A criação do site O Eco em 2004 é o marco de um dos momentos-chave do jornalismo ambiental brasileiro, a formação de um novo ecossistema digital composto por iniciativas jornalísticas alternativas e/ou independentes especializadas na cobertura ambiental (Loose e Belmonte, 2023).
O Eco não foi o primeiro site especializado criado no país mais megadiverso do planeta, mesmo assim considero o seu surgimento um marco nessa especialização temática, que já tem pelo menos meio século no Brasil, pelo impacto que tem tido na formação de jovens repórteres e na qualificação do jornalismo ambiental brasileiro.
A formação de novas gerações de jornalistas especializados em temas ambientais sempre foi uma preocupação do site O Eco. Mais recentemente tenho testemunhado esse esforço, pois participei de alguns cursos para estudantes da região norte falando sobre a história do jornalismo ambiental brasileiro, tema da minha tese.
Gustavo Faleiros, um dos jornalistas ambientais mais influentes do Brasil, é cria do site O Eco. Ele e sua equipe desenvolveram o geojornalismo, um método inovador de cobertura da Amazônia utilizando visualização com imagens de satélite e outros recursos multimídia, marca registrada do site InfoAmazonia.
O InfoAmazonia começou no O Eco há 12 anos até que em 2020 transformou-se em uma organização focada em dados, mapas e reportagens geolocalizadas, relatou Juliana Mori, diretora editorial e cofundadora do site de geojornalismo no seminário que marcou os 20 anos do site O Eco.
Nessas duas décadas, cerca de 32 mil notícias, artigos e reportagens foram publicados em O Eco, produzidos por jornalistas e articulistas apaixonados pelo mundo natural, informou no mesmo evento Eduardo Pegurier, presidente do Conselho de Administração do site criado para colocar a biodiversidade no centro da pauta.
Dar voz a bichos e plantas, através daqueles que se interessam em protegê-los, é um dos valores éticos do site O Eco, criado por Marcos Sá Corrêa em parceria com Kiko Brito e Sérgio Abranches. Há dois anos, pesquisando informações para um artigo que publiquei no Observatório de Jornalismo Ambiental, descobri uma relíquia na internet.
Quando a identidade do novo veículo especializado estava sendo definida pelos seus fundadores, aconteceu um diálogo que a meu ver é uma verdadeira aula de jornalismo ambiental. Reproduzo a seguir o trecho onde Marcos Sá Corrêa explica sua concepção de jornalismo com causa:
– (…) a tal declaração de que cobriremos qualquer assunto, mas sem perder de vista que estamos aqui tratando de conservação da natureza, foi posta ali para nos servir de lembrança que, se bobearmos, cairemos num dos excessos que a meu ver espremem o noticiário ambiental na imprensa. De um lado, ele é apertado pela suposição de que tudo vem antes dele – política, economia, esporte, cinema. Se não há um desastre qualquer, tipo vazamento de óleo na Baía de Guanabara, meio ambiente é um assunto que mais ou menos se esconde lá no fundo dos jornais, na companhia de achados arqueológicos e outros bichos. Ou melhor, outra falta de bichos. Do outro lado, quem já se converteu ao ambientalismo acha que todas as linhas, toda beirada de espaço que puder pegar nos meios de comunicação é para fazer denúncia e catequese. Resultado: uma pauta “ambiental”, que trata a conservação da natureza como uma cruzada evangélica. Temos que nos lembrar o tempo todo que o site aposta todas as fichas na suposição – será fantasia? – de que o ambientalismo já está ficando grande demais para continuar restrito aos ambientalistas. Nós queremos ir atrás de um grande assunto que todo mundo está perdendo. Bem, pelo menos era isso que eu quis dizer.
Filho do jornalista político Villas Boas Corrêa, Marcos Sá Corrêa trabalhou na revista Veja, no Jornal do Brasil, no jornal O Dia e na revista Época. No início do século 21, migrou para o jornalismo online e independente. Depois de conceber O Eco, também ajudou João Moreira Salles a criar a revista Piauí.
Em seis anos de atuação no site O Eco, Sá Corrêa produziu cerca de 300 textos. Parou de publicar após um acidente doméstico ocorrido em fevereiro de 2011. Dois anos atrás, foi lançado o livro Olhar Perto, Enxergar Longe: Crônicas ambientais atemporais, com a reprodução de 98 colunas escritas por ele.
O site O Eco criado por Sá Corrêa é movido por um ativismo jornalístico, verdadeira essência do jornalismo ambiental de qualidade. Como escrevi recentemente (Loose e Belmonte, 2023), diante da emergência climática e da destruição dos ecossistemas, esse ativismo é necessário e urgente.
Refiro-me aqui a um ativismo profissional que entende a pauta como uma arma de combate (Moraes, 2022) contra as injustiças ambientais que afetam as populações mais vulneráveis de humanos e mais-que-humanes, pegando emprestado uma expressão utilizada por Eliane Brum, do Sumaúma. Por isso dar voz a quem fala em nome dos bichos e das plantas é tão importante. Vida longa ao jornalismo ambiental praticado há duas décadas pelo O ECO com engajamento e inovação!
Referências
Corrêa, Marcos Sá. (2022). Olhar perto enxergar longe: crônicas ambientais atemporais. Associação O Eco. Disponível em: <https://oeco.org.br/biblioteca/olhar-perto-enxergar-longe-cronicas-ambientais-atemporais/>.
Loose, E. B., & Belmonte, R. V. (2023). ACTIVISM IN ENVIRONMENTAL JOURNALISM: how four key moments have helped shape an engagement practice in Brazil. Brazilian Journalism Research, 19(3), e1594. https://doi.org/10.25200/BJR.v19n3.2023.1594
Moraes, F. (2022). A pauta é uma arma de combate: subjetividade, prática reflexiva e posicionamento para superar um jornalismo que desumaniza. Arquipélago.
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