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Energia ignorou resultados de avaliação ambiental na Bacia do Solimões

Energia ignorou resultados de avaliação ambiental na Bacia do Solimões

Três anos após sua conclusão, a Avaliação Ambiental da Área Sedimentar Terrestre do Solimões (AAAS Solimões) ainda não gerou tomadas de decisão governamental, conforme esperado para esse levantamento inédito e de importância fundamental ao planejamento da agenda energética brasileira. Parecer ainda não divulgado publicamente, ao qual ((o))eco teve acesso, sobre o primeiro diagnóstico desse tipo para a região amazônica – e dentre os dois únicos já realizados no -, revela que há divergências sobre o assunto dentro do próprio Ministério de Minas e Energia (MME).

A pasta discordou sobre riscos apontados para atividades petrolíferas nas proximidades de Terras Indígenas (TI) e Unidades de Conservação (UC) dessa importante bacia do estado do Amazonas, onde áreas protegidas como a Terra Indígena Vale do Javari têm vários grupos de indígenas isolados e sofrem inúmeras pressões. 

As divergências com a própria Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada à pasta, sinalizam uma “queda de braço” na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, que ainda não ganhou visibilidade, quase um ano após a troca de governo. Mesmo a AAAS tendo sido concluída em 2020, como consta no site da EPE, responsável pelo estudo, há uma lacuna nessa etapa final de tomada de decisão, a cargo da Comissão Interministerial formada pelo MME e pelo Ministério de e Mudança do Clima (MMA).

O arranjo foi criado em função da Portaria Interministerial n. 198/2012 que, há uma década, apresentou as diretrizes para orientar projetos de AAAS em interface com processos de licenciamento ambiental para áreas terrestres e marítimas envolvendo outorga de blocos exploratórios de petróleo e gás no país.

De acordo com a portaria mencionada, para cada AAAS, será constituído um Comitê Técnico de Acompanhamento (CTA), cuja composição, necessariamente, terá que envolver representantes técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), do Instituto Chico Mendes de Conservação da (ICMBio) e da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). 

Grande complexidade socioambiental

Com 309,5 mil quilômetros quadrados, a Área da Bacia Efetiva do Rio Solimões tem 10,7% desse total formado por áreas já concedidas à indústria petrolífera. Mas a perspectiva de expansão das atividades de exploração de petróleo e gás nessa importante região da Amazônia brasileira não encontra respaldo no relatório da AAAS Solimões. Muito pelo contrário.

Pela classificação que consta no documento, mais da metade dessa extensão (57,9%) é formada por áreas consideradas não aptas, devido ao alto grau de vulnerabilidade socioambiental existente, sobretudo, pela presença de UC e TI, áreas que pela legislação brasileira se destinam à proteção da biodiversidade e dos modos de vida de territórios e culturas ancestrais. As áreas aptas somam 27,8%, enquanto 3,6% são consideradas áreas em moratória, devido à lacuna de conhecimento científico e aos conflitos existentes, envolvendo a  exploração da natureza.

A AAAS Solimões aponta que todos os 23 municípios da Bacia mapeada têm áreas não aptas. Para que se tenha uma ideia do grau de sensibilidade socioambiental dessa região, oito municípios têm apenas áreas não aptas (Atalaia do Norte, Barcelos, Benjamin Constant, Beruri, Canutama, Eirunepé, Ipixuna e Tabatinga).

Arte: Gabriela Güllich.
Arte: Gabriela Güllich.

Partes importantes da área de abrangência da TI Vale do Javari se inserem em duas dessas cidades: Atalaia do Norte, com 7,6 milhões de hectares (76,54%) e Benjamin Constant, com 869,5 mil hectares (6,91%). Essa região de tríplice fronteira (Brasil, Colômbia e Peru) vem sendo alvo de conflitos fundiários e intensa pressão de crimes ambientais. Tornou-se mundialmente conhecida após os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, em junho de 2022. Ambos estavam justamente investigando a extensão de atividades ilegais por lá, incluindo pesca, roubo de madeira, grilagem de terras, garimpo e outros ilícitos que ameaçam povos indígenas, inclusive grupos isolados. 

Arte: Gabriela Güllich.

Tendo em vista a ampla abrangência dessa bacia e toda a sua complexidade socioambiental, em 2020, organizações da sociedade civil que atuam com populações indígenas e outros povos e comunidades tradicionais apresentaram uma nota técnica ao Ministério Público Federal (MPF) solicitando a paralisação da AAAS Solimões pela sua vinculação com o interesse governamental de oferta de blocos de petróleo e gás na região. 

O documento no qual se destaca a amplitude dessa bacia (7% da Amazônia Legal ou 20% do território do Amazonas) foi assinado conjuntamente pelas seguintes representações: Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 350.org América Latina, Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e Operação Amazônia Nativa (Opan).

No relatório da AAAS Solimões, elaborado pelo Consórcio PIATAM-COPPETEC, é ressaltado que os riscos apresentados neste diagnóstico se relacionam às características mais marcantes da região, incluindo “seu regime de cheias e estiagens, que determinam padrões biológicos, e a ocupação humana, com suas atividades socioculturais e econômicas, além das características culturais marcantes”.

Ainda segundo consta no relatório, tais aspectos “foram representados pelos indicadores ‘Rios, lagos e várzeas’, ‘Terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas’ e ‘Unidades de Conservação de uso sustentável’”. Assim, evitar atividades de exploração petrolífera em áreas com essas características “resguardam eventuais conflitos e impactos mais contundentes”, diz o documento.

Em entrevista ao ((o))eco, publicada em abril deste ano, o professor Luis Enrique Sánchez, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), refletiu sobre a importância da realização de AAAS no Brasil, como forma de identificar vulnerabilidades socioambientais, antecipando riscos e conflitos que quase sempre se manifestam nos processos de licenciamento ambiental.

Mesmo tendo defendido a importância de realização de AAAS na região da foz do rio Amazonas (margem equatorial do litoral brasileiro), enfoque de uma análise aprofundada publicada com Juliana Siqueira-Gay, pelo Observatório do Clima, o especialista também enfatizou, na ocasião, a falta de tomadas de decisão da gestão pública diante de dois processos de AAAS já concluídos no Brasil (Solimões e Alagoas-Sergipe e Jacuípe). Para ele, a ferramenta é fundamental, embora ainda esteja no “meio do caminho” no país.

Conceitos de classificação de aptidão da AAAS Solimões

a) Áreas Aptas: áreas cujas condições e características socioambientais, identificadas a partir da AAAS, são compatíveis com atividades e empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural, mediante a utilização das melhores práticas da indústria;

b) Áreas Não Aptas: áreas onde são encontrados ativos ambientais altamente relevantes, identificadas a partir da AAAS, cuja necessidade de conservação seja incompatível com os impactos e riscos não mitigáveis associados à exploração petrolífera;

c) Áreas em Moratória: áreas onde, com base na AAAS, foram identificadas importantes lacunas de conhecimento científico ou relevantes conflitos de uso do espaço e dos recursos socioambientais, dependendo de aprofundamento de estudos e desenvolvimento tecnológico de alternativas ambientalmente mais adequadas, para decisão quanto à aptidão para exploração petrolífera.

Fonte: EPE-MME

Algumas das principais discordâncias do MME

Como parte das divergências, no parecer mencionado nesta reportagem, o MME defendeu que as Terras Indígenas da bacia fossem consideradas áreas em moratória, e não como áreas não aptas à exploração petrolífera. Para justificar os argumentos, foi mencionado o PL 191-2020, até então tramitando no Congresso Nacional. Esse Projeto de Lei que pretendia regulamentar atividades de mineração e aproveitamento energético, entre outras práticas incompatíveis com a desses territórios, foi enviado ao Congresso pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, mas foi arquivado a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março de 2023.

Em relação às UC de Uso Sustentável, o MME argumentou que essas áreas, protegidas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), devem ser consideradas em moratória, e não como áreas não aptas à exploração petrolífera, conforme indicado no relatório final.

O MME também defendeu que lagos e várzeas dos Rios Solimões, Juruá e Purus devem ser considerados como áreas aptas à exploração petrolífera, em contraposição à não aptidão dessas áreas de grande vulnerabilidade e importância socioambiental sinalizada pela AAAS. 

Procurado pela reportagem para esclarecer essas e outras questões referentes à AAAS Solimões, o MME não respondeu, até o fechamento desta edição, a nenhuma das três solicitações de informações enviadas por e-mail por intermédio de sua assessoria de imprensa.

Arte: Gabriela Güllich.
Arte: Gabriela Güllich.
Arte: Gabriela Güllich.

MMA afirma que Comissão Interministerial aprovará estudos, mas não diz quando

Ainda que não tenha especificado quando, em resposta aos questionamentos da reportagem, o MMA informou que “a Comissão formada por MMA e MME deverá aprovar os estudos e as AAAS, conforme estabelecido no Artigo 12 da Portaria Interministerial MME-MMA Nº 198, de 5 de abril de 2012”. Em relação às discordâncias do MME quanto aos riscos apontados nos relatórios, foi ressaltado que “as áreas técnicas do MMA e do Ibama contribuíram para as conclusões nos dois AAAS e a comissão interministerial será responsável pela análise final”.  

Quanto às críticas do movimento ambientalista e de outros atores sobre a defesa de realização de AAAS para a margem equatorial, onde se pleiteia a abertura de uma nova fronteira de exploração petrolífera pela Petrobras na foz do Rio Amazonas, o MMA respondeu que “MMA e Ibama consideram a AAAS o instrumento adequado para análises”, embora as duas AAAS realizadas ainda não tenham gerado tomadas de decisão. 

O órgão esclareceu que “a comissão interministerial responsável pela aprovação dos estudos não foi instituída pelo governo anterior, e o processo foi retomado neste ano”. A comissão será criada por decreto.

Sobre a  importância dos dois diagnósticos já realizados no Brasil, foi afirmado que “os estudos são fundamentais como subsídio no processo de AAAS”. Foram destacados, também, tanto o processo participativo envolvido como a qualidade técnica e os resultados práticos alcançados. “Trata-se de estudo de caráter estruturado, com foco na avaliação estratégica dos recursos naturais e do ambiente das bacias sedimentares e sua adequação ao desenvolvimento das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural”, destacou o comunicado do MMA. 

A antecipação de problemas também foi enfatizada como resultado prático assegurado pelos relatórios de AAAS já realizados: “Com uma avaliação estratégica é possível antecipar questões relevantes para o processo de licenciamento ambiental e eventualmente apontar a inadequação ambiental de determinada atividade pretendida. Neste caso, áreas sequer seriam oferecidas em leilão, o que efetivamente reduziria os riscos de indeferimento de licença por inviabilidade ambiental”.

Ainda segundo o MMA, “a oferta de blocos nos setores considerados aptos será, portanto, amparada por análise prévia, o que traz segurança jurídica e maior controle social”. 

Rio Itacoraí, em Atalaia do Norte. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

ANP afirma ser favorável aos resultados do diagnóstico

“A ANP ainda não pode se basear nos resultados dos estudos para a oferta de áreas, mas tem optado por não ofertar blocos nas bacias sedimentares correspondentes aos EAAS finalizados”, afirma o comunicado da agência reguladora. 

Em resposta aos questionamentos da reportagem, foi destacado que “os estudos são considerados fundamentais para o planejamento com visão estratégica da oferta de áreas para exploração e produção de óleo e gás”. Ainda segundo argumentado, esses diagnósticos “são capazes de não só identificar áreas com restrições fundamentais às atividades, mas também apontar interações com outras atividades e entender seu próprio desenvolvimento e viabilidade”. 

Quanto às discordâncias existentes em relação à classificação das áreas ou às recomendações para o licenciamento ambiental, a ANP afirma que essas divergências estão previstas na Portaria 198/2012. “Assim, as posições divergentes dos representantes do MME nos CTAs foram consignadas no relatório conclusivo de forma legítima, acompanhadas das devidas justificativas técnicas, com vistas a subsidiar a tomada de decisão pela Comissão Interministerial”.

Ainda segundo afirmou o comunicado da agência reguladora, “a ANP acompanhou os processos de produção dos estudos e dos Relatórios Conclusivos, manifestando-se favorável aos resultados dos estudos”, mas argumenta que “os passos seguintes não cabem à ANP”. 

“A decisão sobre que áreas sedimentares serão alvo de AAAS não é atribuição da ANP”, explica a nota enfatizando que, conforme a Portaria nº 198/2012, em seu artigo. 6º, “a responsabilidade pelo desenvolvimento da AAAS é compartilhada entre os Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente”.

Nesse contexto, é complementado que “caberá ao Ministério de Minas e Energia, ouvido o órgão ambiental competente, a seleção das áreas sedimentares para a realização da AAAS, considerando o planejamento do setor energético”.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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