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A guerra às drogas também é uma guerra aos territórios tradicionais

A guerra às drogas também é uma guerra aos territórios tradicionais


As drogas e sua relação com os povos originários tem muitas camadas além do simples consumo de substâncias, como nos casos da presença de organizações criminosas dentro dos territórios indígenas que cooptam jovens indígenas para a produção de drogas sintéticas ilegais, para o tráfico e o crime organizado em geral associada a outras ilegalidades, como o garimpo ilegal, que ameaçam a da região e impactam o modo de vida dos povos originários.

Os impactos da entrada de drogas nos territórios indígenas vão muito além de ser apenas pela via da criminalidade introduzidas por organizações criminosas. Esta também se dá e ocorre por missões religiosas fundamentalistas, que afetam diretamente a crença dos povos originários em um mundo espiritual que tem relação direta na forma como estes se conectam com a natureza e com o uso que fazem das plantas medicinais em seus rituais de cura e integração do sagrado indígena.

Organizações religiosas fundamentalistas que entram nos territórios indígenas promovem um processo de desestruturação e destruição da espiritualidade. Com o discurso de tirá-los do álcool e das drogas, promovem um verdadeiro etnocídio com a narrativa de que as práticas ancestrais de cura via pajelança são “coisas que não pertencem a Deus”, destruindo os pajés e a medicina indígena. Um exemplo disto ocorreu com os Paiter Suruí, e pode ser visto no documentário Ex-Pajé.

O pajé do território, que antes era respeitado por curar as doenças na aldeia, foi influenciado a ponto de mudar seu nome indígena para um nome cristão, passando a renegar sua cultura ancestral. O resultado foi que perdeu o prestígio e anda pela aldeia como se fosse uma pessoa sem qualquer sabedoria ou importância.

Os jovens se envolvem nas diversas religiões que destroem o mundo espiritual indígena e são convencidos a viverem como não-indígenas, destruindo sua cultura, suas formas de se relacionarem, de se casarem e de conviverem com a família, promovendo a individualidade em um grupo que antes era coletivo. Isso faz com que estes jovens se afastem de sua cultura e passem a ter comportamentos que, com o passar do tempo, os levam a envolvimentos com drogas ilícitas. Muitos se recusam a aceitar que é a droga do aliciamento das mentes que os domina, faz com que esqueçam ou considerem sua cultura inferior, a ponto de deixarem de realizar seus rituais e a tratarem com desprezo aqueles que mantêm sua relação com a natureza.

As políticas governamentais promovem apenas a repressão e a criminalização sem ter uma análise sociocultural, não distinguindo o uso de certas substâncias, como ayahuasca, maconha e a coca, usadas tradicionalmente em rituais ancestrais e de caráter medicinal. O que se vê são estas políticas promovendo um ataque cultural, social e territorial aos povos originários que as utilizam em seus processos de cura, ou mesmo de conexão com o mundo espiritual, pois nem toda doença é apenas física.

Importante frisar que os territórios indígenas e suas comunidades vêm sendo afetados pela introdução do álcool desde os primeiros contatos com a chamada civilização ocidental. Quando os órgãos governamentais promovem os primeiros contatos com indígenas isolados, seus servidores costumam introduzir no interior das aldeias elementos como comidas e bebidas industrializadas, entre os quais o álcool, o cigarro e o açúcar, que viciam logo cedo os indígenas. Muitas vezes, levam os indígenas para as cidades, onde costumam beber com eles, já que o álcool é considerado uma droga lícita. No entanto, os indígenas não têm imunidade para protegerem seus organismos contra esses produtos, e o que se vê são famílias e comunidades inteiras sob dependência e desestruturadas, principalmente os jovens, sem expectativa de melhora, já que os órgãos responsáveis pela saúde não promovem nenhum tratamento para o alcoolismo nos territórios indígenas.

A introdução da bebida alcoólica funciona como uma espécie de projeto de etnocídio e desestabilização dessas comunidades e desses jovens, que passam a vivenciar violências como estupros, assédios físicos e morais, e danos à sua espiritualidade, interferindo diretamente na sua relação com a natureza, de modo que são cooptados a se envolverem com crimes como roubo de madeira e garimpo nos territórios indígenas. Atualmente, isso os tem transformado em uma espécie de agroboys, que veem a natureza apenas como um recurso que deve ser transformado em moeda. Certamente, essas violências e a introdução das drogas são consequência da colonização ainda tão viva nos dias atuais, que torna os povos originários reféns de um sistema que destrói suas esperanças em um futuro com bem-viver e os deixa sem perspectiva de segurança, de qualidade de vida e de garantia de seus direitos, onde o álcool e outras drogas passam a ser uma fuga.

Não se pode afirmar que haja uma verdadeira guerra às drogas ou uma política que busque erradicar o tráfico e o uso de substâncias psicoativas dentro dos territórios indígenas. O que vemos é uma guerra contra as drogas fora dos territórios indígenas; porém, dentro das terras indígenas, o que ocorre são outras estratégias de apropriação dos territórios, através de atividades como entrada de missões religiosas se apropriando das mentes indígenas, grileiros que grilam as terras e distribuem drogas, garimpeiros que levam recursos minerais e envolvem os jovens nas drogas e assim os dominam, madeireiros que roubam e desmatam e distribuem álcool e outras drogas, arrendatários de terra que envolvem os jovens em troca de terras com a falsa ideia de que estão ganhando dinheiro, usando o álcool, ofertando rodadas de cerveja como se fossem uma forma de aceitação naquela sociedade. Daí a proliferação dentro dos garimpos em territórios indígenas de facções criminosas que lá se fortalecem, pois sabem que raramente haverá uma ação policial para tirar os invasores ou conter o tráfico.

Quando a repressão policial surge com programas de prevenção ao uso de drogas, estes não estão preparados para pensar as comunidades e suas formas de se organizarem socialmente. O que vemos é que acabam gerando um impacto desproporcional sobre as populações mais vulneráveis e invisibilizadas, como os povos indígenas, quilombolas e extrativistas, aumentando a desigualdade social e a violência.

Ao não levarem em consideração as especificidades culturais e sociais de cada povo e ao ignorarem suas práticas tradicionais, promovem muitas vezes na juventude indígena o conflito sobre se devem ou não preservar seus costumes ou reprimi-los, para que seja mais fácil serem aceitos em uma sociedade que considera o álcool uma droga lícita, mesmo este promovendo danos. Esse conflito tem levado alguns jovens a cometerem suicídio, haja vista a perseguição promovida por alguns grupos religiosos aos usos e costumes indígenas que categorizam os rituais como demoníacos. Como disse logo no início deste artigo, a perseguição por grupos fundamentalistas religiosos à medicina indígena promove verdadeira caçada à plantas que compõem a ayahuasca, que é tradicionalmente utilizada por diversos povos indígenas da Amazônia em rituais espirituais de cura, a ponto de ter sido alvo de criminalização e controle no , baseados apenas na percepção errônea de que esta é uma droga nociva, colocando em risco as tradições ancestrais desses povos e afetando sua identidade e autonomia.

É importante salientar que é evidente que a falta de entendimento e interesse das práticas espirituais e culturais indígenas por parte da legislação brasileira contribui para a marginalização e a invisibilidade dessas comunidades e de seus usos terapêuticos das plantas.

A pensadora indígena Avelin Kambiwá fala sobre a forma como alguns não-indígenas se apropriam da medicina tradicional e a usam de maneira errada. Ela os define como “piratas espirituais”, pessoas que se apropriam de elementos espirituais e religiosos das culturas minoritárias de maneira exploratória e que não sofrem criminalização. Esses piratas espirituais têm como características principais:

  • métodos de apropriação como o uso de símbolos sagrados fora de contexto para fins comerciais ou estéticos;
  • adoção de rituais sem compreender e respeitar seu significado profundo e a exploração dos conhecimentos tradicionais, sem reciprocidade ou benefício para as comunidades de origem.

Suas consequências afetam as comunidades de forma coletiva e individual, com o esvaziamento do conteúdo político e espiritual das práticas culturais, a perpetuação das relações históricas de exploração, a privação das comunidades de seus recursos culturais e econômicos, a perda de conexão autêntica com o sagrado, a deturpação da compreensão espiritual verdadeira, além de contribuir para o apagamento dos significados sagrados originais, perpetuando os mecanismos históricos de opressão, o enfraquecimento das estruturas espirituais autênticas e a desvalorização das práticas sagradas originais.

Desta maneira, podemos afirmar que a juventude indígena enfrenta uma verdadeira guerra às drogas dentro de seus territórios tradicionais, mas que o combate às drogas, da forma como vem sendo feito pelos organismos governamentais, está mais para apropriação de seus territórios e recursos naturais do que uma real preocupação com o bem-viver dos povos originários.


A fotografia que abre este artigo mostra equipes da Polícia Federal em operação de combate ao crime organizado dentro da Terra Indígena Apyterewa, em Redenção, no Pará. (Foto: PF/2025


O artigo de Walela Suruí faz parte da edição especial da Revista PLATÔ, intitulada Intersecção: Uso da Terra, Política de Drogas e Justiça Climática, lançada nacionalmente em 23 de abril. A edição especial da revista técnica reúne 17 artigos de especialistas de diversas áreas do conhecimento, para provocar e embasar o debate sobre uso da terra e justiça climática considerando as dinâmicas decorrentes das atuais políticas de drogas no Brasil. A versão digital da revista pode ser lida no site da Iniciativa Negra.


As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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