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Uma capital latino-caribenha chamada Manaus

Uma capital latino-caribenha chamada Manaus

A presente coluna é uma resposta à provocação de uma antiga e cara amiga, a Thaís de Sant’Anna, professora de História e Cultura Latino-americana e Caribenha da Universidade de Houston no Texas, Estados Unidos. Em recente visita a Manaus, depois de uma boa conversa, Thaís me instou a fazer um texto sobre essa particular característica cultural da nossa querida Manaus, mais especificamente sobre a relação musical com o nosso “entorno cultural  amazônico-caribenho”.

Para dizer a verdade, essa já era uma ideia até antiga, inclusive tinha prenunciado algo do tipo aqui mesmo na coluna, ao lembrar a característica um tanto caribenha do nosso vizinho estado do Pará.

A situação de Manaus, no entanto, é diferente, pois recebemos na cidade, tanto influência caribenha, inclusive via Pará, como também diretamente da Venezuela, Guiana, Colômbia, e outros países, quanto andina, ou seja, latina em um sentido mais amplo, como a peruana, boliviana e da parte não caribenha da Colômbia. No Brasil, se tem a equivocada noção de que latinos são apenas os hispânicos, os falantes da língua castelhana, popularmente chamado espanhóis; mas, na verdade, não deixamos de ser latinos, uma vez que o português, assim como o espanhol e o francês, falados em parte do continente e das ilhas caribenhas, também derivam do latim.

O que configura em nós uma grande diferença em relação ao restante do Brasil é que na Amazônia estamos muitíssimo mais conectados física, histórica e culturalmente tanto com os andinos e amazônicos hispânicos, quanto com os caribenhos. Basta lembrar que temos de Manaus ligação rodoviária direta com o Caribe venezuelano, e hidroviária com Peru, Colômbia, bacia venezuelana do Orinoco, mas também com o Pará e Amapá e sua vizinhança caribenha; afinal, Belém está a apenas cerca de 820 quilômetros de Caiena, capital da Guiana francesa, puro Caribe, enquanto de Manaus dista 1.293 km em linha reta.

Com tudo isso a circulação física, econômica e cultural na região deveria ser óbvia para a maioria, muito embora não seja visibilizada também por muita gente. Agora falando mais propriamente da música, não é de hoje que essas influências podem ser notadas em Manaus, mesmo não sendo aparentemente tão óbvias. O bolero, por exemplo, é um ritmo latino muitíssimo popular e tradicional na cidade, com vários espaços especialmente dedicados ou em geral, compartilhados com o “brega”, em que transitam vários ritmos “tropicaribenhos”.

A grande presença paraense em Manaus trouxe também diversos desses ritmos empacotados sob o rótulo genérico de “merengues”, como são referidos por lá, mas também traduzidos em “guitarradas”, “beiradões”, “calipsos” e  “lambadas”.

Por sua vez, assim como o rio Solimões desce dos Andes pela tríplice fronteira cortando o estado até virar rio Amazonas em Manaus, músicas e músicos do Peru e Colômbia também por aqui chegaram e ficaram.

Em alguns casos ao longo de décadas, esses artistas seguem performando suas salsas, cúmbias, vallenatos, boleros, mambos, rumbas e merengues. Gêneros tão apreciados por lá  quanto por aqui.

Aqui um parêntese especial sobre a cúmbia, gênero genuinamente colombiano da região do rio Magdalena, mas que se espalhou por praticamente todos os países da América do sul, atingiu o  México, com bandas como a famosa Sonora Dinamita e de lá saltou para a comunidade latina dos Estados Unidos, onde a tragicamente finada cantora méxico-estadunidense Selena foi um dos baluartes. No Brasil, em geral, o gênero é desconhecido, mas não em Manaus. Difícil alguém que não tenha já escutado ou dançado uma cúmbia.

Outros ritmos que transitam por toda a América Latina também chegaram por aqui inicialmente por essa via direta peruana e colombiana, como a Bachata, de origem dominicana e o Reggaeton popularíssimos entre os mais jovens.

Vários desses ritmos citados já estavam por aqui desde há muito, em espaços como os saudosos Caribe Show Club, Kalamazon, Kanamari, Brazeiro na estrada da Ponta Negra, nas noites latinas da extinta Cervejaria Felicce, Jack’n Blues, Riacho ecológico, Heaventure, Choppão Marreiro, Grand Sabana, Bolero’s beer e na famosa “Casa do Terror”, no bairro Lagoa Verde, onde um dos momentos mais esperados era a seleção de cúmbias. Também já estavam em outros points tradicionais ainda ativos como o Clube Municipal, Festa Clube, Terraço, Clube do São Raimundo.

A lista de cantores e bandas celebrizadas em tais gêneros também não é pequena. Para citar alguns destes artistas, temos Banda Conexão Latina, onde cantava o finado salvadorenho Júlio Recinos; Banda Salazar, formada pelos irmãos peruanos homônimos; Banda Los Latinos, liderada pelo peruano Peyo Astete, ex-membro da famosa banda internacional Los Pasteles Verdes; Lucas Cruz, o finado vocalista do Brazeiro e Clube Municipal; Banda La Misma Gente, liderada pelo maestro peruano Rogelio K. Choque; e a banda familiar peruana Taty Corazón, sendo esses todos os mais antigos e conhecidos.

Um marco importante na musicalidade latino-caribenha em Manaus foi a inauguração do restaurante colombiano e peruano La Finca, em 2007, ainda ativo e conduzido pelo colombiano Jorge Molina. É, sem dúvidas, o principal point latino de Manaus, por onde já passaram e ainda se apresentam todos os cantores e bandas latinas da cidade, frequentado por toda a comunidade hispano-falante, brasileiros e turistas aficcionados. Há também outros points, caso do Master bar e restaurante Miraflores. Principalmente depois do afluxo massivo de venezuelanos pela crise venezuelana nos últimos anos, aterrisaram em Manaus várias bandas e cantores como R4, Banda Fusion latina, Banda Latino’s, Duo Mixturados e vários outros artistas, isso sem falar nos DJ’s especializados.

No centro da cidade por exemplo, uma boa parte da avenida Joaquim Nabuco, se tornou um “espaço venezuelano “, com muitos moradores, bancas, comércios, bares e points com músicas para a comunidade imigrante. Ah! E hoje não é difícil você pegar um carro de aplicativo com motorista venezuelano ou cubano em que esteja rolando um sonzinho latino animado, também as vezes se vê um ou outro carro parado com som automotivo na vibe de ” paredão latino”.

E por falar em cubanos, a presença deles em Manaus, também se faz. Já, ela foi mais destacada, em especial na época do Programa Mais Médicos. Muitos desses profissionais cubanos, e aquele que vieram por outros motivos, continuaram por aqui e não abandonam o seu rico “son”.

Outra grande comunidade caribenha em Manaus é a haitiana, resultado da grande imigração a partir do terremoto de 2010. No entanto, não houve disseminação musical, ao menos não por isso, talvez pela maioria ser evangélica e pelo foco no trabalho é mandar dinheiro para os parentes, não ter permitindo a criação de espaços musicais abertos. Porém, o Zouk/Compass, ritmo haitiano, não deixa de se fazer presente na cidade, mas por outras vias. As academias de dança e de fitness, onde o ritmo, além dos demais latinos, é bem comum, assim com as versões africanas e europeias derivadas dele, a Kizomba ou “Zumba”.

Uma presença nesse sentido que você também não deve ter notado em Manaus, pois é em inglês, é o reggae roots jamaicano. Mas ele é também um ritmo caribenho, com uma legião de fãs na cidade e alguns espaços, principalmente entre a comunidade maranhense na zona leste.

Aproveitando o bicampeonato do meu querido Boi Caprichoso, lembro que o boi-bumbá, também entranhado na musicalidade manauara, já teve antes da introdução do “parará” e das “cornetinhas” (metais) que o desvirtuaram para sempre, a presença forte do charango peruano e da flauta andina no seu instrumental, o que era bem mais coerente com o nosso contexto amazônico.

Para fechar, duvido muito que você nunca tenha ido a algum boteco, ligado o rádio ou ouvido tocar na vizinhança “Mariposa traicionera “, ou o estourado sucesso na voz da peruana Rosy War “: Primera vez, que estoy llorando, no lo puedo creer, no lo puedo creer, no! Ay Ay Ay me duele el corazón…”. E então? Somos ou não somos uma capital latino-caribenha?


A imagem que ilustra este artigo é de autoria de Ingrid Anne/ManausCult e mostra banhistas na praia da Lua e ao fundo a Ponta Negra em Manaus.


Obs.: Post publicado originalmente no Site Amazônia Real
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