relação aos 167 bois apreendidos pelo ICMBio e a notificação judicial para desocupar as terras da resex, Josenildo Souza disse que ficou surpreendido com a ação. “Sou um homem analfabeto, não entendi o que estava acontecendo. Eles disseram assim: ‘aqui o senhor não tem nada, tudo é do governo. O senhor pode juntar suas coisinhas e caçar rumo”, relata o pecuarista. 

Ao ser perguntado sobre as ameaças à Raimundo Barros no grupo de WhatsApp, o pecuarista desconversou. “Eu não tô acompanhando porque não tá dando tempo, eu nem olho o WhatsApp. Eu na manifestação, nós não estamos com sinal. Para dar sinal, eu tenho que vir aqui para um canto. Eu não vi nenhuma conversa sobre esse senhor, seu Raimundo. Eu o conheço há muito tempo. Tenho muito respeito por ele”, diz.

Josenildo Souza confirmou que foi notificado pelo ICMBio a se retirar da Resex Chico Mendes. “Tenho uma criança de 1 ano ainda, que depende de mim. Se não fosse os meus amigos, que estão me dando uma força e, uns trocadinhos, não tenho onde morar. Estou vivendo da bondade e da caridade”.

Volta no tempo

Francisco Alves Mendes, o Chico Mendes, foi assassinado no dia 22 de dezembro de 1988, com um tiro de escopeta em frente de sua casa, no município de Xapuri (AC), por defender nos empates – um protesto pacífico dos seringueiros para impedir a derrubada das seringueiras pelos madeireiros – a preservação da floresta na reserva extrativista. Os autores do crime foram os fazendeiros Darly e Darcy Alves (pai e filho), condenados a 19 anos de prisão. Os dois cumpriram menos de dez anos da pena. Chico Mendes é considerado um dos pioneiros do ambientalismo na Amazônia e no mundo. Veja o documentário sobre sua morte.

A Resex Chico Mendes tem uma área territorial de 970 mil hectares, subdividida em 47 seringais, que abrange sete municípios: Assis Brasil, Brasiléia, Capixaba, Epitaciolândia, Rio Branco, Sena Madureira e Xapuri. É uma Unidade de Conservação (UC) Federal administrada pelo ICMBio. Vivem na reserva 4,5 mil famílias.

Cada família extrativista que mora dentro da reserva vive em colocação. Cada colocação é formada por no mínimo três estradas de seringa. Diversas colocações compõem um seringal, formado por seringueiras que fornecem a borracha natural da própria floresta.

Segundo o ICMBio, as pessoas que vivem dentro de uma UC não têm a posse da terra, mas têm o direito de uso cadastrado junto ao órgão federal. A Resex, berço do movimento extrativista liderado por Chico Mendes, possui um histórico de conflitos desde os anos 80 com grileiros, pecuaristas e fazendeiros que enxergam a floresta como terra vazia, como modo de acumulação de propriedades e fonte de renda especulativa do mercado imobiliário.

A filha de Chico Mendes, Angela Mendes disse que as ameaças atuais contra seu tio Raimundo Barros, são como se voltasse ao tempo em que seu pai era muito ameaçado. “A gente vê isso acontecendo, parece que a gente volta há muitos anos no tempo, né? E ver o tio Raimundão assim. Ele denunciou na semana Chico Mendes a ameaça, mas depois disso se arrefeceu, mas agora com esse episódio [do grupo virtual] a gente teme muito pelo que possa acontecer com ele. Acho que o ICMBio não fez mais do que o seu trabalho, muito válida essa ação, mas politizaram tudo isso e inflamaram a população. Enfim, o que a gente tem visto, na verdade, é um cenário difícil, de muita gente que ficou contra a Resex agora.”

O que diz o ICMBio

Operação Suçuarana do ICMBio na Resex Chico Mendes em Xapuri (Foto: Ascom ICMBio).

A Resex Chico Mendes, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), está desde o ano de 2018 no topo da lista das Unidades de Conservação mais ameaçadas pela devastação da cobertura florestal na Amazônia. O índice de desmatamento aumentou 56%, entre o período de agosto de 2024 a maio de 2025, segundo os dados do sistema Prodes/INPE: subiu de 1.078 hectares para 1.679 hectares.

Sobre a produção de gado na Resex Chico Mendes, a assessoria de comunicação do ICMBio Amazônia esclarece que os moradores da Unidade de Conservação podem ter uma criação de gado na condição de subsistência e geração de renda que, de acordo com o plano de uso da unidade, é permitida a criação de até 30 cabeças de gado para subsistência, o que não vinha acontecendo”. 

“Muitas pessoas autuadas na operação possuíam um número muito acima do permitido e trabalhavam na criação de pastos, além de trabalhar para terceiros que nem sequer moram na resex. Cerca de 80% dos residentes possuem alguma espécie de desvio das regras de vivência na reserva. Frente a isso, o papel do ICMBio é classificar entre os levemente irregulares, passíveis de regularização e os irreversivelmente irregulares”, disse a assessoria.

A Amazônia Real perguntou ao ICMBio se Raimundo Barros motivou a Operação Suçuarana, como afirmam os seguidores do grupo de WhatsApp. Em resposta, o órgão disse que é falsa a informação de que houve denúncias da parte do seringueiro. “A operação foi planejada pela sede do ICMBio em Brasília”.

Sobre a denúncia de que Barros tem serraria e gado ilegais, o ICMBio declarou que “não há registros de qualquer irregularidade envolvendo o senhor Raimundo Barros nas fiscalizações realizadas. O Ateliê da Floresta é um projeto financiado pelo programa Lira/Ipê que é considerado regular dentro do ordenamento jurídico brasileiro”.

Diante das ameaças contra Raimundo e sua família que têm sofrido, o ICMBio afirmou que “há ações de inteligência monitorando a situação. Embora a proteção direta de moradores não seja de nossa competência formal, medidas estão sendo consideradas e que também estão checando a possibilidade de inseri-lo em um programa de proteção”.

Solidariedade de Marina

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina SilvaF(oto: Rogério Cassimiro/ MMA).

Em relação às ameaças à Raimundo Mendes de Barros, a ministra Marina Silva afirmou, em rede social,  que, “infelizmente, uma rede de desinformação e ataques vêm sendo dirigidos à honra e à família de Raimundão, importante liderança da Resex. Manifesto meu apoio e minha solidariedade à ele, sua família e a todos da comunidade”. 

Marina lembrou que, ações do ICMBio não se dirigem às comunidades extrativistas regulares, legalmente reconhecidas e comprometidas com o uso sustentável da floresta, “mas sim a grileiros e criadores de gado irregulares, que vêm expandindo ilegalmente a pecuária na região, gerando desmatamento, degradação ambiental e conflitos sociais.”

E destacou: “informo ainda que estão no local forças de segurança para garantir a integridade de servidores públicos, lideranças locais e das comunidades extrativistas ameaçadas, como é o caso de Raimundão e sua família”, disse a ministra do Meio Ambiente. (Colaborou Kátia Brasil)


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