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A renovação da licença de Belo Monte – 1: introdução à série

A renovação da licença de Belo Monte – 1: introdução à série


Por Juarez C.B. Pezzuti, Jansen Zuanon, Priscila F.M. Lopes, Cristiane C. Carneiro, André Oliveira Sawakuchi, Thais R. Montovanelli, Alberto Akama, Camila C. Ribas, Diel Juruna e Philip M. Fearnside

Em 24 de maio publicamos um trabalho na prestigiada revista científica Perspectives in Ecology and Conservation sobre a situação grave na Volta Grande do Rio Xingu [1], disponível em acesso aberto em inglês aqui. Este série de textos traz essas reflexões em português.

Resumo

A presidência de Luiz Inácio Lula da Silva oferece uma grande esperança para o no , mas os planos para barragens hidrelétricas na Amazônia representam uma área de preocupação. A hidrelétrica de Belo Monte, que Lula promoveu em seus governos anteriores e ainda defende, ilustra as contradições. Em 2015, Belo Monte desviou água do rio Xingu através de um canal que, desde 2019, deixou um trecho de 130 km do rio com menos de 30% de sua vazão natural anual. Isso comprometeu a segurança alimentar de três grupos Indígenas e de ribeirinhos tradicionais não Indígenas que dependem dos peixes e dos quelônios do rio. Espécies endémicas (e ameaçadas) e ecossistemas únicos estão agora a serem eliminados. A pendente renovação da licença de operação de Belo Monte representa um teste do compromisso socioambiental do governo Lula. Oferecemos sugestões para uma melhor governança para barragens existentes como Belo Monte, mas concluímos que não deveriam ser construídas mais grandes barragens na Amazônia.

Introdução

A chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (“Lula”) à presidência do Brasil em 1º de janeiro de 2023 era um alívio para todos os que se preocupam com o meio ambiente, especialmente considerando o histórico desastroso do antecessor de Lula, Jair Bolsonaro. No entanto, existem várias áreas de preocupação em relação à agenda ambiental de Lula, incluindo planos para barragens na Amazônia [1-6]. A catástrofe ambiental e humana em curso na operação da usina hidrelétrica de Belo Monte expõe esta contradição. Uma preocupação imediata é uma decisão pendente sobre a renovação da licença de operação de Belo Monte, e se alguma mudança na operação da barragem será exigida.

A Belo Monte, que Lula promoveu nas duas presidências anteriores, não é apenas um erro do passado: o Presidente Lula ainda a defende com veemência. Durante a campanha presidencial de 2022 afirmou que reconstruiria a barragem de Belo Monte de novo [7] e ainda afirmou que a barragem beneficiou a população local por causa do dinheiro gasto em programas sociais [8], um reivindicação facilmente rejeitada [9]. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) estima que a Belo Monte deslocou 40 mil pessoas [10]. Aproximadamente um quarto dos moradores urbanos da cidade de Altamira, além de uma grande população de ribeirinhos tradicionais, foram transferidos para “reassentamentos urbanos coletivos” (RUCs) na periferia da cidade, causando graves impactos sociais [11-13].

Ao contrário da maioria das hidrelétricas, com um rio bloqueado por uma única barragem com uma casa de força em sua base onde a água é liberada para continuar fluindo pelo canal natural do rio, a Belo Monte é uma usina a fio d’água com duas barragens. A Barragem de Pimental represa o canal do rio Xingu e desvia a água através de um canal artificial e bacias hidrográficas inundadas (o “Reservatório dos Canais”) para a Barragem de Belo Monte, onde está localizada a casa de força principal, contornando assim um trecho de 130 km do rio conhecido como a “Volta Grande” (Figura 1). Este trecho hoje está sujeito a um regime de vazão controlado pela Norte Energia, empresa que administra o complexo de Belo Monte. A vazão média em Volta Grande é de aproximadamente 70 a 80% inferior à descarga natural, e a regulação de tempo dos fluxos de água não está relacionada com o ciclo natural de cheias, afetando a reprodução de peixes e quelônios e todos os outros processos ecológicos associados ao rio. [14]

Figura1: Rio Xingu e Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O rio Xingu foi represado pela Barragem Pimental (1) para desviar água para um reservatório fora do canal formado pela Barragem de Belo Monte (2).

A imagem que abre este artigo é de autoria do fotógrafo Lilo Clareto, para a Amazônia Real, datada de 27/11/2018. A foto retrata as consequências da instalação da hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu e os impactos na vida da cidade de Altamira (PA) e de seus moradores.



Notas

[1] Fearnside, P.M., 2023. The outlook for Brazil’s new presidential administration. Trends in Ecology and Evolution 38(5), 387-388.

[2] Fearnside, P.M., 2024. Lula and . p. 131-143 In: R. Bourne (ed.) Brazil after Bolsonaro: The Comeback of Lula da Silva. Routledge, New York. NY, EUA. 229 p.

[3] Fearnside, P.M. 2023. Lula e as hidrelétricas na Amazônia. Amazônia Real.

[4] Fearnside, P.M. 2023. Lula e a rodovia BR-319. Amazônia Real, 24 de janeiro de 2023.

[5] Fearnside, P.M. 2023. Lula e a questão fundiária na Amazônia. Amazônia Real, 17 de janeiro de 2023.

[6] Vilani, R., L. Ferrante & P.M. Fearnside. 2023. Os primeiros atos de Lula. Amazônia Real

[7] Lima, L., 2022. Lula diz que faria Belo Monte de novo e expõe diferenças com Marina. Metropoles, 23 de junho de 2022.

[8] TV5 Monde, 2022. Brésil: Les vérités du candidat Lula sur la crise climatique, l’Amazonie et les peuples autochtones. TV5 Monde, 30 de maio de 2022.

[9] Magalhães, S.B., da Cunha, M.C. (Eds), 2017. A Expulsão de Ribeirinhos em Belo Monte: Relatório da SBPC. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), São Paulo, SP.

[10] Sullivan, Z., 2017. Brasil desprovido: a barragem de Belo Monte é devastadora para as culturas indígenas. Mongabay, 15 de fevereiro de 2017.

[11] Mayer, A., Castro-Diaz, L., Lopez, M.C., Leturcq, G., Moran, E.F., 2021. Is hydropower worth it? Exploring Amazonian resettlement, human development and environmental costs with the Belo Monte project in Brazil. Energy Research & Social Science 78, art. 102129.

[12] Mayer, A., Lopez, M.C., Leturcq, G., Moran, E.F., 2022. Changes in social capital associated with the construction of the Belo Monte Dam: comparing a resettled and a host community. Human Organization 81, 22-34.

[13] Miranda Neto, J.Q., 2014. Reassentamento da população urbana diretamente afetada pelo empreendimento hidrelétrico de Belo Monte em Altamira-PA. Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades 2(13), 43-57.

[14] Esta série é uma tradução de: Pezzuti, J.C.B., J. Zuanon, P.F.M. Lopes, C.C. Carneiro, A.O. Sawakuch, T.R. Montovanelli, A. Akama, C.C. Ribas, D. Juruna & P.M. Fearnside. 2024. Brazil’s Belo Monte license renewal and the need to recognize the immense impacts of dams in Amazonia. Perspectives in Ecology and Conservation 22(2), 112-117. PMF agradece ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ15.125), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 406941/2022-0), e Rede Brasileira de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (FINEP/Rede CLIMA 01.13.0353-00). CCR agradece à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM, Iniciativa Amazônia +10, 01.02.016301.04653/2022-15) e ao CNPq (314860/2023-1). AOS agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP 2022/10323-0) e ao CNPq (307179/2021-4). PMF, PFML e AA agradecem ao CNPq pelas bolsas de produtividade (312450/2021-4; 302365/2022-2; 309727/2023-5). Agradecemos à Ana Laura pela confecção do mapa. Os autores agradecem especialmente aos moradores Indígenas e não Indígenas da Volta Grande. Informações adicionais estão disponíveis com os autores.


Sobre os autores

Juarez Carlos Brito Pezzuti é biólogo pela Universidade Estadual de campinas UNICAMP, mestre pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA, Ecologia) e doutor pela UNICAMP (Ecologia). Fez pós-doutorado na Universidade de Amsterdam. É professor titular da Universidade Federal do Pará, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPA). Suas linhas de atuação induem ecologia, etnoecologia e manejo comunitário de fauna, com ênfase em répteis aquáticos.

Jansen Alfredo Sampaio Zuanon possui graduação em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1985), mestrado em Biologia de Água Doce e Pesca Interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (1990) e doutorado em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas (1999). Atualmente é Pesquisador Titular III aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Atua principalmente nos seguintes temas: Amazônia, peixes, ecologia, ictiofauna e comunidades.

Priscila Fabiana Macedo Lopes possui graduação em Biologia pela Universidade Estadual de Campinas (2001), onde também obteve mestrado (2004) e doutorado (2008) em Ecologia. Parte do seu doutorado foi realizado na Universidade da Califórnia (Davis), no departamento de Antropologia (Evolutionary Wing). Ela também é cofundadora do Instituto de Pesca e Alimentação, sem fins lucrativos. As suas principais linhas de investigação são a pesca de pequena escala, o comportamento e estratégias dos pescadores e a co-gestão da pesca.

Cristiane Costa Carneiro possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará. Atualmente é aluna de doutorado do Curso de Ecologia Aquática e Pesca, Universidade Federal do Pará. Tem experiência na área de Ecologia, atuando principalmente nos seguintes temas: manejo e conservação de quelônios, etnoecologia, pesca e caça de subsistência.

André Oliveira Sawakuchi (2000), mestrado (2003), doutorado (2006) e livre-docência.(2011) em Geologia pelo Instituto de Geociências – USP, IGC – USP. Fez Pós-Doutorado.Oklahoma State University (2007). Atualmente é Professor Associado do Instituto de Geociências da USP. Principais temas de pesquisa incluem: geocronologia por luminescência, mudanças climáticas na Amazônia e sua relação com a e impactos de hidrelétricas em rios da Amazônia. Atua, também, como orientador de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Universidade Federal do Pará (campus Altamira, PA).

Thais R. Montovanelli possui graduação (2006) em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina e mestrado (2011) e doutorado (2016) em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos. É pesquisadora vinculada ao Hybrys.·Estuda os impactos da usina Hidrelêtrico de Belo Monte sobre os povos Indígenas junto ao Instituto Socioambiental.

Alberto Akama possui graduação (1993) mestrado (1999) e doutorado (2004) em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo. Atualmente é pesquisador titular do Museu Paraense Emílio Goeldi, onde atua no estudo da diversidade da fauna de peixes amazônicos.

Camila C. Ribas possui graduação em Ciências Biológicas (1996) pela UNESP-Rio Claro, mestrado (2000) e doutorado (2004) em Genética e Biologia Evolutiva pela Universidade de São Paulo. Foi “Chapman Postdoctoral Fellow” junto ao Depto de Ornitologia do American Museum of Natural History (2005-2007) e é pesquisadora associada à mesma instituição desde 2008. Foi pesquisadora (Recém-Doutor, PRODOC) junto ao Depto de Zoologia da Universidade de São Paulo e pesquisadora (Jovem Pesquisador, FAPESP) do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Trabalha atualmente na Coordenacão de Biodiversidade e no Programa de Coleções Científicas Biológicas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, onde é Curadora da Coleção de Recursos Genéticos e ViceCuradora da Coleção de Aves. Tem experiência nas áreas de Genética, Evolução e Zoologia (Ornitologia), com ênfase em Biogeografia, Sistemática Molecular, Filogenia, Filogeografia e Conservação. A pesquisa atual é voltada para o estudo de padrões e processos de diversificação na região Neotropical com ênfase na biogeográfica da região Amazónica.

Diel Juruna é Coordinador de Monitoramento Ambiental Territorial Independente (MATI), Aldeia Miratu, Altamira, Pará.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É pesquisador 1A de CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 750 publicações científicas e mais de 700 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui: http://philip.inpa.gov.br.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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