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A cobertura preconceituosa da imprensa RJ-SP sobre a COP-30 em Belém

A cobertura preconceituosa da imprensa RJ-SP sobre a COP-30 em Belém

Um retrato do centralismo midiático


Belém (PA) – A escolha de Belém como sede da COP-30 (Conferência do Clima da ONU, 2025), apesar de todas as críticas que se possa fazer a respeito de suas reais consequências positivas para a discussão de um futuro  ambiental para o mundo, não deixa de ser um marco importante para o Brasil, destacando a Amazônia como centro das discussões climáticas globais. No entanto, parte da imprensa do eixo Rio-São Paulo tratou o evento com um tom de desdém e preconceito, reproduzindo estereótipos regionais e minimizando a importância da região Norte.  Ao invés de promover um debate equilibrado sobre os desafios logísticos inerentes à primeira edição da conferência na Amazônia, diversas reportagens reforçaram estereótipos negativos, pintando Belém como incapaz, atrasada e caótica — visões que ignoram tanto os esforços locais quanto a própria dinâmica histórica da região.

Vários veículos questionaram a capacidade de Belém de receber um evento global, insinuando que a cidade não teria infraestrutura adequada. A Folha de São Paulo é uma das mais recorrentes nesse sentido, com a publicação de diversas matérias destacando desafios logísticos, enquanto o jornal O Globo enfatizou supostas “dificuldades” como se fossem exclusividade do Norte, ignorando que cidades como Rio e São Paulo também enfrentam problemas em grandes eventos. 

A revista The Economist descreveu Belém como “esburacada na Amazônia brasileira, quente, pontilhada de esgoto a céu aberto e com poucos leitos de hotel”, concluindo que a COP-30 “certamente será caótica”. Esse tipo de fraseologia reforça uma narrativa eurocêntrica e alarmista. Não custa lembrar que anualmente a capital paraense recebe a maior manifestação religiosa católica do Brasil, tendo até dois milhões de pessoas na cidade, a cada outubro.

Uma reportagem da Folha de S. Paulo questionou: “Belém tem estrutura para uma COP?”, enquanto matérias semelhantes sobre a Rio+20 (2012) ou a Copa do Mundo (2014) não traziam o mesmo tom alarmista para o Sudeste.  Recentemente, uma repórter da Folha causou polêmica ao afirmar que os moradores de Belém literalmente estavam fincados na ‘merda’, com perdão da expressão vulgar.

Algumas coberturas trataram Belém como um “lugar exótico”, em vez de uma metrópole com aproximadamente 1,5 milhão de habitantes e universidades e institutos de pesquisa respeitados. A revista Veja destacou a “floresta ao redor” como um obstáculo, em vez de um trunfo ambiental.  Um comentarista da Globo chegou a indagar se os delegados internacionais iriam aguentar o calor e os mosquitos, como se Belém fosse uma selva inóspita, e não uma cidade preparada para receber turistas e eventos internacionais. 

Poucos veículos ouviram especialistas amazônicos ou lideranças locais para falar sobre os impactos da COP-30. As fontes privilegiadas eram, em sua maioria, de pesquisadores ou políticos do Sudeste.

 Quando o Rio sediou a Rio+20 (2012), a imprensa tratou os problemas (como transporte e segurança) como “desafios normais”. Já no caso de Belém, as dificuldades foram retratadas como “incapacidade local”.  Parece óbvio que a cobertura da COP-30 revela um viés na grande mídia que ainda enxerga o Brasil a partir do Sudeste. Belém, que junto a Manaus, destaca-se como maior cidade da Amazônia, é mais do que capaz de sediar um evento global, e a imprensa deveria focar em sua importância estratégica para o clima, em vez de reforçar estereótipos.  O que soa de forma cada vez mais clara é que grande parte dessas críticas não passa de preconceito disfarçado de análise técnica. Há um padrão claro de indignação seletiva. Reportagens de veículos do chamado ‘’eixo” especularam até sobre transferir parte do evento para Rio ou SP por suposta “incapacidade” de Belém.

Em resumo podemos dizer com certeza cada vez maior que a cobertura Rio–SP sobre a COP-30 em Belém até o momento tem se mostrado marcada por narrativas alarmistas que generalizam e estigmatizam Belém, com críticas profundas e seletivas que ignoram falhas em outras sedes ou metrópoles. E também a falta de escuta às vozes locais e atrelamento de toda a responsabilidade de eventuais falhas à cidade, não a modelos globais de conferência.

Tal postura reforça estereótipos coloniais — a visão de que a Amazônia é “menos capacitada”, precisa ser gerida por fora, e só serve de palco exótico — e acentua a desigualdade entre Sudeste e Norte. A mídia deveria adotar uma postura mais reflexiva, ajustada à escala nacional, ponderada e inclusiva no debate climático e urbano.

Para que a COP-30 seja um marco transformador (há muitos questionamentos a serem feitos, é verdade) é preciso também olhar a imprensa com criticidade — afinal, a narrativa sobre a Amazônia molda políticas, percepções e respeito ao bioma e às populações que ali vivem. Enquanto o país não superar esse olhar colonial da mídia tradicional, narrativas preconceituosas continuarão a marginalizar regiões que merecem voz e protagonismo.  Talvez ainda não seja dessa vez.


A imagem que abre este artigo mostra as obras para COP30 Brasil Amazônia, na cidade de Belém, no Pará (Foto: Rafa Neddermeyer/COP30 Brasil Amazônia/PR/13-05-2025).


As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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