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Uma nova maré nas NDCs: gênero e oceano como pilares da ação climática global

Uma nova maré nas NDCs: gênero e oceano como pilares da ação climática global

A COP 30, em Belém, começou esta semana, no encontro entre a Amazônia Verde e a Amazônia Azul – uma margem simbólica e real, onde se cruzam as fronteiras entre floresta, oceano e sociedade. É nesse ponto de convergência que as novas NDCs revelam uma mudança de rumo: o oceano ganha destaque nas metas climáticas e a igualdade de gênero passa a ser reconhecida como condição para uma transição justa. O desafio agora é transformar reconhecimento em ação – conectando políticas, territórios e pessoas que vivem, cotidianamente, os impactos da crise climática.

As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) são os compromissos voluntários que cada país apresenta às Nações Unidas (ONU) para reduzir as emissões nacionais, adaptar-se aos impactos climáticos e desenvolver mecanismos de implementação – como financiamento, tecnologia e capacitação. Seguindo o Acordo de Paris da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, da sigla em inglês), firmado na COP21 de 2015, as NDCs representam um esforço coletivo dos países para concretizar os acordos climáticos internacionais, estabelecendo e implementando metas internas para contribuir com a manutenção do aquecimento global dentro do limite de 1,5oC.

As NDCs são importantes para transformar metas globais em políticas nacionais e funcionam como um termômetro do comprometimento dos países com os acordos climáticos. Elas são revistas a cada cinco anos, vinculadas a um mecanismo que exige maior ambição a cada rodada e cria uma espécie de engrenagem de responsabilidade coletiva: cada atualização deve refletir progresso, transparência e coerência com a meta global. Estamos na terceira rodada das NDCs, as NDC 3.0, na qual 79 países – de um total de 197 – apresentaram metas para 2035. As metas estabelecidas respondem por 64% das emissões globais, com potencial de diminuição de 3,1 gigatoneladas de CO2 em relação às NDCs anteriores, segundo a Climate Watch.

Mapa destacando os países que submeteram as novas NDCs. Fonte: Climate Watch, consultado em 11/11/2025.

Ao longo dos ciclos das NDCs, as agendas de gênero e oceano têm se fortalecido. Nos primeiros compromissos, esses temas apareciam de forma descritiva – o oceano visto como vítima dos impactos climáticos e o gênero como uma questão social periférica. No segundo ciclo, diversas NDCs incorporaram a perspectiva de gênero, reconhecendo o papel das mulheres na ação climática; e o oceano passou a figurar entre as metas climáticas da maioria dos países, mesmo que ainda de forma incipiente e mais qualitativa. O relatório mais recente das NDC 3.0 mostra a consolidação dos temas de gênero e oceano nas NDCs. A convergência dessas agendas na agenda climática revela um mesmo movimento – o reconhecimento de que não há transição justa sem integrar as dimensões sociais e ecológicas. Mesmo com esses avanços, permanece a questão sobre como conectar, de forma concreta, as agendas de gênero e oceano nas NDCs, transformando reconhecimento em ação.

Panorama: Gênero e Oceano nas NDCs

Em um planeta onde o oceano cobre mais de 70% da superfície, atuando como motor climático, parece surpreendente que tenha levado 10 anos para consolidar seu papel central na agenda climática. O relatório que analisou as NDCs 3.0 entregues até o final de setembro de 2025 indica que o oceano aparece de forma inédita nas metas climáticas nacionais:

  • 78% dos países fazem referência explícita ao oceano – um crescimento de 39% em relação às NDCs anteriores – sendo que 82% desses incluíram medidas de adaptação e 54%, de mitigação.
  • Foram identificadas 192 medidas de adaptação baseadas no oceano, como manejo costeiro integrado e planejamento espacial marinho, restauração de ecossistemas de carbono azul, planejamento de infraestrutura costeira resiliente e fortalecimento da pesca e do turismo marinho adaptados às mudanças climáticas.
  • Foram contabilizadas 55 ações de mitigação marinha, abrangendo energia renovável offshore, sequestro de carbono em ecossistemas de carbono azul e descarbonização do transporte marítimo.
  • 22 medidas transversais integram mitigação e adaptação, incluindo soluções baseadas na natureza em zonas costeiras degradadas, iniciativas de economia azul e planejamento turístico sustentável.
  • Foram identificadas 25 metas quantificadas, como hectares de manguezais restaurados, aumento da capacidade instalada de energias renováveis oceânicas e redução de emissões do transporte marítimo.
  • As NDCs também destacam os meios de implementação necessários: 28% mencionam demandas científicas, como monitoramento e dados oceânicos; 30% apontam necessidades de capacitação e fortalecimento institucional; e 48% relatam necessidades financeiras.

O Brasil está entre os países que incluíram medidas relacionadas ao oceano em suas NDCs 3.0. Em 2024, a nova proposta do país reconhece os serviços ecossistêmicos marinhos e a economia azul como parte da ação climática. O país vem investindo em instrumentos como o Planejamento Espacial Marinho (PEM) e o estabelecimento de programas de conservação e restauração de manguezais e recifes de coral como forma de fortalecer a pauta no país. O Brasil também reforçou o seu papel de liderança na pauta liderando, junto com a França, o “Desafio das NDCs Azuis”, uma iniciativa internacional que convoca os países a integrar o oceano em suas metas climáticas sob o Acordo de Paris.

O Desafio das NDCs Azuis

O Desafio das NDCs Azuis foi lançado em Nice durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC, da sigla em inglês), em junho de 2025. Liderado pelo Brasil e pela França, o Desafio convoca todos os países a colocarem o oceano no centro de suas metas climáticas, impulsionando ações concretas que unam mitigação, adaptação e benefícios para as pessoas e a natureza.

Entre as medidas que podem ser incluídas nas NDCs estão o manejo sustentável, a conservação e a restauração de ecossistemas costeiros e marinhos; a transição para longe da exploração de petróleo e gás offshore; a ampliação responsável das energias renováveis oceânicas; a descarbonização e adaptação de setores marítimos, como transporte e pesca; e o fortalecimento de pescarias e sistemas aquícolas sustentáveis e resilientes ao clima.

Ao aderir ao Desafio, os países passam a integrar uma rede internacional de cooperação e apoio técnico dedicada a acelerar a ação climática baseada no oceano. Isso inclui acesso a conhecimento científico, parcerias estratégicas, financiamento climático e capacitação para implementar soluções efetivas. Além disso, a participação reforça a visibilidade e a liderança global dos países que reconhecem o oceano como aliado essencial no enfrentamento da crise climática.

Questões de gênero vêm ganhando força na UNFCCC com o Plano de Ação de Gênero (GAP, da sigla e. Inglês), um compromisso global para garantir que as políticas climáticas reconheçam que os impactos da crise climática não são neutros e considerem as diferentes realidades, necessidades e contribuições de mulheres e homens. O mesmo relatório das NDCs 3.0 revela que o tema de gênero também foi fortalecido nas novas NDCs, com os países reconhecendo sua integração com uma estratégia para aumentar a ambição e a eficácia de ações climáticas:

  • 89% dos países incluem informações sobre gênero em suas NDCs, e 80 por cento afirmam que irão considerar gênero na implementação dessas políticas.
  • 61% dos países referem-se a ações climáticas planejadas de forma responsiva a gênero e 30% mencionam ações sensíveis a gênero ou abordam aspectos de gênero em setores específicos, como transição justa, agricultura, energia, saúde, água, transporte, indústria e educação.
  • 58% dos países destacam a importância de garantir capacitação, financiamento e transferência de tecnologia para ações específicas de gênero e ressaltam que esses meios de implementação devem ser também responsivos a gênero.
  • 44% consideram gênero em intersecção com outros fatores sociais; 72% reconhecem as diferentes necessidades, perspectivas e impactos de mulheres e homens em relação à mudança do clima e às respostas climáticas; 72% enquadram as mulheres como grupo vulnerável; 53% as reconhecem como agentes de mudança; e 13% mencionam explicitamente pessoas de outros gêneros.

O Plano de Ação de Gênero

O Plano de Ação de Gênero (GAP) orienta países e instituições a integrar a perspectiva de gênero em todas as dimensões da ação climática — da mitigação e adaptação ao financiamento, tecnologia, capacitação e transparência. Também fortalece o papel das mulheres como agentes de mudança, assegurando que tenham acesso a recursos, espaços de decisão e proteção, especialmente aquelas que atuam na linha de frente da defesa ambiental e da resiliência comunitária.

Adotado em 2017 e renovado em 2019, o GAP será revisado na COP30, quando os países discutirão uma nova versão do plano para a próxima década. O novo ciclo deverá ampliar a integração de gênero em políticas e mecanismos de financiamento, consolidar dados e indicadores desagregados e garantir a participação efetiva das mulheres em todos os níveis de tomada de decisão.

Onde Oceano, Gênero e Clima se Encontram

Pescadora puxando rede em sua canoa. Fonte: Acervo/Projeto Vozes do Mar.

Mesmo com esses e outros avanços, o relatório sobre as NDCs 3.0 alerta que os esforços globais ainda são insuficientes para limitar o aquecimento a 1,5°C. É na fronteira entre o oceano e o território humano que a crise climática se torna mais visível. São as comunidades costeiras, pescadoras e ribeirinhas que vivenciam a erosão, a elevação do nível do mar, a perda de biodiversidade e de seus territórios, em mar e em terra. Dentro dessas comunidades, as mulheres sentem de forma mais aguda o impacto e, ainda assim, têm menos acesso a crédito, terras, participação política e informação.

As novas NDCs mostram que o oceano finalmente ganhou lugar de destaque nas estratégias climáticas nacionais. Ao mesmo tempo, a consolidação da perspectiva de gênero demonstra que a ação climática só é efetiva quando também é justa e a integração de gênero nas NDCs deixa de ser um gesto simbólico e se torna um indicador de qualidade das políticas climáticas. No contexto costeiro e marinho, aparecem histórias de mulheres como protagonistas na conservação do oceano, são pescadoras, marisqueiras, guardiãs de manguezais e ilhas, pesquisadoras, artistas, sendo incluídas (finalmente) como agentes de transformação. Isso mostra uma mudança de narrativa: clima, oceano e gênero não são agendas paralelas, mas partes de um mesmo debate sobre justiça, sobrevivência e futuro.

Fortalecer a integração entre gênero, oceano e clima exige mais do que boas intenções – requer compromissos concretos. Precisamos avançar e incluir metas e indicadores sensíveis a gênero nas ações ligadas ao oceano, assegurando o fortalecimento do papel das mulheres em diversos setores, formação e desenvolvimento de capacidades com foco em equidade e participação ativa de mulheres nas discussões climáticas.

Realizar a COP 30 em Belém tem um significado profundo. Pela primeira vez, as negociações climáticas acontecem na Amazônia, no limite entre a floresta e o oceano – o encontro entre a Amazônia Verde e a Amazônia Azul. Essa geografia de fronteira convida a olhar para as margens, onde se concentram tanto a riqueza ecológica quanto as vulnerabilidades sociais do planeta. É nas margens que se produz conhecimentos, resistências e inovações, e é também nelas que a ação climática precisa ganhar corpo. O Brasil tem a oportunidade de transformar essa COP em um marco histórico: liderar uma agenda que una floresta, rios, oceano e pessoas – e fazer da margem o novo centro de uma transição mais justa, inclusiva e equânime.

Nota de fim: Este texto integra a série sobre o nexo gênero-clima-oceano no contexto da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30). A série é uma colaboração da Rede Ressoa com o GT COP da Liga das Mulheres pelo Oceano.

Para saber mais:

Três mulheres e um desafio: agir pela proteção do oceano sob a ótica feminina

Mulheres na linha de frente da proteção dos oceanos

Do mar ao sertão do Nordeste, mulheres promovem uma revolução silenciosa e derrubam clichês

Sem Mulheres, não há oceano, nem futuro: a urgência da COP30

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