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'PL do Veneno' pode aumentar conflitos na Amazônia 

‘PL do Veneno’ pode aumentar conflitos na Amazônia 

Mesmo com vetos do Lula, o Congresso Nacional tende a retroceder e flexibilizar o uso de agrotóxicos, beneficiando grandes produtores e impactando povos tradicionais e pequenos produtores na região (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).


Brasília (DF) – A preocupação com novos conflitos na Amazônia reacendeu com a sanção do Projeto de Lei, o PL 1459/2022, apelidado por ambientalistas de ‘PL do Veneno’. No Planalto Santareno, região que abrange os municípios de Santarém, Mojuí dos Campos e Belterra, oeste do Pará, o avanço da rota da soja está impactando territórios tradicionais, pela contaminação dos afluentes pelo agrotóxico usado nas lavouras.

A região é também a principal rota de escoamento da produção transportada pelo rio Madeira, em Rondônia e Amazonas, e pela BR-163, para os portos internacionais.  

Sileuza Barreto, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Mojuí dos Campos (STTR), relata que o uso dos agrotóxicos está se intensificando drasticamente na região, assoreando e contaminando os igarapés da região.

“Uma prova real é que os igarapés em Mojuí estão mortos; eles não correm mais e perderam a força de correr água. Além disso, foram assoreados devido ao gradeamento das terras. Anteriormente, utilizávamos esses igarapés para diversas atividades, mas agora somos obrigados a perfurar poços. Também temos a consciência de que essa água do poço está contaminada por agrotóxicos”, disse ela, à Amazônia Real.

Durante a votação do ‘PL do Veneno’, ocorrida em 28 de novembro de 2023, apenas a senadora e médica Zenaide Maia (PSD-RN), se opôs ao PL e foi a única parlamentar a votar contra. Em suas redes sociais, ela declarou logo após a votação: “Sabemos que agrotóxico é abortivo, que é teratogênico, que deforma o bebê na barriga da mãe. Não é medicamento que a gente usa! Por que não usam defensivos biológicos?”.

O projeto foi sancionado em 28 de dezembro com os 14 vetos, em meio ao feriado parlamentar de fim do ano, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os vetos serão ainda submetidos à análise do Congresso.

Lula vetou a retirada da competência do Instituto Brasileiro do e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na avaliação e liberação dos agrotóxicos. Os parlamentares queriam que a decisão fosse exclusiva do Ministério da Agricultura (MAPA). Esse movimento levanta preocupações sobre a flexibilidade no uso de agrotóxicos e a possível presença de ainda mais veneno nas mesas brasileiras.

Plenário do Senado Federal durante a votação do PL do Veneno e a senadora Zenaide Maia (PSD-RN), ao fundo com o dedo indicador apontando para cima se opondo (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado).

Sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o assistiu a uma liberação de agrotóxicos sem precedentes, segundo o Observatório de Justiça Socioambiental (OLMA). Conforme estudos da entidade, foram registrados mais de 600 novos tipos de agrotóxicos, sendo que 118 deles já durante a pandemia (nos anos de 2020 e 2021). Mesmo com os vetos de Lula, a esperança de conter o veneno ainda é mínima, dada a influência crucial da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), majoritária no Congresso, com o total de 374 parlamentares em sua composição. “Vamos derrubar esses vetos, temos condições de fazer isso”, afirmou o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), no site oficial da FPA.

Agora, está programada uma votação conjunta na Câmara e no Senado para decidir sobre a aceitação das restrições. A votação bicameral está agendada para ocorrer após o término do recesso, no próximo dia 2 de fevereiro.

Um ponto de preocupação, apontado por especialistas ouvidos pela Amazônia Real, além da aprovação de novos agrotóxicos danosos à saúde, é a intensificação da pulverização aérea indiscriminada, utilizando até mesmo drones, muitas vezes desrespeitando as barreiras fitossanitárias de territórios tradicionais. A falta de legislações rigorosas sobre pulverização aérea contribui para a contaminação de escolas, perímetros urbanos, aldeias indígenas e assentamentos de reforma agrária.

Veneno sem fronteiras

Flagrante de aplicação de agrotóxico em fazenda de açaí, no Pará (Foto: Fábio Zuker/arquivo Amazônia Real).

Fran Paula, pesquisadora quilombola mato-grossense, agrônoma da organização Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), com atuação na Amazônia, afirma que os agrotóxicos não conhecem fronteiras quando se trata de contaminação de territórios tradicionais. 

“O mesmo modelo que utiliza intensificamente agrotóxico é o que expulsa comunidades tradicionais, que invade territórios indígenas e quilombolas”, explicou a pesquisadora à Amazônia Real.

Para Fran, existe uma guerra química instaurada na Amazônia que vai agravar as problemáticas ambientais já vivenciadas em torno da insegurança alimentar e dificultar ainda mais os direitos de vida nos territórios tradicionais.

“A gente tem acompanhado o uso de agrotóxico de forma intencional como uma arma química mesmo para expulsar essas populações dos seus territórios. São pulverizações que ocorrem sem qualquer aviso prévio sobre aldeias indígenas, quilombos e assentamentos da reforma agrária. O ‘PL do Veneno’ vai só potencializar e legitimar isso, criando um cenário de mais violência contra essas populações.”, afirma Fran, que é também  representante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida.

No mesmo sentido, o Atlas dos Agrotóxicos revelou que apenas em 2022, 8.033 famílias foram impactadas pela pulverização aérea no Brasil, levando a 193 pessoas contaminadas por essas substâncias. Além disso, entre os 30 casos emblemáticos de conflito agrário analisados entre 2005 e 2012, 70% envolveram pulverização aérea. O Atlas é produzido pela Fundação Heinrich Böll e aborda os impactos sociais e ambientais dos sistemas alimentares em uma série de materiais publicados.

“A contaminação da água, do solo, das plantas e do ar, vem servindo como estratégia de expulsão de comunidades para apropriação ilegal de suas terras e representa uma violação dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais”, aponta o relatório.

Saúde da população

Imagem da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida no Dia Internacional de Luta contra os Agrotóxicos (Fernando Frazão/Agência Brasil).

O Brasil é conhecido como o campeão mundial no consumo de agrotóxicos. O Instituto Nacional de Câncer (INCA) divulgou um alerta para os riscos à saúde, revelando que o país despeja mais de um milhão de toneladas de agrotóxicos nas lavouras anualmente, mas o Congresso Nacional ignora os dados e tende a retroceder os vetos do Lula, flexibilizando o uso de veneno, o que vai alargar os problemas na Amazônia.

Marcos Mota, médico e pesquisador do Instituto Evandro Chagas, em Belém, desenvolve um trabalho desde 2017 no Planalto Santareno. Ele enfatiza que são inúmeros os efeitos do agrotóxico na região. Em sua pesquisa com foco na saúde humana, ainda em andamento, Mota e sua equipe examinaram aproximadamente 400 pessoas adultas, entre os municípios de Belterra e Mojuí dos Campos e adiantou que os impactos de veneno na saúde da população são graves.

 “Existem no território pessoas em tratamento de câncer que eu estou acompanhando, com agravamento de diabetes, com problemas psicológicos e psiquiátricos advindos da problemática do impacto ambiental, pessoas com problema distúrbio do sono, com insônia. Eu posso te adiantar que o estudo demonstrou que há uma piora na qualidade da Saúde e a situação é dramática”, lamenta o médico.

“O herbicida glifosato foi detectado como sendo o mais utilizado na região é comprovadamente cancerígeno, causa doenças no cérebro, afeta o coração e o fígado, e pode causar infertilidade”, afirma Mota.

Frente ao cenário de crescimento de contaminação no Planalto Santareno, que pode se agravar ainda mais com a regulamentação do ‘PL do Veneno’, existe a preocupação da falta de identificação das doenças associadas ao agrotóxico. “Vamos necessitar ressignificar e capacitar as instituições, principalmente a atenção primária de saúde para que possa reconhecer os problemas de saúde advindos da exposição aos agrotóxicos porque atualmente o sistema não reconhece”, alerta o pesquisador.

O que dizem as autoridades?

Audiência Ato Pela Terra Presidente do Senado Federal realiza audiência no Salão Negro para receber o Movimento 342 Amazônia (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado).

A reportagem procurou o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) para entender sobre a fiscalização quanto ao uso indevido de agrotóxicos na Amazônia. Em nota, o Ministério respondeu que tanto a fiscalização quanto o combate de contrabando dos venenos dependem das demandas advindas dos estados.

“Compete legalmente aos estados fiscalizar o uso de agrotóxicos em áreas que interferem nos territórios tradicionais na Amazônia Legal.”, disse a nota.

A Amazônia Real questionou à Anvisa sobre a quantidade de notificações de intoxicação na Amazônia Legal por agrotóxicos, através do Disque-Intoxicação – serviço de emergência para auxiliar casos de exposição a agrotóxicos.A Agência afirmou não ter os dados disponíveis, uma vez que “os casos atendidos pelos Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATs) são tratados localmente”.

O Ministério da Saúde também foi procurado para informar como o atendimento a pessoas contaminadas é realizado. O órgão explicou que existem na Amazônia, 210 municípios prioritários que desenvolvem ações da Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos (VSPEA), um programa de atenção à população expostas a agrotóxicos, bem como o diagnóstico e também o tratamento de intoxicações agudas.

“Todo caso suspeito ou confirmado deve ser comunicado e a vigilância em saúde deve ser acionada para identificação da fonte de exposição e controle dos riscos”, explicou o Ministério da Saúde à Amazônia Real, de forma genérica. O órgão não respondeu sobre número de casos identificados no último ano na Amazônia.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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