Um dos principais objetivos das unidades de conservação é garantir a proteção da biodiversidade. Essa missão, entretanto, pode estar comprometida. As mudanças climáticas já em curso irão afetar todos os biomas brasileiros em diferentes graus e, com isso, o habitat de espécies da fauna e flora. Num Brasil do futuro, mais quente e com um regime de chuvas diferente, áreas que antes eram propícias para uma determinada espécie podem se tornar inabitáveis para ela, enquanto outras áreas se tornam adequadas. Essa migração motivada pelas alterações climáticas poderá levar as espécies para fora de unidades de conservação e deixá-las vulneráveis a outras ameaças. O alerta foi feito por uma pesquisa que aponta que a atual rede brasileira de unidades de conservação não é robusta o suficiente para preservar a biodiversidade diante das mudanças do clima.
O artigo com o estudo foi publicado com acesso aberto na edição de dezembro da revista científica Biological Conservation.
Para fazer a análise, os pesquisadores fizeram um levantamento bibliográfico de mais de 2 mil artigos, dos quais selecionaram 56 focados na avaliação dos impactos das mudanças climáticas nas unidades de conservação (UCs). A partir destas informações, eles compilaram 341 métricas de projeção de risco, principalmente de mudanças na distribuição das espécies. Entre os cenários possíveis, mais de 70% apontam impactos negativos, como a saída das espécies das UCs ou a perda de habitat. As áreas protegidas na Amazônia serão as mais impactadas, seguidas pelo Cerrado e a Mata Atlântica.
“O estudo alerta sobre a potencial perda da principal função das unidades de conservação, que foram desenhadas para garantir a manutenção da biodiversidade. Buscando boas condições climáticas em regiões desprotegidas, as espécies continuarão em risco”, comenta a pesquisadora Stella Manes, do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), uma das autoras do estudo.
Os impactos afetarão todas as áreas protegidas, inclusive as Terras Indígenas, alertam os pesquisadores. Por falta de estudos que pudessem servir de base para a pesquisa, as áreas protegidas marinhas ficaram de fora da análise, que concentrou-se apenas nas unidades de conservação terrestres.
As pesquisas indicam que a porção norte do país, que compreende Amazônia, Cerrado e Caatinga, sofrerá um aquecimento de 4,5° a 6° até 2100. Nos domínios da Mata Atlântica e do Pantanal, o aumento deverá ser de 3 a 4°C, enquanto no Pampa, no sul do país, este aumento deve ser de até 3°C.
Também haverá mudança nos padrões de precipitação, com menos chuva na região norte, inclusive na porção mais ao norte da Mata Atlântica – numa redução que pode ser de até 50% na Caatinga até 2100 – e mais chuva no sudeste e sul.
Como saída para minimizar os impactos, os pesquisadores recomendam a expansão do sistema de áreas protegidas e que as mudanças climáticas passem a ser incorporadas no planejamento para conservação, que deve incluir ainda espécies e regiões sub-representadas.
“Muitas das projeções indicam que as mudanças climáticas empurrarão as espécies para fora das unidades de conservação, onde estarão desprotegidas. Portanto, o estabelecimento de novas unidades de conservação que levam em conta as mudanças climáticas é fundamental para a conservação da biodiversidade brasileira”, reforça o biólogo Artur Malecha, do Programa de Pós-graduação em Ecologia e Evolução da UERJ, que também assina o estudo.
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