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Imagem da Porteira da Fazenda Palotina em Lábrea(AM)

Registro de fazenda dentro da Comunidade Marielle Franco foi violado

Para o Incra, a Fazenda Palotina não tem título e é terra da União. Investigação da Corregedoria-Geral de Justiça descobre que duas páginas do registro de imóvel foram arrancadas do livro no cartório de Lábrea (AM). Na foto acima, porteira da Fazenda Palotina em Lábrea(AM) (Foto: Arquivo DPE-AM).


Manaus (AM) – A Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas investiga o sumiço de folhas do livro do registro de imóvel das terras da Comunidade Marielle Franco e da Fazenda Palotina, do fazendeiro Sidnei Sanches Zamora. Pelo menos duas páginas foram arrancadas do documento registrado no Cartório Extrajudicial da Comarca de Lábrea (distante 703 quilômetros de Manaus), no sul do Amazonas. O imóvel rural pertence à União, que prevê destiná-lo a assentados, mas Zamora reivindica a propriedade na Justiça.

Essa investigação, denominada de “correição extraordinária”, foi determinada pelo corregedor-geral do Tribunal de Justiça, desembargador Jomar Fernandes. Nela, também estão sendo apuradas as decisões de reintegração de posse favoráveis ao fazendeiro, as condutas de juízes na prisão do líder comunitário Paulo Araújo e envolvimento de policiais militares do Acre e do Amazonas num esquema de proteção do fazendeiro. O delegado aposentado da Polícia Federal, Mauro Spósito, também foi acusado de fazer a segurança de Zamora. 

Em entrevista exclusiva à agência Amazônia Real, o superintendente do Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra), Denis da Silva, informou que nas duas folhas do registro da Fazenda Palotina que sumiram do cartório estariam os detalhes da área, incluindo a descrição do terreno e sua dimensão. “Não tem a identificação dos títulos, na matrícula está uma coisa solta. Eles não sabem como foi extraído [as folhas do livro], o que indica que eles não têm esse documento [o título] que legitima a propriedade, o domínio”, afirmou o superintendente.

Denis da Silva, Superintendente do Incra no Amazonas ( Foto: Leanderson Lima/ Amazônia Real).

A tensão em Lábrea se intensificou a a partir de 28 de fevereiro com um ataque a tiros, espancamento e tortura a quatro agricultores. A violação de direitos humanos teria ocorrido por capangas da fazenda Palotina, que aparecem “fardados”, conforme imagens de vídeos que já estão com a Corregedoria. Numa reviravolta do caso, em 5 de março, o líder comunitário Paulo Sérgio Costa de Araújo, que denunciou a violência à polícia, foi preso sob acusação de organização criminosa. Ele permanece preso no Centro de Detenção Provisória de Manaus (CDPM I). Zamora, por meio de sua assessoria jurídica, negou qualquer participação nos crimes.

Determinada no dia 23 de março pelo corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Amazonas, desembargador Jomar Fernandes, a correição extraordinária já resultou no afastamento por 90 dias da tabeliã do cartório de Lábrea, Luciana da Cruz Barroncas. Sob ela pesa a acusação de “indícios de omissão de atendimento às solicitações de instituições públicas, dentre elas, o Incra”. De acordo com a Corregedoria, a investigação irá apurar as atividades da tabeliã, como fiscalizar e analisar os documentos públicos em poder do cartório, “especialmente os da área disputada” – isto é, a Comunidade Marielle Franco e a Fazenda Palotina. Kenny Marcel dos Santos, tabelião da comarca de Anamã, foi nomeado como interventor.

Famílias da comunidade Marielle Franco, em Lábrea(AM), tem esperança de serem assentadas (Foto: Comunidade Marielle Franco).

A reportagem da Amazônia Real procurou a tabeliã Luciana Barroncas por telefone e também pelas suas redes sociais, mas ela não retornou os contatos até a publicação desta reportagem.

A conduta de juízes das Comarcas de Boca do Acre e de Lábrea também são alvo da investigação da Corregedoria-Geral, por terem tomado decisões mesmo longe de suas áreas de atuação. “Deve-se ser apurado em procedimento administrativo (…) condutas dos magistrados para que apresentem informações sobre o conflito de competência jurisdicional, sem prejuízo de outras diligências necessárias para esclarecimentos dos fatos sobre a legalidade da prisão [de Paulo Araújo] e a possível permanência do custodiado em local diverso da decisão judicial.” Os nomes dos magistrados não foram divulgados pelo TJ.

A reportagem procurou a Associação de Magistrados do Amazonas para comentar o caso, mas, por meio de sua Assessoria de Imprensa, a entidade disse que não iria se manifestar por se tratar de questões internas do tribunal e serem questões da Corregedoria-Geral, até pelo fato de o processo estar em fase de apuração dos fatos.

A ação de policiais

No despacho da investigação do cartório de Lábrea, divulgado pelo site BNC, o desembargador Jomar Fernandes determina que enviou “vídeos sobre a atuação do policial militar Bruno Almeida”, apontado como capanga no conflito, à Promotoria de Controle Externo da Atividade Policial, ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal. Almeida trabalha no Comando da Polícia Militar de Boca do Acre, interior amazonense, que faz divisa entre os dois Estados.

A correição extraordinária quer saber também sobre a participação de Policiais Militares do Acre e do Amazonas no conflito agrário. “Cópias de vídeos, em tese, demonstram a presença de policiais [do Acre] fardados em Lábrea, no Amazonas”, diz a Corregedoria. O caso foi informado às autoridades do Estado vizinho, entre elas, a Corregedoria-Geral de Justiça do Acre “para a adoção das medidas que entender necessárias”.

A Amazônia Real entrou em contato com a Assessoria de Imprensa da PM do Amazonas, mas até a publicação desta reportagem não obteve resposta. Já a PM do Acre (PMAC) foi novamente procurada, mas não atendeu à reportagem. Em março, por meio de nota, a PMAC disse à Amazônia Real que, até aquele momento, não tinha conhecimento da participação de policiais militares integrantes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) nas situações mencionadas.

“A PMAC informa que está atenta à situação e que quaisquer informações adicionais poderão ser formalizadas na Corregedoria-Geral da PMAC”, disse em nota. A instituição reiterou o “seu compromisso com a transparência e a responsabilidade na apuração de eventuais irregularidades”.

Segundo a Corregedoria-geral do TJ, o ex-superintendente da Polícia Federal do Amazonas, o delegado aposentado Mauro Sposito, também aparece em vídeos “atuando como capanga”. “Os vídeos estão sob sigilo para preservar o resultado prático das investigações e a integridade física e moral das vítimas e testemunhas, assim, colocando-as a salvo de possíveis represálias”, informou.

Mauro Spósito é delegado aposentado da Polícia Federal e advogado. Na corporação, ele era um combatente contra o narcotráfico na região. À Amazônia Real, ele disse que dá suporte ao dono da Fazenda Palotina, pois é amigo da família Zamora há mais de 40 anos (Leia a resposta completa no final do texto).

Histórico de ocupação

Acampamento Marielle Franco (Reprodução Facebook).

A Comunidade Mariele Franco foi criada em 2016 numa área de 18 mil hectares, onde vivem 200 famílias de agricultores, no município de Lábrea. O imóvel rural é denominado de Gleba Novo Natal, que tem um total de 40 mil hectares. O fazendeiro Sidnei Sanches Zamora afirma ser dono do imóvel, mas até o momento não apresentou o título, que registra a cadeia dominial da origem da terra.

Com relação aos conflitos agrários no sul do Amazonas, o superintendente do Incra Denis Silva lembra que, historicamente, o governo estadual fez várias doações de grandes áreas de terra, num período que compreende o final do século 19 e início do 20. “Mas muitos títulos foram cancelados. Têm títulos que não tem cadeia dominial, então oficialmente eles [família Zamora] estariam lá em um título e em usucapião”. O superintendente reforça que o estudo cartográfico do órgão revelou que a área onde está localizada a Fazenda Palotina e a comunidade Marielle Franco, ficam em terras devolutas, ou seja, são terras da União.

O superintendente explica que há muitas ocupações  em áreas de título, áreas públicas registradas  e em áreas devolutas no Sul do Amazonas. “Nossa missão é tentar mapear essas situações e conseguir fazer o processo de regularização”, indica Denis. Segundo ele, durante o processo de arrecadação de uma área, o Incra faz solicitações de informações aos cartórios, à Superintendência do Patrimônio da União no Amazonas (SPU/AM) e à Secretaria de Estado das Cidades e Territórios (SECT), para que os órgãos informem a existência de títulos emitidos.

“Estamos desde o ano passado esperando o documento da SECT, mas até o momento a gente não conseguiu esse documento. A nossa tese é que não tem, mas a SECT não nos deu uma certidão. A certidão da SECT é fundamental pra gente finalizar o processo”, explica Denis.

A Amazônia Real entrou em contato com a SECT para saber se existe de fato algum documento que comprove quem são os verdadeiros donos da área em conflito. A SECT não atendeu aos pedidos da reportagem que questionava por qual motivo o órgão não encaminhou o documento, se ele existe, ao Incra. “Esses títulos ou supostos títulos antigos, às vezes existem, mas não têm cadeia dominial, não tem tudo aquilo que legitima o título”, comenta Denis. O órgão já tentou uma parceria com o governo federal, por meio do Incra, para digitalizar o acervo da SECT. “Tem documentos que se você tocar, eles se desfazem, essa questão dos títulos, ela é muito comum.”

O superintendente revela que o Incra, provocado pelo Ministério Público Federal, está fazendo auditorias em terras matriculadas no órgão. “Uma coisa que a gente estranha é que algumas áreas, quando foram arrecadas, não tinham título. Depois apareceram 33, 34 títulos. Quando a gente vai arrecadar, a gente consulta os órgãos e não tem nada, mas depois pode aparecer”.

Denis explica a dinâmica que acontece na dinâmica fundiária dos títulos. “A pessoa tem título que é dessa área, ele vai ocupando, depois diz que aquela área toda é dele. Tem títulos que se movimentam. Às vezes o título é em uma área, mas essa área tem um problema, eles mudam para outra. É uma questão complicada porque atende a interesses dos grandes. Temos que entender que isso faz parte. A gente acha que é só uma desorganização, mas se os órgãos não funcionam a alguém esses órgãos estão servindo”, afirma.

O que diz Sposito?

Mauro Sposito ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas (Foto: ADEPOL-AM).

O ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Mauro Sposito, confirmou que dá suporte aos proprietários da Fazenda Palotina, e disse que é amigo de Sidnei Zamora há mais de 40 anos. Quando questionado se o suporte dado seria apenas jurídico ou se envolvia também a questão da segurança da fazenda, Sposito disse: “Sou uma pessoa de 73 anos. Sempre ando sozinho. Creio que qualquer pessoa pode fazer essa análise”, afirma.

Como defesa da Fazenda Palotina e representando a família Zamora, Spósito apresentou à reportagem uma cópia do processo de interpelação extrajudicial dirigida à Secretaria Nacional da Comissão Pastoral da Terra, onde enumera todos os eventos ocorridos na disputa entre o fazendeiro e os agricultores da comunidade Marielle Franco, desde 2016, inclusive as tentativas de reintegração de posse.

Mauro Spósito criticou o que chamou de omissão das autoridades no conflito instalado no Sul do Amazonas. “É a total omissão das autoridades ambientais e de segurança pública em não resolverem o problema há oito anos”, diz. O ex-superintendente também respondeu às acusações de que seria uma espécie de “capanga” de Sidnei Zamora. “É um total desconhecimento porque todo mundo sabe que eu atuei como advogado regularmente inscrito na OAB e no cumprimento dos meus deveres advocatícios”, finaliza.

A reportagem procurou ainda a Polícia Federal para comentar sobre a aparição do nome do delegado federal aposentado no caso. A assessoria de comunicação da PF disse que encaminhou a demanda para o delegado responsável pelo assunto e que retornaria assim que tivesse uma resposta.


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