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Último igarapé vivo de Manaus está ameaçado

Último igarapé vivo de Manaus está ameaçado


O Água Branca sofre com os impactos de obras, desmatamento e poluição. Localizado no bairro do Tarumã, na zona oeste da cidade, o igarapé é cercado por empreendimentos comerciais e residenciais. Na foto acima Performance do ator Chico Kaboco, da Companhia de Teatro Vitória Régia no igarapé da Água Branca, (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).

Manaus (AM) – Considerado o último igarapé limpo e preservado da área urbana de Manaus, uma cidade cortada por pequenos cursos d’água, a maioria poluídos ou aterrados, o igarapé Água Branca, localizado no bairro Tarumã, na zona oeste da cidade, sofre com os impactos causados pelo avanço da urbanização, do desmatamento e da poluição. 

Ameaçada por vários empreendimentos comerciais e residenciais, devido à falta de compromisso do poder público com o , há décadas a microbacia do igarapé é degradada em suas nascentes, que abastecem com água fria e limpa a bacia hidrográfica do rio Tarumã-Açú, altamente poluída porque receber água também dos igarapés da Ponte da Bolívia, Cachoeira Baixa, Cachoeira Alta e Cachoeira das Almas, todos tomados por lixo e esgoto.

“Pesquisas apontam que a microbacia do Água Branca vem sendo impactada de forma ascendente desde 1986. Dessa forma, as nascentes sofrem degradação, principalmente devido ao desmatamento que ocorre na região”, afirma a pesquisadora Solange dos Santos Costa, professora do Departamento de Geociências da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Segundo ela, o igarapé é impactado por obras de todos os tipos de segmentos. No setor imobiliário,  há loteamentos de áreas para condomínios residenciais. No ramo comercial, houve a construção de hotéis e shoppings, além da duplicação da avenida do Turismo, que desmatou uma extensa área, prejudicando o Água Branca. 

A série de impactos ambientais se estende por toda a região, que é área de proteção ambiental (APP), destaca o jornalista e ativista ambiental Jó Farah, morador do Tarumã. “Estão construindo um condomínio ao lado da Cachoeira Alta do Tarumã, um enorme conglomerado de prédios, onde passa o corredor das cachoeiras Alta e Baixa. A obra destruiu a foz do igarapé Água Branca, que está quase toda soterrada. Isso indica que o empreendedor avançou muito além daquilo que ele recebeu como licença”, lamenta.

jornalista e ativista ambiental Jó Farah, ao fundo o igarapé Água Branca (Foto: Águas de Manaus).

O ativista ressalta que nos locais de proteção ambiental é proibida a instalação de indústrias e empreendimentos comerciais sem os estudos adequados. Para Farah, essa análise é feita superficialmente. “O estudo dessas áreas não é feito da forma que deveria e as obras acabam impactando e transformando esses desmatamentos em desastres ambientais. Essas licenças dão oportunidade ao empresário para avançar além daquilo que o órgão previu. Em 90% dos casos é assim”.

No dia 15 de fevereiro, a Prefeitura de Manaus informou a interdição de mais uma das obras que devastam o igarapé. A construção de um empreendimento de dois andares, licenciado pelo Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb), desmatou parte da área de proteção na avenida do Turismo e soterrou com barro uma das nascentes do igarapé.

“A draga [da obra] empurrou tudo para dentro da nascente e está lá até hoje, não conseguimos tirar o barro que a empresa deixou. A mitigação tem que ser feita por essa empresa que causou o dano”, denuncia Farah.

Em nota, a prefeitura declarou que a licença concedida à obra pelo Implurb atendia a legislação  em vigor, os parâmetros urbanísticos e a documentação pertinente exigida, incluindo a Licença Municipal de Instalação (LMI), da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Mudança do Clima, contendo 20 medidas de condição e restrição. O órgão afirmou que os critérios para aprovação e licenciamento seguem a legislação urbanística e que as transgressões apontadas sobre a supressão vegetal e assoreamento do igarapé, além do impacto na APP, são de responsabilidade do empreendedor e do construtor.

A obra, que foi denunciada pelas redes sociais da ONG Mata Viva, cobriu de lama todo o trajeto da nascente do igarapé após o desmatamento. Sem nenhuma ação concreta dos órgãos ambientais e com as chuvas que atingem a cidade nos últimos dias, o assoreamento só piora. O acúmulo de sedimentos como areia, terra e lixo é levado até o leito do curso d’água em um processo natural, mas que pode ser intensificado pela ação humana, como no caso em que tiram árvores de uma encosta e o solo fica exposto.

“Aquele local já era desmatado, mas ali  tinha uma vegetação baixa que protegia para que o barro não descesse para dentro da nascente. Como sai uma licença sabendo que ali embaixo tem uma APP?”, indaga o ativista ambiental.

Questionada pela Amazônia Real, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Mudança do Clima não explicou o motivo de ter licenciado a obra na área de proteção, alegando que “a ocorrência não é rotina, pois não foi dada autorização para intervenção em área de preservação”. 

Também não respondeu como o órgão vai lidar com os impactos no igarapé e com as ameaças que o cercam. Em resposta, afirmou apenas que não permite obras em igarapés e nascentes e que há o estrito cumprimento das faixas de preservação.

Sobre a existência de projetos e ações para proteger e preservar os igarapés e nascentes do Tarumã e da cidade de Manaus, a secretaria disse estar em tratativas para definir um ordenamento da bacia hidrográfica do Água Branca. “Este será o critério de atenção da Semmasclima para os demais igarapés da área urbana de Manaus”, declarou o órgão ambiental.

Animais e floresta podem desaparecer

Registros em abril de 2021, mostra a trilha do igarapé Água Branca, localizado no bairro Tarumã, zona oeste de Manaus (Foto: Juliana Pesqueira/ Amazônia Real).

No Água Branca, peixes como matrinxãs, traíras, bagres, carás, sardinhas e jaraquis crescem até migrar para os rios. A redução do volume de água causado pelo soterramento da nascente, principalmente na época de estiagem, pode provocar o assoreamento da rede de drenagem e, consequentemente, a extinção dessas populações aquáticas. Outro impacto é a supressão da mata ciliar, vegetação florestal nativa que fica às margens de rios, igarapés, lagos, olhos d’água e represas.

“Todo o ecossistema será impactado, ou seja, tanto os componentes bióticos como os organismos vivos: plantas, animais e micróbios e os componentes abióticos, elementos químicos e físicos, como o ar, a água, o solo e minerais”, explica a pesquisadora Solange dos Santos Costa.

A destruição recorrente no Água Branca pode ocasionar o desequilíbrio do ecossistema e o aumento da temperatura, que está associado ao desmatamento da região. “Com a supressão da vegetação, envolvendo a mata ciliar, o processo de erosão e intemperismo é acelerado, causando não somente o assoreamento da rede de drenagem, mas também a compactação do solo e impactando diretamente na seca das nascentes”, ressalta a pesquisadora.

O entorno do igarapé abriga também populações de animais terrestres que estão ameaçadas, como o sauim-de-coleira, animal símbolo de Manaus. O ativista Jó Farah afirma que o pequeno primata está sendo soterrado junto com a nascente, devido aos desmatamentos e poluição.

“Com essa destruição, o sauim-de-coleira leva anos para  mapear o seu caminho e fazer uma nova estrada para buscar alimento, proteção e lugar para dormir. Quando você corta essa estrada no meio é como se cortassem todas as estradas e tivessem abismos para chegar na sua casa. Esse animal representa exatamente essa catástrofe que a cidade vive por falta de respeito com os fragmentos florestais urbanos e com os animais que vivem neles”, denuncia o ativista.

No igarapé Água Branca vive ainda o tamanduaí, menor e menos conhecida espécie de tamanduá do mundo. É um animal de aparição rara, por possuir hábitos noturnos. “Ele está perdendo seu habitat e corre o risco de desaparecer dessa região”, diz Jó Farah.

Luta pela preservação

Performance do ator Chico Kaboco, da Companhia de Teatro Vitória Régia no igarapé da Água Branca, no bairro do Tarumã, em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).

Criado em 2018, o Projeto Trilha Ecológica Igarapé Água Branca trabalha com professores e alunos da rede pública a valorização do único igarapé vivo da cidade. Por meio de visitas guiadas no local, considerado um laboratório ecológico a céu aberto, mais de 200 alunos, principalmente os que moram perto de igarapés poluídos, já tiveram a oportunidade de conhecer o Água Branca e compreender o que é preciso fazer para que um igarapé não morra.

Jó Farah diz lutar pela vida do Água Branca porque as crianças dependem dele para voltar para as comunidades delas e replicar essa informação de preservação e lutar contra o lixo, contra a ocupação irregular, contra a falta de tratamento de esgoto.

A degradação causada no igarapé já foi levada à Justiça várias vezes. No dia 21 de fevereiro, Jó Farah defendeu, durante sessão na Câmara Municipal de Manaus, o desmatamento zero no Tarumã por pelo menos quatro anos. Para ele, é preciso proibir a emissão de novas licenças para qualquer área do Tarumã.

Segundo o ativista, a região precisa de um plano diretor para fazer com que os limites da área de proteção ambiental sejam respeitados. “Não se trata só do Água Branca, a luta maior é pelo rio Tarumã-Açu, que recebe o vômito de água podre de dezenas de igarapés. Essas obras ameaçam a existência do igarapé porque ele pode ser aterrado em todas as suas nascentes e daqui a pouco a gente não vai mais ter água”.


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