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TogglePopulações respiram fumaça tóxica, já sentem o drama dos rios que secam e enfrentam a estiagem que está a caminho com o risco de não ter o básico para sobrevivência, água potável. Na imagem acima, a cidade de Novo Progresso (PA), em 6 de setembro (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).
Manaus (AM) – Um vídeo que circula nas redes sociais mostra estudantes do município de Itaituba (PA) ensaiando para uma marcha de 7 de Setembro com músicas militares, enquanto uma densa camada de gases tóxicos paira sobre elas. É de dia, porém o sol já não aparece e muito menos os veículos. Parece um filme. De ficção. Mas é a vida que segue como se não existisse crise climática.
Líder do ranking na Amazônia Legal, com 34,5% dos focos, o Pará concentra a maior parte do fogo em São Félix do Xingu (18,9%), Altamira (15,7%), Novo Progresso (14,8%) e Itaituba (9,1%). Os dados são do BD Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
No Sudoeste do Pará, em Altamira, o fogo se concentra no Distrito Castelo de Sonhos, nas margens da BR-163, que liga Tenente Portela (RS) a Santarém (PA). A estrada tem uma paisagem de pasto, boi e soja. “Novo Progresso, Rurópolis, Itaituba, Jacareacanga, agro e garimpo dominam. Quando o incêndio é gigante, os veículos (de comunicação) cobrem, mas não citam a origem. É sempre fogo destruindo tudo e ninguém sabe o que está acontecendo”, relata Karina Souza, moradora de Altamira.
Karina não demora para explicar, nem tem medo de dizer, que as ações criminosas partem de pessoas que migraram há muito tempo para a região. “Quem ateia fogo aqui é fazendeiro, produtor rural. É cultural. Eles usam fogo para tudo. E para piorar, agora temos o fogo político: ateiam fogo para mostrar que o governo não faz nada. Não tem relação com os governo daqui, é ato proposital contra o governo federal”, afirma. Pecuaristas, segundo ela, dizem que o fogo “não faz mal”, que a prática serve apenas para limpar o pasto, mas que a queimada é “resultado do calor”.
Fogo que não acaba
No Pará, a Brigada de Incêndio Floresta Alter do Chão atua para conter as queimadas, enquanto aguardam as equipes do PrevFogo, do Ibama, chegarem na região do Baixo Tapajós, o que nem sempre ocorre. João Romano, coordenador da Brigada de Alter, comenta sobre o apagamento do fogo em aldeias e regiões da Terra indígena Apiaka Kayabi, do Mato Grosso (MT). Até tentaram chamar o PrevFogo, mas diante da alta demanda no resto do Brasil eles decidiram agir. “A gente conseguiu dar essa resposta e montamos a operação para que faça o repasse para o órgão competente”, explica
A Brigada de Alter, que possui 30 brigadistas, já passou também por Novo Progresso, Itaituba e Norte do Mato Grosso, onde concentra boa parte dos focos de queimadas da Amazônia Legal.
Apesar de partir do hábito dos fazendeiros da região, João Romano afirma que a temporada de fogo, neste ano, começou de uma forma anormal e intensa. Muitas queimadas e incêndios aconteceram ao mesmo tempo. “A região está muito seca, muitas vezes os incêndios florestais acabam formando microclimas e não deixam a precipitação, a chuva chegar, aumentando essa quentura e fazendo todo o processo de secagem das florestas e dos campos que tem”, relata o coordenador, que atua há dez anos na região.
Essa situação se arrasta há dois meses, pelo que Romano ouviu falar, o que é preocupante, já que a estiagem ainda não chegou ao Tapajós. Diante da iminente crise hídrica, os brigadistas passaram a entregar filtros de nanotecnologia para tratamento da água consumida pela população.
A Brigada de Incêndio Floresta Alter do Chão chegou a ser criminalizada e ter quatro de seus integrantes presos em 2019. O ex-presidente Jair Bolsonaro acusou injustamente a equipe de promover incêndios criminosos, numa completa inversão de provas. Retomando as atividades desde 2022, a brigada tem realizado ações integradas com os órgãos ambientais para ampliar a equipe e conscientizar sobre o manejo do fogo. “A brigada segue firme e caminhando com esse propósito de conseguir combater os incêndios florestais”, afirma Romano.
Fogo, fumaça e seca
Em Rondônia, a cena é parecida nas comunidades que enfrentam fumaça direta vinda da fronteira do desmatamento da região do Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia). Além do sol invisível, o rio já não existe mais e um cheiro perturbador invade as casas, que se soma à falta de água e a uma onda de calor extremo.
A pressão tem sido grande na região que se estende do Parque Estadual Guajará-Mirim à TI Igarapé Preto. Na intermediação das duas unidades de conservação, existe uma zona de cerca de 8 quilômetros com fazendas. Em dois meses, o fogo já queimou cerca de 33% de toda a área do parque. Para as populações locais, as queimadas têm origem criminosa e partem dos fazendeiros que ficam entre os dois territórios.
Para Arão Oro Waram Xijein, professor indígena do povo Oro Waram Xijein, da aldeia Lage Novo, o que a região vive é um reflexo da falta de ação pelo poder público com relação às denúncias que eles vêm fazendo a respeito dos grileiros. Desde 2022, a TI Igarapé Preto tem sido alvo de invasões constantes.
“Essa reserva Parque Estadual Guajará-Mirim é onde está sendo a maior queimada, é ali que está o centro de queimada de pasto, os caras [fazendeiros] que fizeram o desmatamento, o que resultou nisso”, denuncia Arão.
A liderança indígena afirma que não consegue entender como as invasões e a situação precária seguem em larga escala nas TIs, mesmo sob o governo Lula e a quantidade de órgãos competentes responsáveis pelos povos indígenas. “Hoje era para estar numa situação mais saudável, mas pelo que estou vendo está bem difícil para nós”, comenta.
A liderança listou para a Amazônia Real cinco Terras Indígenas que estão diretamente afetadas pela seca e fumaça em Rondônia, sendo elas: Uru-Eu-Wau-Wau, Rio Negro Ocaia, Pacaás Novas, Sagarana e Guaporé. Nestas TIs passam os rios Pacaás Novas, Mamoré e Guaporé, onde estão instaladas ao menos 31 aldeias diretamente afetadas.
Em vídeo publicado no Instagram pela jornalista e ativista Luciana Oliveira, a Ministra do Ministério dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em visita à TI Igarapé Lourdes, afirmou que a Funai tem atuado ao Ibama, ICMBio e Corpo de Bombeiros para combater as queimadas e os incêndios. Segundo a ministra, os servidores estão integrados aos grupos de combate aos incêndios florestais em colaboração com o Prevfogo. Ela destacou que também têm apoiado as brigadas indígenas, que são treinadas, mantêm uma cooperação técnica com o Ibama e o ICMBio e são reconhecidas pelo governo como uma das mais eficientes, por causa do conhecimento do território.
Crise hídrica
O rio Madeira já enfrenta a maior seca de seis décadas, segundo dados da série histórica do Serviço Geológico do Brasil (SGB). Ela superou a menor mínima então registrada, em 2023, quando o rio havia atingido 1,10 metro. Até 14 de setembro, a estação de Porto Velho (RO) marcava 41 centímetros.
Populações que vivem à margem dos rios são obrigadas a beber água barrenta, seja contaminada por doenças, mercúrio ou poluentes das atividades de degradação ambiental como agrotóxicos.
Na comunidade São Sebastião, distante quatro quilômetros de Porto Velho (RO), ter água potável já é um desafio para as 75 famílias da região. São Sebastião possui um poço comunitário sem manutenção há anos. Desde 2014, ele ficou com a qualidade da água péssima, após uma enchente. Sem manutenção, poucas famílias têm utilizado o poço local, pois nem mesmo a bomba possui força para levar água a casas mais distantes. Já outros, arriscam utilizar a água do próprio poço que fizeram em casa.
“Aqui no poço da minha tia, que é vizinho do nosso, ela está descrevendo a situação da água como ferrugem. Para consumo, não tem como. Tem que comprar os galões de água e aí nem todo dia tem dinheiro para galão de água”, descreve Maurício Ramos, militante do Movimento das Atingidas e Atingidos por Barragem (MAB) e morador local.
Segundo Ramos, a situação de seca está igual a do ano passado, porém em relação ao mês de outubro. Diante do desconhecido que pode vir a ocorrer nos próximos dias diante da maior seca da história, as famílias racionam água por medo de o poço secar e também pelo alto valor na conta de energia. “Ele [poço comunitário] está secando, né? Está secando os outros poços das pessoas também, mas isso está acontecendo por causa da seca deste ano e do ano passado”, explica.
Na região do Baixo Madeira, cerca de 22 comunidades e mais de 7 mil famílias dependem do rio e estão desassistidas em cinco distritos. Até agora a São Sebastião não recebeu nenhuma ajuda humanitária. A seca tem intensificado ainda mais os problemas gerados pela usina hidrelétrica Santo Antônio, que fica acima das comunidades, como a escassez de peixe.
Maurício relata que surgiram muitos bancos de areia e a quantidade de fumaça atrapalha ainda mais a navegação. “Está se preparando uma bomba assim praticamente no nosso organismo”, afirma. Ele explica que todo mundo da região tem apresentado uma respiração ofegante. “Do jeito que está se vivendo não é nem viver. A gente está sobrevivendo. Virou uma questão de sobrevivência, está piorando cada vez mais, a gente está sentindo a cada dia a diferença da água, na alimentação, na saúde”, lamenta.
Um documento, enviado pelo MAB em 1º de agosto aos Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), prefeitura de Rondônia, governo de Rondônia e governo Federal, reivindica água potável, construção de poços, isenção da taxa de água, auxílio emergencial, distribuição de cestas básicas e gás.
Passados mais de 40 dias, até agora o Mab não obteve resposta do governo federal, nem do governo estadual. A prefeitura retornou em 9 de setembro após novas mobilizações do movimento no Dia da Amazônia (5) e atendeu até sexta-feira (13) seis comunidades.
“A demanda é maior e a nossa briga é para que seja distribuído mais água e o suficiente. Com a conta que eles estão fazendo a água só dará para seis dias”, afirma Océlio Muniz, da coordenação do MAB. “Tem comunidade que não tem água nem para tomar banho.”
Para Océlio, uma solução seria abrir as comportas da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio para que o nível do rio pudesse subir e as populações escoassem seus produtos. Eles já têm sentido o aumento no preço dos alimentos e a previsão, sem chuva, é de grande preocupação.
“O povo não está conseguindo tirar [banana] porque não tem rio, não tem como tirar porque não tem acesso, aí muitos deles estão usando o seu próprio corpo trazendo a banana no ombro para ir até onde tem transporte”, conta. Como saída, o MAB lançou uma campanha junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT) para arrecadar água. As doações podem ser entregues na sede do MPT, na Av. Presidente Dutra, nº4055 – Olaria, de segunda a sexta das 7h30 às 15h.
Sem previsão de chuva
Aos 41 centímetros e com o nível mais baixo desde 1967, não há previsão de chuva e de subida do rio Madeira para os próximos 15 dias, é o que aponta Marcos Suassuna, engenheiro hidrólogo do Serviço Geológico Brasileiro (SGB). “Isso é resultado de chuvas muito abaixo da média durante toda a última estação chuvosa. A qualidade do ar está gravemente comprometida, o que torna o cenário ainda mais preocupante tanto para a população local quanto para o ecossistema”, afirma.
Para além das previsões hidrológicas, o SGB tem feito previsões sazonais emitidas por institutos de meteorologia e clima, dentro e fora do Brasil, e avaliações qualitativas do cenário futuro, que apontam uma seca extensa. “Os prognósticos para o trimestre setembro-outubro-novembro, emitidos por vários desses institutos, sugere que é improvável um cenário em que o próximo trimestre terá chuvas acima da média. Pelo contrário, existe o risco de atraso do início da estação chuvosa e caso não exista atraso, ela deverá ter um início fraco, com chuvas abaixo da média no próximo trimestre na região do Madeira e Amazônica como um todo”, diz Suassuna.
O pesquisador expressa preocupação com os baixos níveis dos reservatórios de Jirau e Santo Antônio, que podem afetar a geração de energia nacional. Ele enfatiza a necessidade de investir em Planos de Contingência Setoriais para melhorar as previsões hidrológicas e a conservação das margens dos rios, além de realizar estudos aprofundados sobre as causas da seca. Para ele, a baixa umidade, a falta de chuva e as altas temperaturas contribuem para o risco de queimadas e para a redução dos níveis dos rios. “A população também tem que lidar com problemas relacionados a temperaturas bastante elevadas e uma perda significativa da qualidade do ar, aumentando o risco de doenças respiratórias”, conclui.
Artur Matos, coordenador do Sistemas de Alerta Hidrológico do SGB da região do Pará, alerta que o Estado paraense também está com níveis abaixo do esperado. “Em alguns pontos como São Félix do Xingu, o nível do rio Xingu está entre os 10 menores níveis já observados na série histórica, desde 1977. Em outros pontos como Itaituba, no Rio Tapajós, o nível é o menor já observado para o período (12/09) de toda a série histórica desde 1968”, revelou o pesquisador.
A Amazônia Real entrou em contato com os municípios de Itaituba, São Félix do Xingu, Altamira e Novo Progresso para serem ouvidos a respeito das queimadas e da fumaça. Procurou também o Governo de Rondônia para se posicionar a respeito da fumaça, das queimadas e da seca, mas não obteve retorno até publicação desta reportagem.
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