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Uma análise crítica sobre as pesquisas de petróleo na Foz do Amazonas

Uma análise crítica sobre as pesquisas de petróleo na Foz do Amazonas


Belém (PA) – Quando lançou o livro “Lula e a política da astúcia: de metalúrgico a presidente” (Fundação Perseu Abramo, 2022) o historiador John D. French fez uma análise quase não comentada sobre o ideário do atual presidente. Forjado como cidadão em plena ditadura militar, de família migrante que fugiu da miséria no sertão pernambucano, Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva galgou posições profissionais no auge da explosão da indústria metalúrgica brasileira e no então chamado ‘milagre econômico’ do governo do general Emílio Garrastazu Médici. De miserável a integrante de uma classe média operária emergente no ABC paulista na década de 1970, Lula entendeu bem o que é para o cidadão brasileiro ‘o churrasco de picanha com cerveja no final de semana’, com o carro popular na garagem, a camisa do clube preferido no peito e o sambão tocado a alto volume num moderno aparelho de som. 

É como se esse fosse o paraíso que a tal classe média sindical, operária, assalariada sempre almejou. Lula guardou esse imaginário no coração e o associou a grandes obras e grandes projetos. É isso que faz os olhos dele brilharem. 

Pode ser uma análise simplista, mas é fato certamente que o olhar desenvolvimentista do presidente Lula se baseia na ideia de que o crescimento econômico, impulsionado pelo investimento estatal em infraestrutura, indústria e programas sociais, é essencial para reduzir desigualdades e fortalecer a economia nacional. E é necessário afirmar que essa visão se assemelha, em alguns aspectos, ao modelo adotado pelos governos militares (1964-1985), que também priorizaram grandes projetos de infraestrutura, como a construção de rodovias, hidrelétricas e a expansão da indústria de base, buscando acelerar o crescimento econômico por meio da intervenção estatal.

No entanto, há diferenças fundamentais. Enquanto os militares focavam em um crescimento muitas vezes excludente, com arrocho salarial e endividamento externo, o desenvolvimentismo de Lula incorporou uma forte agenda de inclusão social, com políticas de transferência de renda (como o Bolsa Família), valorização do salário mínimo e ampliação do acesso ao crédito. Além disso, o período militar reprimiu movimentos sociais e restringiu liberdades, enquanto Lula governou dentro de um regime democrático, negociando com sindicatos e setores populares.

E o que tudo isso tem a ver com a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, um projeto que tem sido um dos temas mais polêmicos dentro do debate ambiental brasileiro? Tudo. Assim como os governos Lula e Dilma erraram em relação ao complexo hidrelétrico de Belo Monte, em Altamira, novamente Lula pode estar incorrendo em outra decisão com profundos efeitos negativos para a região amazônica. Não seria a primeira vez e certamente não deverá ser a última, que a Amazônia paga altos preços por visões desenvolvimentistas que em quase nada agregam a um futuro melhor para a região, em que pesem os sempre repetidos discursos de geração de emprego, progresso, renda, desenvolvimento etc. O futuro repete o passado. Ou como diria Cazuza de forma mais poética, ‘eu vejo um museu de grandes novidades’. Mas é realidade. O tempo não para.

Localizada na costa norte do , a região onde se pretende explorar o petróleo, abrange um ecossistema marinho sensível, com ainda pouco estudada e de relevância global. A possibilidade de exploração nesse local gera conflitos entre interesses econômicos, sociais e ambientais. O potencial petrolífero da Foz do Amazonas tem atraído grandes empresas do setor energético, que veem nessa área uma oportunidade de ampliar a produção nacional e reduzir a dependência de importação. O argumento econômico enfatiza a geração de empregos, arrecadação de royalties e o desenvolvimento de infraestrutura em regiões historicamente negligenciadas pelo governo. Ou seja, um discurso já ecoado em outras situações similares.

O principal argumento contrário à exploração de petróleo na região está ligado aos impactos ambientais. A Foz do Amazonas abriga recifes de corais de profundidade recentemente descobertos, uma grande diversidade de peixes e espécies marinhas ameaçadas. Um eventual vazamento de petróleo poderia comprometer esse ecossistema de maneira irreversível. Além disso, a dispersão de poluentes poderia afetar comunidades pesqueiras que dependem da região para sua subsistência.

É o que ressalta o pesquisador Gustavo Moura, da Universidade Federal do Pará (UFPA). “Só na região da Bacia da Foz do Amazonas e do Pará-Maranhão, por exemplo, temos uma das maiores áreas de manguezais contínuas do mundo. Os manguezais são habitats de várias espécies (aves, répteis, anfíbios, etc.), de suma importância para a reprodução de diversas outras (peixes, crustáceos etc) e ricos em “carbono azul”, ou seja, áreas que são importantes de se manter conservadas para combater as mudanças climáticas. Em caso de derramamento de óleo em um dos blocos da Margem Equatorial estas áreas podem ser afetadas gerando impactos irreparáveis na biodiversidade destes locais e em centenas de milhares de pessoas de povos e comunidades tradicionais da região que dependem dessa biodiversidade para sua segurança alimentar, para viver”. É um alerta e tanto. Suficiente? Improvável.

Diversas organizações ambientais, como o Greenpeace e o Instituto Socioambiental (ISA), têm alertado para a falta de estudos mais aprofundados sobre os impactos da exploração. Críticos apontam que os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) apresentados pelas empresas do setor contêm lacunas e subestimam riscos. O Instituto Brasileiro do e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) tem exigido condições mais rígidas para a concessão de licenças ambientais, o que tem levado a adiamentos e revisões nos projetos. E críticas, muitas críticas feitas por Lula ao órgão, inclusive usando a expressão ‘lenga-lenga’ para definir o cuidado com que o Ibama tem tratado o tema, sem a pressa que atropela pelo dinheiro.

“Além dos mangues, temos ainda o Grande Sistema de Recifes Amazônicos (GARS, sigla em inglês) que possui cerca de 9.500 km2, estendendo-se desde a região do Oiapoque (AP) até a Baía de São Marcos (MA). Os sistemas recifais também são habitats e berçários de diversas espécies marinhas e, particularmente o GARS, interconecta direta e indiretamente quatro províncias biogeográficas do Atlântico Ocidental (a do Brasil, a Barreira do Amazonas-Orinoco, e do Caribe e a Carolínea), sendo um importante corredor de fluxo gênico entre as espécies destas províncias”, explica Gustavo Moura.

As ameaças aos povos indígenas

Os povos indígenas e comunidades tradicionais que vivem na região têm se manifestado contra a exploração petrolífera. Além da ameaça aos meios de subsistência, há preocupação com a contaminação das águas e com a intensificação das mudanças climáticas, já que o petróleo é um dos principais responsáveis pelo aumento das emissões de gases do efeito estufa. A exploração de petróleo na foz do rio Amazonas pode impactar diretamente várias comunidades indígenas no estado do Amapá. Entre as principais comunidades potencialmente afetadas estão os povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na. Esses grupos habitam três Terras Indígenas (TIs) demarcadas e homologadas: Uaçá, Juminã e Galibi, que juntas abrigam cerca de 13 mil indígenas distribuídos em 56 comunidades, ocupando uma área contínua de aproximadamente 518.454 hectares. Esses povos têm culturas, línguas e histórias próprias e, historicamente, mantêm relações com os rios e o oceano para pesca e outras atividades tradicionais. Por isso, qualquer impacto ambiental na Foz do Amazonas, como vazamentos de petróleo, poderia afetar diretamente seus meios de vida e seus territórios. Essas comunidades já enfrentam desafios como a pressão da mineração ilegal e a degradação ambiental. A possível chegada da indústria do petróleo pode intensificar esses problemas.

Essas preocupações sobre projetos grandiosos que afetam povos indígenas não surgiram ontem. Durante o 20º Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília, de 22 a 26 de abril do ano passado (2024), os povos indígenas divulgaram uma carta de reivindicações contra a expansão da indústria de petróleo e gás em seus territórios. O documento, assinado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste e Minas Gerais (APOINME), foi intitulado “Carta dos Povos Indígenas por uma Transição Energética Justa”. Além de destacar os impactos negativos das atividades extrativas fósseis, as organizações indígenas afirmaram que o Brasil tem caminhado na contramão dos esforços globais de combate às mudanças climáticas ao promover a exploração petrolífera. 

“São povos que utilizam de sua sabedoria ancestral e dos demais conhecimentos obtidos para manejar a floresta garantindo o sustento necessário para si e para os seus sem a sanha destrutiva da natureza. A oportunidade da realização da COP na Amazônia deveria servir para que o mundo se abrisse para a perspectiva de aprender com esses povos novos conceitos e formas econômicas, novas concepções de desenvolvimento social”, afirma à agência Amazônia Real Sara Pereira, coordenadora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE Amazônia). 

Com ascendência indígena e origem ribeirinha, Sara Pereira é taxativa quanto ao projeto. “É inaceitável que os povos amazônidas que já sofrem com a exploração minerária, os monocultivos, o desmatamento e todas as violências e violações impostas pelo agronegócio, enfrentem também agora a ameaça da exploração de petróleo que pode causar danos ambientais de diversas ordens, além de colocar em risco atividades que movimentam a economia regional como a pesca”, diz.

Muitas comunidades dependem dos recursos naturais da Foz do Amazonas para sua sobrevivência e cultura. A exploração de petróleo pode levar ao deslocamento dessas populações, à perda de seus meios de subsistência e à contaminação de suas terras e águas. A falta de consulta adequada e de participação dessas comunidades nas decisões sobre a exploração de petróleo é uma violação de seus direitos e uma falha grave na governança ambiental. 

Os impactos ambientais

Em entrevista à reportagem, o pesquisador Gustavo Moura alerta. “Alguns dos blocos da Bacia da Foz do Amazonas e do Pará-Maranhão da Margem Equatorial estão em cima do GARS. Neste caso, a simples instalação das plataformas de petróleo nestas áreas pode gerar um impacto direto na biodiversidade do Atlântico Ocidental. Não é um impacto local, é um impacto na biodiversidade em todo o Atlântico Ocidental. Neste caso não precisa nem haver derramamento de óleo”.

“Essa discussão sobre o petróleo no bioma da Amazônia brasileira, é muito importante, mas é importante dizer também que ela não é nova. A gente já tem, basicamente, mineração de petróleo na região amazônica há pelo menos 40 anos”, afirma à Amazônia Real o economista Giliad de Souza Silva, pesquisador sobre a questão mineral na  região. “A gente já tem exploração que iniciou em 1986 com a perfuração do primeiro poço ali no rio Urucu, que é um afluente do rio Amazonas, e essa perfuração deu origem ao que se definiu como a província petrolífera de Urucu, a maior reserva de petróleo e gás em terra do Brasil. Essa reserva fica no município de Coari, no estado do Amazonas, está a mais ou menos uns 650 km de Manaus, e esse município é um dos que recebe royalties de petróleo”.

Lula esteve no município em 2006 para dar pingo de solda simbólico na obra do gasoduto de Coari. 

Há outra questão que não parece ter sido colocada na mesa com as devidas atenções. Inicialmente a autorização de pesquisa naquele imenso território foi dada para a BP Energy, empresa britânica responsável pelas reservas de petróleo no Golfo do México, onde houve vazamento alguns anos atrás. Essa mesma empresa teve autorização de pesquisa, só que a repassou para a Petrobras em 2020. Essa margem equatorial está do lado das baías da Guiana e do Suriname. Na Guiana já ocorre mineração de petróleo e há todo um conflito geopolítico envolvendo a Guiana e a Venezuela. E no caso da mineração que acontece nas Guianas e também no Suriname, a empresa responsável é justamente a Exxon Mobil, outra empresa que tem um histórico de pouco cuidado com as questões ambientais. 

“É uma enorme contradição que o país que vai sediar a maior conferência global sobre clima esteja pressionando pela liberação da exploração de petróleo na Amazônia exatamente no ano da COP30, quando barrar a expansão da indústria petroleira é apontado como um dos principais elementos para frear o aquecimento do planeta”, lembra Sara Pereira.

“Essa é uma reserva gigante do ponto de vista econômico”, afirma Giliad Silva. “A estimativa é que nessa reserva petrolífera se tenha mais ou menos em torno de 14 bilhões de barris de petróleo. Trazendo ao preço de hoje do barril de petróleo isso dá algo mais ou menos em torno de 1.7 a 1.8 trilhões de dólares, que é a estimativa que você tem de petróleo a ser extraído na foz do Rio Amazonas. E isso é apenas esse poço, o bloco, que foi justamente o alvo de toda a polêmica”, enfatiza o economista.

O dilema do crescimento

O fato é que a exploração de petróleo na Foz do Amazonas representa um dilema entre o desejo de crescimento econômico e a necessidade de preservar um ecossistema singular. Diante das incertezas sobre os impactos ambientais, o princípio da precaução deveria ser adotado. O Brasil precisa encontrar um equilíbrio entre desenvolvimento e , priorizando fontes de energia renováveis e garantindo a proteção de suas riquezas naturais para as futuras gerações. “É inacreditável que mais uma vez a exploração da Amazônia seja feita sob o argumento do pseudodesenvolvimento econômico via exploração dos chamados recursos naturais que para os amazônidas são bens comuns que deveriam ser protegidos e manejados de forma equilibrada”, questiona a coordenadora da FASE Amazônia.

Há modelos a serem seguidos? Sim. A Constituição do Equador é um bom exemplo. Orientada por parâmetros do direito internacional, dedicou um de seus capítulos aos direitos coletivos dos povos indígenas e afro-equatorianos. Sua promulgação, em 1998, abriu novas possibilidades para a reivindicação desses direitos nos tribunais e seu desenvolvimento nas leis do país. Na Amazônia equatoriana existem casos em que os povos indígenas usaram alguns novos mecanismos legais para defender seus direitos coletivos diante da indústria petrolífera. Isso resultou, por exemplo, na luta do povo Waorani, que conseguiu barrar a exploração de petróleo em parte de seu território por meio de decisão judicial. Mas há sempre tensões violentas impulsionadas pela força do capital, representado por grandes bancos, multinacionais e mesmo pelo governo de plantão.

O dilema persistirá. Nesse caso, o governo Lula não se difere tanto de tantos outros do passado. O canto de sereia da riqueza econômica costuma falar mais alto. O caso da Foz do Amazonas se torna emblemático novamente. A análise de Giliad Silva é profunda. “Ali se tem um petróleo de muita qualidade, é um petróleo leve, um petróleo que não tem grandes exigências de refino para transformar em derivados de alta qualidade, no entanto ainda assim existe esse conjunto de questões ambientais que não estão respondidas e, na minha avaliação, pelo que a gente está vendo já do ponto de vista de informação, não serão respondidas”.

Entra-se na curva do rio. Há dois braços a seguir. “Então nós temos, basicamente do ponto de vista humanitário, uma grande questão que é essa riqueza existente. A gente extrai minério agora e transforma isso de fato em dinheiro com todos os riscos ambientais, sociais e culturais que isso pode promover e provocar, provocando os desequilíbrios climáticos que também isso vem a gerar no médio e longo prazo, ou aguardemos a ter estruturas e condições tecnológicas que dêem maiores garantias de que esses riscos ambientais, culturais e sociais serão completamente minorados, totalmente controlados, e com esses riscos inteiramente controlados, aí sim, dê pra se pensar de um modo menos apressado nos detalhes econômicos?”, indaga o pesquisador. A reflexão é necessária. Qual o braço de rio que o governo e a sociedade brasileira irão seguir?


A foto que abre este artigo, foi produzida durante a Expedição Costa Amazônica Viva com o objetivo de documentar os potenciais impactos da exploração de petróleo na costa amazônica (Foto: © Marizilda Cruppe / Greenpeace).


As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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