A mudança climática em curso ameaça a floresta e interage com os outros fatores que matam árvores, como o desmatamento e a degradação pelos diferentes indutores. Há pontos de não retorno em termos da percentagem da floresta desmatada, sugerido a ser 20-25% pelo Thomas Lovejoy e Carlos Nobre [1], e em termos da temperatura média global acima da média pré-industrial, sugerido a ser em torno de 1,5 ºC pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas [2, 3]. O marco de 1,5 ºC representa um nível que coloca o sistema climática global em um risco muito maior de entrar em um aquecimento global fora de controle, o que acabaria com a floresta amazônica entre muitos outros impactos. Estamos muito perto a estes pontos de não retorno [4, 5]. As ações do governo brasileiro em aumentar a exploração de gás e petróleo, tanto na floresta amazônica como no mar, implicam em uma contribuição extendida às emissões globais a partir de combustíveis fósseis [6], aumentando o risco de colapso da floresta. Três-quartos da floresta amazônica já mostra perda de resiliência, ou seja, a capacidade de recuperar perdas de biomassa após perturbações [7]). Um cálculo baseado em vários fatores estressores da floresta indica que 10-47% da floresta pode colapsar até 2050, incluíndo a área da BR-319 e boa parte da região Trans-Purus [8].
O aumento de CO2 na atmosfera aumenta a eficiência da fotossíntese, assim aumentando o crescimento de árvores e a recuperação após perturbações, além de permitir as árvores usarem menos água e assim resistir condições climáticas mais secas. No entanto, também há efeitos negativos. Um deles é o favorecimento da proliferação de lianas (grandes cipós lenhosos), já demonstrado de estar ocorrendo no PDBFF [9]. Lianas também são favorecidas em microclimas mais secas, assim levando em grande aumento perto à borda da floresta observado no PDBFF, em sinergia com o efeito do aumento do CO2 [10]. Lianas inibam o crescimento das árvores e podem as danificar e matar.
O comprimento da época seca é um fator chave na determinação do tipo de vegetação de qualquer dado local. Por exemplo, o total da chuva anual em Santarém, no Pará, é quase idêntico ao total em Brasília, mas um local é de floresta amazônica e o outro de cerrado, a diferença sendo na distribuição da chuva no ano. A época seca já está se alongando na parte sul da região [11]. Esta mudança pode levar a grandes partes da região se tornar uma savana [12] ou até uma Caatinga [13], mas com baixa biodiversidade. Não seria nenhum paraíso agrícola, pois o grosso dos solos na região são fracos e a manutenção de áreas adubadas nessa escala encontra limites físicos [14].
A transformação da floresta em tipos de vegetação de biomassa baixa também é propulsada pelo efeito de secas severas, que estão aumentando na região por meio do fenômeno El Niño, como em 1998-1998, 2003, 2015-2016, 2023 e 2204, e, também, pelo dipolo do Atlântico, como em 2005, 2010, 2023 e 2024 [15, 16]. Essas secas também resultam em grandes aumentos nos incêndios florestais (e.g., [17, 18]). Os incêndios locais podem dar lugar a “mega incêndios”, destruindo a floresta muito mais rapidamente [19].
O que precisa ser feito
O desmatamento na Amazônia precisa ser parado, e não só o desmatamento “ilegal” ou o desmatamento “líquido” (i.e, contando capoeiras e plantações silviculturais como “florestas”, cujas áreas são subtraídas da área de floresta original sendo desmatada). O Brasil, além de já sentir os primeiros impactos das mudanças climáticas, é provável ser um dos maiores vítimas com o clima projetado para o futuro se continuarmos emitindo gases de efeito estufa. Ações de indivíduos são essenciais para qualquer mudança. Além de ações para minimizar o impacto ambiental no quotidiano de cada pessoa, os indivíduos também afetam as decisões tomadas pelos governos e pelas empresas.
A primeira prioridade é de reconstruir IBAMA, ICMBio e FUNAI, que foram desmantelados nos últimos anos, colocando lideranças comprometidos com o enfrentamento dos problemas ambientais, repondo e aumentando o quadro de servidores, dando orçamento adequado, e revogando a enorme “boiada” de normas internas instituídas para inibir a sua atuação e eficacidade. Também precisa bloquear os muitos projetos de lei pendentes que visam mudanças como abrir terras indígenas para mineração, barragens e agronegócio, impedir criação de terras indígenas e unidades de conservação, rebaixar ou reduzir unidades de conservação, facilitar legalização de terras griladas, diminuir ou eliminar exigências de licenciamento ambiental para projetos de infraestrutura etc.
Precisa uma mudança completa do discurso que foi adotado pelo Jair Bolsonaro na sua presidência de 2019 a 2022, parando de passar a mensagem de que a violação de leis e normas ambientais vai ser anistiada, assim encorajando invasão de terras indígenas, exploração ilegal de madeira e ouro, apropriação ilegal de terras públicas etc. Precisa cortar subsídios para pecuária e outras atividades que cortam ou degradam a floresta. Precisa investir em várias áreas, como a criação de novas áreas protegidas e da defesa das áreas já existentes, apoio às populações tradicionais e pesquisa na área ambiental. Precisa abrir caminhos para ajuda internacional, revertendo a triste história do governo brasileiro ter violado os termos acordados do Fundo Amazônia, ter afastada a iniciativa Leaf etc. Há bastante oportunidade para isto, desde que tenha mecanismos para garantir que o dinheiro é usado para ações que protegem a floresta de fato e não como uma simples doação ao orçamento do governo. No próprio orçamento do governo o meio ambiente precisa ter prioridade, e não continuar sendo uma coisa que vem praticamente no final da fila.
Além das mudanças já mencionadas para enfrentar a perda de floresta amazônica causadas por ações diretos como desmatamento, precisa controlar o aquecimento global, pois a mudança climática já está afetando a floresta através do aumento da frequência de grandes secas e consequentes incêndios florestais. Com as mudanças previstas sem uma rápida redução das emissões de gases ao nível global, a floresta pode acabar sem ser derrubada propositalmente com motosserras. O Brasil tem um papel importante nisto devido à contribuição do desmatamento e degradação da floresta amazônica à emissão planetária atual, e ainda mais ao potencial para grandes emissões futuras se a floresta remanescente começar a desabar. Discursos e promessas nas reuniões internacionais não substituem por ações concretas para parar a destruição da floresta. [20]
A foto que abre este artigo mostra os brigadistas do Prevfogo/Ibama e ICMBio combatendo incêndios florestais na Terra Indígena Tenharim/Marmelos, no Amazonas (Foto: Mayangdi Inzaulgarat/Ibama).
Notas
[1] Lovejoy, T.E. & C. Nobre 2018. Amazon tipping point. Science Advances 4: art. eaat2340,
[2] IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) 2019. Global Warming of 1.5°C. An IPCC Special Report on the impacts of global warming of 1.5°C above pre-industrial levels and related global greenhouse gas emission pathways, in the context of strengthening the global response to the threat of climate change, sustainable development, and efforts to eradicate poverty. Masson-Delmotte V et al. (eds.). Genebra, Suiça, IPCC. 616 pp. https://bit.ly/3T3RCOR
[3] Trisos, C.H., C. Merow & A.L. Pigot 2020. The projected timing of abrupt ecological disruption from climate change. Nature 580: 496–501.
[4] Walker, R.T. 2021. Collision course: Development pushes Amazonia toward its tipping point. Environment: Science and Policy for Sustainable Development 63(1): 15- 25.
[5] Fearnside, P.M. 2024. “Fim do jogo” para a floresta amazônica e o clima global se Trump vencer? Amazônia Real, 10 de julho de 2024.
[6] Fearnside, P.M. 2023. O leilão do “Fim do Mundo” para exploração de gás e petróleo. Amazônia Real, 14 de dezembro de 2023.
[7] Boulton, C.A., T.M. Lenton & N. Boers 2022. Pronounced loss of Amazon rainforest resilience since the early 2000s. Nature Climate Change 12(3): 271-278.
[8] Flores, B.M., Montoya, E., Sakschewski, B. et al. 2024. Critical transitions in the Amazon forest system. Nature 626: 555–564.
[9] Laurance WF, Andrade AS, Magrach A et al. 2014. Long-term changes in liana abundance and forest dynamics in undisturbed Amazonian forests. Ecology 95(6): 1604-1611.
[10] Laurance, W.F., A.S. Andrade, A. Magrach et al. 2014. Apparent environmental synergism drives the dynamics of Amazonian forest fragments. Ecology 95(11): 3018-3026.
[11] Fu, R., L. Yin, W. Li et al. 2013. Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection. Proceedings of the National Academy of Science USA 110: 18110–18115.
[12] Nobre, C.A., G. Sampaio, L.S. Borma, J.C. Castilla-Rubio, J.S. Silva & M.F.Cardoso 2016. Land-use and climate change risks in the Amazon and the need of a novel sustainable development paradigm. Proceedings of the National Academy of Science USA 113: 10759–10768.
[13] Sampaio, G., L.S. Borma, M. Cardoso et al. 2018. Assessing the possible impacts of a 4 °c or higher warming in Amazonia. p. 201-218. In: C.A. Nobre, J.A. Marengo & W.R. Soares (eds.), Climate Change Risks in Brazil. Springer, Amsterdam, Paises Baixos.
[14] Fearnside, P.M. 2022. Fatores limitantes para o desenvolvimento da agropecuária na Amazônia brasileira. p. 135-156. In: P.M. Fearnside (ed.) Destruição e Conservação da Floresta Amazônica. Editora do INPA, Manaus. 356 p.
[15] Fearnside, P.M. & R.A. Silva 2023. A seca na Amazônia em 2023 indica um futuro desastroso para a floresta tropical e seu povo. The Conversation, 06 de novembro de 2023.
[16] Fearnside, P.M. & R.A. Silva 2024. Surpresas climáticas: A Amazônia e as lições da enchente catastrófica no Rio Grande do Sul. Amazônia Real, 03 de julho de 2024.
[17] da Silva, S.S., I.S. de Oliveira, T.F. Morello et al. 2021. Burning in southwestern Brazilian Amazonia, 2016-2019. Journal of Environmental Management 286: art. 112189.
[18] da Silva, S.S., F. Brown, A.O. Sampaio, A.L.C. Silva, N.C.R.S. dos Santos, A.C. Lima, A.M.S. Aquino, P.H.C. Silva, J.G. Moreira, I. Soares, A.A. Costa & P.M. Fearnside 2023. Amazon climate extremes: Increasing droughts and floods in Brazil’s state of Acre. Perspectives in Ecology and Conservation 21(4): 311-317.
[19] Pueyo, S., P.M.L.A. Graça, R.I. Barbosa, R. Cots, E. Cardona & P.M. Fearnside 2010. Testing for criticality in ecosystem dynamics: The case of Amazonian rainforest and savanna fire. Ecology Letters 13: 793-802.
[20] Esta série é uma atualização de: Fearnside, P.M. 2022. Ameaças aos serviços ambientais da Amazônia. p. 28-35 In: C.W.N. Moura & G.H. Shimizu (eds.) Botânica: Para Que e Para Quem?: Desafios, Avanços e Perspectivas na Sociedade Contemporânea. Sociedade Botânica do Brasil, Brasília, DF. 517 p.
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