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ToggleOrganizado por movimentos populares, o evento é parte da luta para a reconstrução das políticas públicas voltadas à juventude camponesa no Brasil (Foto: Oliver Kornblihtt / Mídia Ninja).
Manaus (AM) – A juventude do campo, das águas e das florestas de todo o país se prepara para o Acampamento Nacional da Juventude em Luta: por Terra e Soberania Popular, evento que ocupará o ginásio Nilson Nelson, em Brasília (DF), entre os dias 13 e 17 de outubro. Cinco mil pessoas são esperadas na mobilização, que reunirá a juventude organizada em movimentos populares e de base que constroem a Via Campesina no Brasil.
Os jovens ribeirinhos, quilombolas, indígenas, extrativistas, pescadores artesanais, agricultores, posseiros, quebradores de coco e sem-terra irão debater, entre outras coisas, o enfrentamento ao êxodo juvenil, o acesso à educação, arte e cultura, a demarcação de territórios, o racismo, as mudanças climáticas e a luta pela soberania popular. Eles também lutam para que haja mitigação de impactos socioambientais causados pela ação de empresas do setor do agronegócio em suas terras.
“O lema ‘Por Terra e Soberania Popular’ expressa a essência da nossa luta: o acesso à terra para a juventude produzir alimentos saudáveis e soberania popular para o povo poder decidir sobre seu território frente aos megaprojetos incompatíveis com a biodiversidade. O acampamento articula a juventude a partir dos territórios, para criar uma base sólida de mobilização e ação com intuito de direcionar os esforços por transformações reais”, explica Raiara Pires, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e uma das coordenadoras do evento.
A juventude defende, sobretudo, a permanência no campo para que possa elaborar sistemas integrados aos biomas locais, que cumpram a função social de produzir alimentos saudáveis e diversificados para a população e que tenham como foco a conservação ambiental. Para Raiara, as populações do campo são fundamentais para o desenvolvimento de estratégias sustentáveis que vão amenizar a crise climática e preservar o meio ambiente.
“A abordagem da crise ambiental e a defesa do acesso à terra e ao território como parte da reforma agrária são essenciais para enfrentar os desafios da atualidade. A proteção dos bens comuns da natureza e a preservação dos biomas são prioridades cruciais nesse contexto de mudanças climáticas em curso. É importante ressaltar a resistência dos povos indígenas e quilombolas, que têm seus modos de vida ameaçados pelo processo de mercantilização da natureza. A demarcação de suas terras representa uma justiça histórica e uma forma concreta de redimensionar a questão ambiental a formas ecológicas de convívio com a natureza”, afirma a militante para a Amazônia Real.
A programação do acampamento inclui um conjunto de debates em plenária e uma série de outras atividades formativas, como oficinas, apresentações culturais e rodas de conversas. Serão mais de 100 atividades confirmadas com espaços de formação, além da Mostra de Produção da Juventude, uma feira onde serão vendidos alimentos oriundos de agricultura familiar de todas as regiões do país.
Além de compartilhar debates sobre meio ambiente, o evento irá abordar “a dimensão da construção de relações humanas emancipatórias pautadas no respeito aos corpos em sua diversidade e no combate ao racismo estrutural”, informa Raiara. O extermínio da juventude negra e a violência contra a população LGBTQIAPN+ são temas centrais das discussões sociais.
Em agosto de 2020, durante a pandemia, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) extinguiu o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, a partir do decreto nº 10.473, que revogou outros 304 decretos assinados pela Presidência da República entre 1956 e 2019. Como resposta aos desmontes das políticas públicas voltadas à juventude camponesa, jovens de diversas organizações apresentaram a Proposta da Juventude Para o Campo Brasileiro, com medidas emergenciais para o combate à fome e a permanência da juventude no campo por meio de auxílios que possibilitem o acesso a trabalho, renda e condições de viver bem.
Com a volta do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar, o governo Lula (PT) estabeleceu, em agosto deste ano, um grupo de trabalho para articular o novo Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural. O documento é construído a partir de cinco eixos temáticos: Terra e Território; Trabalho e Renda; Educação do Campo; Qualidade de Vida e Participação, Comunicação e Democracia.
Retomada de lutas
Para os jovens do campo, o Acampamento Nacional da Juventude em Luta será um encontro fundamental para garantir a efetivação e melhoria do plano e a implementação das medidas apresentadas na Proposta da Juventude Para o Campo Brasileiro.
“Já faz muito tempo que a juventude da Via Campesina não se encontra e não se coloca enquanto sujeito coletivo neste processo. Então, reunir a juventude é ter esse espaço demarcado, com uma construção que vem desde as bases até ações em Brasília, a partir dos jovens em movimento. Vamos fazer uma leitura de como a gente vai poder acumular forças para sair desse terceiro governo Lula com conquistas reais para a juventude”, diz o militante Pablo Neri, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Pará.
Para Pablo, o cenário no governo Lula é favorável para que os jovens possam voltar a fazer política e criar pautas específicas como o desenvolvimento da agricultura familiar. ”A expectativa é que a gente possa fazer um bom debate, para contribuir com esse momento de união e reconstrução no Brasil”.
Jovens querem dignidade
No dia 16 de outubro, Dia Internacional da Soberania Alimentar, a juventude realizará a Conferência Livre dos Povos do Campo, das Águas e das Florestas. A ideia é que esse espaço seja marcado pela defesa da agroecologia e da produção de alimentos saudáveis, apontando o protagonismo da juventude no acesso à direitos para construir mecanismos de enfrentamento à fome no Brasil.
Os movimentos e organizações da Via Campesina afirmam que a soberania alimentar passa pela compreensão de que um povo, para ser livre, precisa ser soberano e isso está relacionado também à alimentação. “O que nos une é a produção diversificada de alimentos e a relação de cuidado com a terra e com os bens da natureza”, declararam os movimentos na Proposta da Juventude Para o Campo Brasileiro.
A juventude quer apoio para a implantação de sistemas sustentáveis ligados aos biomas locais, que cumpram a função social de produzir alimentos saudáveis e diversificados para a população e que tenham como foco a conservação ambiental. Para isso, aponta a necessidade da reforma agrária e da demarcação de territórios como principais meios de acesso à terra.
“Nós, juventude do campo, das águas e das florestas, reivindicamos uma pauta histórica que é o direito à terra e a todos os bens comuns que deveriam ser socializados a fim de os povos do Brasil viverem com dignidade e equilíbrio com a natureza, pois somos parte deste ecossistema”, manifesta Emanuelle Araújo Borges, militante do MST no Pará.
Segundo ela, a reforma agrária tem que priorizar a juventude e a soberania popular deve ser uma realidade, para que a juventude do campo tenha acesso a políticas públicas, como créditos, fomentos e auxílios.
“Também defendemos a criação de uma política nacional para a juventude do campo, das águas e das florestas, que foi destruída pelo governo Bolsonaro. Queremos bolsa permanência no campo, que estimule jovens recém-formados no ensino médio, no técnico e no superior, a retornar e permanecer. É necessário ter o apoio para que a juventude produza alimentos e conserve o meio ambiente, e também que nos apoiem em iniciativas de agroindústrias descentralizadas e familiares ligadas a cadeias produtivas de nossos biomas. Reivindicamos o acesso à comunicação e informação. Queremos cultura, arte, esporte, lazer, educação e formação técnica”, afirma a jovem ativista.
Desafios de uma juventude ameaçada
De acordo com Emanuelle, a juventude do campo está à mercê do agronegócio, que disputa terras “a fim de implantar monoculturas que não servem para desenvolver a vida, se tornam commodities que vão para mundo afora e que aqui deixam a degradação”.
Como exemplo de “projeto de extermínio” da juventude do campo, segundo a militante, a multinacional norte-americana Cargill está impactando de forma negativa as populações tradicionais que vivem no município de Abaetetuba, no Pará. “Os moradores enfrentam problemas como a diminuição das áreas de extrativismo, a contaminação da água consumida diretamente dos rios e a proibição de colher açaí. Temos que entender que a instalação desses projetos capitalistas não são para beneficiar a população local”, denuncia.
Em junho deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça a suspensão da construção de um porto graneleiro para escoamento de soja e milho da Cargill em Abaetetuba, por indícios de que a área destinada ao porto foi obtida de forma ilícita, por meio de grilagem de terras. Além disso, o terreno está na área do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Santo Afonso. A empresa já possui dois portos no estado do Pará, nas cidades de Santarém e de Miritituba. As construções foram feitas sem consultar as comunidades tradicionais impactadas. A empresa nega as irregularidades.
Para a juventude do campo, permanecer em seus territórios é uma forma de manter a reprodução coletiva de suas vidas por meio do trabalho, da cultura, da espiritualidade e da convivência com a natureza. No entanto, pressionada pela pobreza e pelo avanço do agronegócio sobre suas terras, essa população se vê obrigada a migrar para os centros urbanos, vivendo de forma miserável nas periferias.
“A juventude da Amazônia, por exemplo, enfrenta desafios como o avanço do agronegócio, que expande suas fronteiras agrícolas passando por cima de tudo que tem vida. Essas violências resultam na desterritorialização desses jovens, o sistema predatório os força a irem para as margens das periferias, em situações mais precarizadas. Nos últimos períodos esses sujeitos jovens sofreram bastante com o avanço do neoliberalismo e essa onda bolsonarista que escancarou a face fascista da sociedade, que não tolera a diversidade e pluralidades que somos, vários direitos conquistados com muita luta retrocederam”, diz Emanuelle.
Os jovens reivindicam políticas públicas que possibilitem o acesso ao trabalho, renda e condições de permanecer no campo com dignidade e vida saudável, para produzir alimentos, ter acesso à saúde, educação e cultura, mas também condições de inclusão digital e internet, possibilitando a geração de renda e melhoria na qualidade de vida.
“A juventude do campo está com bastante anseio para chegar em Brasília e ecoar nosso grito de resistência, pois estamos cansados de tantos retrocessos que esse sistema insustentável impõe para a classe trabalhadora. Chegaremos com a força das lutas que nossos e nossas mártires travaram nas ligas camponesas, pois são legados que nos mostram a importância de dar continuidade. Acreditamos que durante esse acampamento, conseguiremos conspirar coletivamente e visualizar soluções dos problemas impostos à nossa gente. Ocuparemos as ruas de Brasília com muita esperança, a fim de defender nossos territórios e lutar por soberania popular”, atesta.
Confira a programação do evento:
Sexta-feira (13/10)
A partir das 7h – Acolhimento, Organicidade e Reunião das Equipes
12h – Almoço
14h – Mística e Animação / Abertura do Acampamento
15h – Análise de Conjuntura Nacional e Internacional: O que tá rolando no mundo e o que temos haver com isso?
17h às 18h – Reunião da delegação dos estados
19h – Jantar
20h – Festival da Juventude: 40 anos de Hip Hop no Brasil
Sábado (14/10)
7h – Café da Manhã
8h – Mística e Animação / Nossa luta é internacional: Depoimentos das delegações!
9h – Patriarcado, racismo e a construção de relações humanas emancipadas
12h – Almoço
14h às 17h30 – Rodas de Conversas
17h30 – Abertura da Mostra de Produção da Juventude
19h – Jantar
20h – Festival da Juventude: Sarau Rebeldia para lutar, viver e amar!
Domingo (15/10)
7h – Café da Manhã
8h – Mística e Animação / Nossa luta é internacional: Depoimentos das delegações!
09h – Juventude, arte e cultura na disputa das ideias!
12h – Almoço
15h às 17h30 – Oficinas
17h30 – Mostra de Produção da Juventude
19h – Jantar
20h – Festival da Juventude: Apresentações das Regiões
Segunda-feira (16/10)
7h – Café da Manhã
8h – Mística e Animação / Nossa luta é internacional: Depoimentos das delegações!
09h – A Juventude e a luta ambiental: por terra e soberania popular estamos aqui!
12h – Almoço
14h às 17h30– Oficinas
17h30 – Mostra de Produção da Juventude
19h – Jantar
20h – Conferência Livre dos Povos do Campo, das Águas e das Florestas (Ato Político)
Terça-feira (17/10)
7h – Café da Manhã
8h – Mística e Animação / Nossa luta é internacional: Depoimentos das delegações!
Plantio de árvores e Solidariedade
12h – Almoço
14h – Encerramento
Serviço
Acampamento Nacional “Juventude em Luta: por Terra e Soberania Popular”
Data: 13 a 17 de outubro
Local: Ginásio Nilson Nelson, Brasília, Eixo Monumental (Via N1 Oeste)
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