A solução dos diversos problemas que precisam ser resolvidos apresenta riscos e dilemas. Uma economia baseada em serviços ambientais não pode ser implementada em uma terra sem lei. Estabelecer o Estado de Direito é atualmente um sonho distante, apesar das frequentes declarações que simplesmente presumem que apontar que algo é ilegal ou viola a constituição significa que isso não acontecerá. Vivemos na era pós-Belo Monte, onde tal inocência é indesculpável. Famosamente denominada de “totalmente ilegal” pelo Ministério Público Federal em Belém [1], a construção da barragem sem consultar os povos indígenas impactados violou claramente a Constituição Brasileira de 1988 (Artigo 231), a Convenção 169 da Organização Internacional de Trabalho [2] e a Lei brasileira (10.088/2019, anteriormente 5.051/2004). Repetidas aplicações das leis de suspensão de segurança vençeram as tentativas de fazer valer as proteções legais e constitucionais. Suspensões de segurança foram iniciadas na ditadura militar pela lei 4.348, de 26 de junho de 1964 e ampladas depois da nova constituição brasileira de 1988 pelas leis 8.437 de 30 de junho de 1992 e 12.016, de 07 de agosto de 2009. Estes permitem simplesmente passar por cima de qualquer lei, garantia constitucional ou convenção internancional se um único juiz afirmar que uma determinada obra é necessária para evitar “grave dano à economia pública” (ver [3-6].
Apesar de mais de 20 processos pendentes para interromper a construção da barragem de Belo Monte, e um caso que foi decidido em favor dos povos indígenas por um tribunal federal [7], a barragem foi autorizada a prosseguir e permanece hoje como um monumento concreto à ausência de um estado de direito na prática (ver: [8, 9]). Este monumento lança uma sombra por toda a Amazônia, mais recentemente na rodovia BR-319 (por exemplo, [10, 11]. O fato de grandes partes da Amazônia serem dominadas pelo crime organizado veio à atenção do mundo através dos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips (por exemplo, [12]. Obviamente, estabelecer o Estado de Direito é urgente [13].
Implementar uma economia baseada em serviços ambientais requer um meio de fazer cumprir os compromissos de abster-se do desmatamento. Operações de comando e controle para punir o desmatamento ilegal por proprietários de terras são apenas parte disso. Ninguém gostaria que isso se tornasse uma desculpa para a militarização do controle ambiental, que é altamente ineficiente e leva a abusos [14, 15]. Uma das melhores alternativas seria o controle social das comunidades locais, que é a suposição subjacente às reservas extrativistas como um meio de evitar o desmatamento [16]. Infelizmente, isso não está se mostrando suficiente no caso da Reserva Extrativista Chico Mendes, onde um número crescente de ex-seringueiros está abandonando o uso sustentável da floresta para se tornarem pecuaristas, desmatando a floresta na reserva (por exemplo, [17]).
Em resumo, uma economia baseada em serviços ambientais está longe da realidade atual, mas continuar trabalhando para atingir esse objetivo continua essencial. A alternativa de continuar com a atual destruição da floresta na região tem custos ambientais e sociais que são altos demais para serem permitidos. [18]
A imagem que abre este artigo mostra a barragem de Belo Monte, onde funciona a casa de força principal da hidrelétrica, vista da Transamazônica, em Altamira, Pará (Foto: Lilo Clareto/Amazônia Real/2018).
Notas
[1] Miotto, K. 2011. Norte Energia inicia obras de Belo Monte. (O) Eco Notícias, 09 de março de 2011.
[2] ILO (International Labour Organization), 1989. C169 – Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169). ILO, Genebra, Suiça.
[3] Fearnside, P.M. 2015. Barragens do Tapajós, Série completa. Amazônia Real.
[4] Fearnside, P.M. 2024. A BR-319 e o fantasma da ditadura-2: Suspensões de segurança. Amazônia Real, 17 de abril de 2024.
[5] Prudente, A.S. 2013. O terror jurídico-ditatorial da suspensão de segurança e a proibição do retrocesso no Estado democrático de direito. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil 10(55): 108-120.
[6] Prudente, A.S. 2014. A suspensão de segurança como instrumento agressor dos tratados internacionais. Revista Justiça e Cidadania, nº165.
[7] AmazonWatch. 2012. Supreme court judge overturns suspension of Belo Monte Dam. AmazonWatch, 29 de agosto de 2012.
[8] Fearnside, P.M. 2017. Belo Monte – Atores e argumentos. Amazônia Real. Série completa.
[9] Fearnside, P.M. 2018. Belo Monte – Lições da Luta. Amazônia Real, Série completa.
[10] Ferrante, L., M.B.T. Andrade, L. Leite, C.A. Silva Junior, M. Lima, M.G. Coelho Junior, E.C. da Silva Neto, D. Campolina, K. Carolino, L.M. Diele-Viegas, E.J.A.L. Pereira & P.M. Fearnside. 2021. BR-319: O caminho para o colapso da Amazônia e a violação dos direitos indígenas. Amazônia Real 23 de fevereiro de 2021.
[11] Fearnside, P.M. 2024. A BR-319 e o fantasma da ditadura-2: Suspensões de segurança.Amazônia Real, 17 de abril de 2024.
[12] Downie, A. 2022. Bolsonaro’s fingerprints are all over this’: How president’s war on Amazon played part in double killing. The Guardian, 18 de junho de 2022.
[13] Clement, C.R., I. Vieira, P.M. Fearnside & L. Ferrante. 2022. Desenvolvimento amazônico sequestrado pelo crime organizado. OECO, 02 de maio de 2022.
[14] Clement, C.R., I. Vieira, P.M. Fearnside & L. Ferrante. 2022. Desenvolvimento amazônico sequestrado pelo crime organizado. OECO, 02 de maio de 2022.
[15] Teixeira, P. 2020. Quais os efeitos da nomeação de militares? Abraji, 22 de outubro de 2020.
[16] Fearnside, P.M., E.M. Nogueira & A.M. Yanai. 2018. Maintaining carbon stocks in extractive reserves in Brazilian Amazonia. Desenvolvimento e Meio Ambiente 48: 446-476.
[17] Pontes, F. 2020. Boi em alta eleva pressão do desmatamento na Reserva Chico Mendes. OEco, 20 de dezembro de 2020.
[18] Esta série é ampliada e atualizada a partir de Fearnside, P.M. 2025. Uma utopia amazônica com ressalvas. p. 103-119. In: M. Colón (ed.) Utopias Amazônicas. Ateliê Editorial, Cotia, SP. 335 p.
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