Por onde passa, o tatu-canastra deixa para trás não apenas pegadas, mas também tocas. Esses túneis cavados com maestria na terra são depois usados por diversos animais. Um deles é o tamanduá-mirim. Durante uma década de monitoramento no sul do Pantanal com armadilhas fotográficas, pesquisadores revelam a hipótese surpreendente de que o pequeno mamífero utiliza as tocas não apenas para abrigo, mas também como pontos de alimentação. Além disso, elas podem ajudar os tamanduás a manterem o conforto térmico durante momentos de temperaturas extremas no bioma pantaneiro.
O estudo, publicado no final de janeiro no periódico científico Journal of Zoology, foi conduzido por pesquisadores do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS) e da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), e traz pela primeira vez uma avaliação detalhada de como uma espécie se beneficia das tocas dos tatus.
A pesquisa monitorou a ocupação de 379 tocas de tatus-canastras (Priodontes maximus) na região sul do Pantanal, entre os municípios sul-matogrossenses de Corumbá e Aquidauana, de 2011 a 2020. As imagens coletadas pelas armadilhas fotográficas registraram alguma atividade dos tamanduás-mirins (Tamandua tetradactyla) em 127 delas, quase um terço do total. Em média, esses espaços foram usados em mais de três oportunidades distintas.

Em alguns dos vídeos é possível ver os animais cheirando e arranhando as entradas das tocas, um comportamento inédito que os pesquisadores acreditam que pode ser a busca por alimento. A hipótese dos cientistas é de que a escavação dos tatus deixa os insetos que vivem no solo mais expostos, o que vira um prato cheio para os tamanduás, cuja dieta é baseada em formigas e cupins.
O uso mais comum das tocas, entretanto, foi para períodos prolongados de sono. Em alguns casos, os tamanduás permaneceram por mais de 22 horas no abrigo subterrâneo. A escolha pelas tocas pode estar relacionada com uma busca por um maior conforto de temperatura, já que elas podem chegar a incríveis cinco metros de comprimento e a 1,5 metros de profundidade, garantindo estabilidade térmica em meio ao tempo quente e muitas vezes seco do Pantanal.
Esses refúgios são ainda mais valiosos para os tamanduás-mirins devido ao seu metabolismo lento e dificuldade de regular sua temperatura corporal, explicam os pesquisadores. “Principalmente em um ambiente tão desafiador como o Pantanal, onde as temperaturas podem ser extremas e há grande variação sazonal”, completa o biólogo Matheus Yan, da UFMS, e um dos autores do estudo.
Engenheiro ameaçado
Considerado como engenheiro de ecossistemas pela sua capacidade de alterar o ambiente, o tatu-canastra não beneficia apenas os tamanduás-mirins. O presidente do ICAS e também coautor do estudo, Arnaud Desbiez, ressalta que outras 100 espécies de vertebrados e mais de 300 espécies de invertebrados já foram documentadas utilizando as tocas.
“O tatu-canastra é um verdadeiro engenheiro do ecossistema, criando abrigos que beneficiam uma ampla gama de espécies. A conservação dessa espécie é essencial não apenas para sua própria sobrevivência, mas também para a manutenção do equilíbrio ecológico do Pantanal”, explica Desbiez.
Maior espécie de tatu e com ampla ocorrência no Brasil, o tatu-canastra é considerado vulnerável ao risco de extinção devido a fatores como a perda e degradação de áreas naturais associado com a caça. De acordo com a avaliação nacional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), estima-se que pelo menos 30% da população da espécie foi perdida nas últimas três gerações devido a essas ameaças.
A proteção do tatu-canastra e suas tocas influenciam a sobrevivência de diferentes espécies da fauna – não apenas no Pantanal. Para o tamanduá-mirim, ela serve como dormitório climatizado com possível oferta de comida. E tudo isso sem pagar aluguel.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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