Belém (PA) – O cientista de nacionalidade norte-americana e coração amazônico, região que escolheu para trabalhar e viver, Philip Martin Fearnside é um dos 3 mil pesquisadores que dividiram o Nobel da Paz de 2007 com Al Gore, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) pelas pesquisas sobre o aquecimento global. Mesmo com essa credencial, ele não foi convidado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para participar da COP30, realizada de 10 a 22 de novembro, em Belém.
“Todas as apresentações [que participei] foram convites, mas nenhum da ONU. A ciência foi pouco representada na parte oficial, embora alguns cientistas conseguiram acesso à Zona Azul via ONGs, pelo menos por alguns dias, inclusive no meu caso”, afirmou à Amazônia Real. “Todo o Ministério da Ciência e Tecnologia, incluindo os seus institutos como o Inpa, tinha apenas cinco passes. Organizações como a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Sociedade Brasileira do Progresso da Ciência (SBPC) e a Rede Clima tinham pouco ou nada. Em contraste, ONGs e empresas tinham muito mais”, questionou o ecólogo, doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e membro da ABC.
Há quase 50 anos, Fearnside estuda os impactos socioambientais dos desmatamentos, das queimadas e dos megaempreendimentos na Amazônia, entre eles, as construções das hidrelétricas de Balbina (AM), Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira (RO) e Belo Monte (PA), além das obras da rodovias BRs Transamazônica. Nos últimos anos, o cientista tem sido um arauto por alertar sobre os impactos ambientais que irão acontecer com o asfaltamento do trecho conhecido como meião da rodovia BR 319, que corta as capitais Manaus e Porto Velho, região de floresta intocada e povoado por indígenas isolados, mas pressionada pela grilagem e especulação imobiliária – olhos dos governantes de extrema direita e negacionistas. Fearnside relatou as ameaças no documentário Ciência na Amazônia.
Pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, onde vive com sua família desde 1978, Fearnside começou a se planejar para ir à sua primeira Conferência do Clima da ONU na Amazônia em setembro passado. Já esteve na COP20, em Lima, no Peru, em 2015, e 15 anos antes na COP6, em Haia, Holanda. “O da Haia foi mais importante por causa dos debates sobre o papel das florestas tropicais na mitigação das mudanças climáticas”, disse ele, que revela sua contribuição naquele debate: “Foi de poder explicar um pouco sobre a importância das florestas tropicais”.
Durante a COP30, Fearnside ficou hospedado na casa de amigos: “de outra forma seria impossível”, diz ele sobre os valores dos hotéis na cidade. O pesquisador do INPA participou de eventos nas Zonas Azul (Blue Zone) e Verde (Green Zone), convidado pela Ministério da Ciência e Tecnologia, a “Casa da Ciência”, do Museu Goeldi, um no “Freezone”, e outro na Universidade Federal do Pará – este remotamente. “Apesar disto, os cientistas deixaram claro que a mudança climática é uma ameaça grave e que estamos no caminho errado: não haverá solução sem zerar logo o uso de combustível e o desmatamento”, alertou.
Em vários momentos da COP30, a Amazônia Real conversou com Philip Fearnside, colaborador da agência e um pesquisador com publicações nas mais conceituadas revistas científicas do mundo, como Nature e Science. Abaixo, o conjunto desses diálogos.

Amazônia Real – O presidente Lula foi hábil em incluir ainda na Pré-COP, em Brasília, um caminho para transição energética, mas, ao mesmo tempo, declarar apoio à exploração de petróleo na Foz do Amazonas? Como os países ricos viram essa manobra política do Lula?
Philip Fearnside – Com certeza os países ricos perceberem a hipocrisia, mas não acredito que isso afetou a derrota do “Mapa do Caminho” para se afastar dos combustíveis fósseis. A União Europeia e 80 países apoiaram este “Mapa do Caminho”. Independentemente de qualquer lógica ou argumento, os opositores, como a Rússia, a Arábia Saudita e aliados, não iriam ser convencidos a largar os combustíveis fósseis que sustentam as suas economias. Resta agora ver se os mais de 60 países que apoiaram a “Carta de Belém”, liderada pela Colômbia, vão chegar a um acordo entre eles, fora do âmbito da Convenção de Clima, quando eles realizam a reunião planejada para abril em Santa Marta, Colômbia. A “Carta de Belém” pede o fim dos combustíveis fósseis no mundo. Infelizmente, o Brasil ainda não aderiu à Carta, assim como, na “Cúpula da Amazônia” em 2023, o Brasil não aderiu à proposta da Colômbia para zerar a exploração de petróleo na Amazônia. O Brasil continua na presidência até o início da COP31, perto do final de 2026 e, supostamente, vai continuar tentando convencer mais países a apoiarem o “Mapa do Caminho”. Isto, também, será fora do âmbito da Convenção de Clima, e não há nada anunciado sobre planos para reuniões ou outras ações.
Amazônia Real – Como o Brasil pode definir uma “transição justa e planejada” com o PL (Projeto de Lei) da devastação autorizando a exploração de petróleo da Foz do Amazonas?
Fearnside – A triste verdade é que o Brasil não está fazendo transição energética nenhuma, seja justa ou não. A presidente da Petrobras [Magda Chambriard] até falou recentemente que o Brasil não vai fazer nenhuma substituição de energia “limpa” por combustíveis fósseis, mas apenas vai continuar a aumentar a geração eólica e solar para “acrescentar” à oferta de energia. Várias indicações sugerem que o plano é de exportar a energia de fontes solares, fotovoltaicas e até de hidrelétricas para Europa na forma de hidrogênio verde, e também de convidar data centers de inteligência artificial e outros grandes usuários para usar essa energia no Brasil. A implicação é que as grandes cidades brasileiras serão abastecidas a partir de termoelétricas, e que não vai ter nenhuma transição energética no Brasil.
Amazônia Real – A adaptação climática era outro tema urgente para a Amazônia. Os efeitos presentes da crise climática são sentidos muito mais pelas populações indígenas, ribeirinhos, quilombolas, que vivem nas bordas dos rios. Também são eles que sofrem com os desmatamentos ilegais e queimadas em suas terras. Não foi possível na COP30 uma decisão imediata voltada a preparar essas populações e mitigar a crise climática nos territórios?
Fearnside – É possível sair uma decisão financeira para ajudar povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos com adaptação ao nível atual de mudança climática. No entanto, caso o sistema climático passasse de um ponto de não retorno e o aquecimento global, portanto, escapasse de controle, nenhum programa de adaptação seria capaz de salvar boa parte da população da Amazônia.
Amazônia Real – Um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), publicado em abril, aponta que 13,4 milhões de pessoas foram afetadas por desastres climáticos na Amazônia entre 1991 e 2023. Quais são os planos de adaptação na Amazônia brasileira?
Fearnside – Até agora, parece que os planos se resumem a respostas emergenciais, levando água, comida e medicamentos às vítimas. Outras medidas, como perfurar poços artesianos e deslocar populações que hoje habitam locais que se tornarão climaticamente inviáveis, não estão evidentes.
Amazônia Real – Foi a COP30 com o maior números de indígenas do mundo, a maior vitória para os movimentos sociais e ambientais foi cravada no preâmbulo do texto do “Mutirão Global”. A Conferência reconheceu não apenas os direitos dos povos indígenas, mas especificamente os seus “direitos territoriais” (“land rights”). A ONU admite assim, no mais alto nível, que a demarcação de terras é uma ferramenta indispensável para manter a meta de 1,5°C viva. Mas a NDC Indígenas sequer foi mencionada e não entrou na NDC Brasileira. Como sua avaliação?
Fearnside – Esta foi uma conquista importante e deve ajudar a evitar uma parte das emissões de desmatamento. No entanto, é importante lembrar que só isto é longe do suficiente para controlar o aquecimento global, e se não for controlado rapidamente, zerando o desmatamento e a queima de combustíveis fósseis, o resultado mais provável é que o aquecimento escape do controle humano. Isto acontecendo, a floresta amazônica dos quais os indígenas dependem vai colapsar, e ondas de calor com temperaturas acima dos limites humanos de tolerância vão matar muito a população indígena, assim como a não indígena.
As perspectivas para o Brasil assumir um papel de liderança diminuem cada vez mais, na medida em que o presidente Lula continua reforçar medidas que contrariam o objetivo da COP, como o seu apoio aos projetos da BR-319 e da exploração de petróleo na foz do Amazonas. É bom lembrar que toda a agenda social que foi discutida na COP, como a justiça social e o envolvimento de povos Indígenas, simplesmente foi para o espaço quando não se chegou a consenso sobre o aquecimento global. Se não for controlado, simplesmente, vai matar grande parte dessas populações [indígenas] durante as ondas de calor.
Amazônia Real – O desmatamento zero também foi outra derrota em Belém. O documento final da COP30 declara “consciente de estar no coração da Amazônia” para enfatizar a importância de proteger os ecossistemas, mantendo a meta de “parar e reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030”. Faltam apenas cinco anos e a floresta cada dia fica mais próxima do ponto de “não retorno” devido à devastação, às queimadas e secas extremas recorrentes. Como o senhor avalia essa fragilidade para proteger as florestas tropicais do mundo?
Fearnside – O desafio é para o mundo inteiro, inclusive o Brasil, se comprometer e agir para reduzir as emissões o suficiente, e em uma escala de tempo adequada, para evitar que o sistema climático global passasse de um ponto de não retorno. Apesar disto, cientistas deixaram claro que a mudança climática é uma ameaça grave e que estamos no caminho errado: não haverá solução sem zerar logo o uso de combustível e o desmatamento.
Amazônia Real – Como o senhor avalia a influência dos países ricos, produtores de petróleo, que mais emitem os gases do efeito estufa em 10 anos do Acordo de Paris e não aceitarem a redução das consequências do aquecimento global na COP30, sendo eles os principais responsáveis pela crise climática no planeta?
Fearnside – O resultado da COP30 omitindo até menção dos combustíveis fósseis é triste é preocupante para o futuro. Não dá para generalizar demais sobre “países ricos”, sendo que tem posições variadas. Os Estados Unidos, obviamente, estão fora até o Trump sair de cena. A União Europeia, por outro lado, leva o problema a sério, embora haja divergências entre os países membros sobre quanto e como diminuir seu impacto. O Japão se recusou a endossar o Mapa do Caminho, citando “segurança energética”. Países como Índia e China aderiram aos países exportadores de petróleo, como Arábia Saudita e Rússia, para se opor à inclusão de combustíveis fósseis na declaração final da COP.
Amazônia Real – Em termos de negociações, sei que o senhor ficou distante desse centro nervoso, mas podemos falar de algum legado da COP30 para a Amazônia?
Philip Fearnside – Quase tudo que se ouve sobre a COP é sobre dinheiro. O Brasil, assim como outros países, está muito focado em arrecadar dinheiro baseado na necessidade de reduzir o desmatamento. Embora algumas ações necessárias custam dinheiro, como a fiscalização do desmatamento e a remoção dos ocupantes ilegais das terras públicas, esta última nem sendo considerada pelo governo, o grosso das ações necessárias seriam de graça ou poupando dinheiro para o governo. Por exemplo, não fazer estradas como a BR-319 e AM-366 poupa despesas governamentais, assim como subsidiar pasto e soja na Amazônia e a conversão de pasto em soja em todo Brasil, que é um dos grandes motores de desmatamento amazônico. Parar de abrir novos campos de petróleo e gás, que levam longos anos para começar a produção e pagar o investimento, poupa dinheiro. Parar de legalizar ocupações nas terras públicas não destinadas seria grátis. O que falta mais é coragem política, não dinheiro.

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