Muita atenção é dada ao desmatamento da Amazônia, mas pelo menos tão importante é a degradação florestal, onde a floresta permanece de pé, mas perde parte de seu estoque de carbono, capacidade de ciclagem de água e outras características valiosas [1]. A extração seletiva de madeira, incêndios florestais, efeitos de borda e mortalidade de árvores durante secas severas são as principais causas da degradação florestal amazônica, que liberou pelo menos tantos gases de efeito estufa quanto o desmatamento nos últimos anos [2, 3]. As áreas expostas à extração seletiva de madeira a cada ano são tão grandes ou maiores do que as áreas que estão sendo desmatadas [4].
Tanto os incêndios florestais quanto a mortalidade de árvores durante as secas são aumentados pelo clima mais quente e seco que já é aparente na Amazônia e está previsto para se intensificar na medida em que a mudança climática continua. Quando um incêndio florestal ocorre pela primeira vez em uma floresta amazônica, ele queima com uma linha de chamas curtas avançando lentamente no sub-bosque, matando algumas das árvores. As árvores morrem ao longo de um período que dura cerca de dois anos após o incêndio, e a madeira morta resultante na floresta queimará quando outra seca severa e consequente incêndio ocorrerem, resultando em um incêndio mais quente com chamas mais longas que matam mais árvores, iniciando um processo de retroalimentação positiva onde os incêndios são sucessivamente mais propensos a ocorrer e mais destrutivos [5-7].
A exploração madeireira é um fator-chave para iniciar esse processo, pois também deixa na floresta madeira morta das copas das árvores colhidas e de árvores mortas acidentalmente no processo de exploração madeireira. O efeito da exploração madeireira no aumento da área que pega fogo e no aumento da intensidade do fogo nas áreas que são queimadas mais que dobra a perda de biomassa em comparação com a exploração madeireira em si [8]. É importante ressaltar que esse efeito não depende se a exploração madeireira seletiva é legal ou ilegal.
O manejo florestal supostamente “sustentável” tem avançado rapidamente na região amazônica, e essa exploração madeireira legal prepara o caminho para o círculo vicioso de degradação e perda florestal por meio de incêndios florestais sucessivos. Nenhum dos planos de manejo florestal pressupõe que haverá incêndios florestais, um fator que se soma a outras razões que tornam o manejo insustentável. O crescimento lento das árvores amazônicas torna os planos atuais financeiramente insustentáveis [9, 10], e as contradições econômicas [11] tornam o manejo de madeira inviável após o primeiro ciclo sem subsídios irrealisticamente massivos [12, 13].
A imagem que abre este artigo é de autoria de Marizilda Cruppe/ Greenpeace e mostra agente do Ibama na vistoria nos PMFS AUTEF 273005/2017, Uruará, Pará a Planos de Manejo Florestal Sustentáveis (PMFS), no oeste do Pará em 2017.
Notas
[1] Lapola, D.M., P. Pinho, J. Barlow, L.E.O.C. Aragão, E. Berenguer, R. Carmenta, H.M. Liddy, H. Seixas, C.V.J. Silva, C.H.L. Silva-Junior, A.A.C. Alencar, L.O. Anderson, D. Armenteras P., V. Brovkin, K. Calders, J. Chambers, L. Chini, M.H. Costa, B.L. Faria, P.M. Fearnside, J. Ferreira, L. Gatti, V.H. Gutierrez-Velez, Z. Han, K. Hibbard, C. Koven, P. Lawrence, J. Pongratz, B.T.T. Portela, M. Rounsevell, A.C. Ruane, R. Schaldach, S.S. da Silva, C. von Randow & W.S. Walker. 2023. The drivers and impacts of Amazon forest degradation. Science 379: art. eabp8622. https://doi.org/10.1126/science.abp8622
[2] Qin, Y., X. Xiao, J.-P. Wigneron, P. Ciais, M. Brandt, L. Fan, X. Li, S. Crowell, X. Wu, R. Doughty, Y. Zhang, F. Liu, S. Sitch & B. Moore III. 2021. Carbon loss from forest degradation exceeds that from deforestation in the Brazilian Amazon. Nature Climate Change 11: 442–448. https://doi.org/10.1038/s41558-021-01026-5
[3] Walker, W.S., S.R. Gorelik, A. Baccini, J.L. Aragon-Osejo, C. Josse, C. Meyer, M.N. Macedo, C. Augusto, S. Rios, T. Katan, A.A. de Souza, S. Cuellar, A. Llanos, I. Zager, G.D. Mirabal, K.K. Solvik, M.K. Farina, P. Moutinho & S. Schwartzman. 2020. The role of forest conversion, degradation, and disturbance in the carbon dynamics of Amazon indigenous territories and protected areas. Proceedings of the National Academy of Science USA 117: 3015–3025. https://doi.org/10.1073/pnas.1913321117
[4] Matricardi, E.A.T., D.L. Skole, O.B., C.M.A. Pedlowski, J.H. Samek & E.P. Miguel. 2020. Long-term forest degradation surpasses deforestation in the Brazilian Amazon. Science 369: 1378–1382. https://doi.org/10.1126/science.abb3021
[5] Cochrane, M.A., A. Alencar, M.D. Schulze, C.M. Souza, D.C. Nepstad, P. Lefebvre, and E.A. Davidson. 1999. Positive feedbacks in the fire dynamic of closed canopy tropical forests. Science 284: 832-1835. https://doi.org/10.1126/science.284.5421.1832
[6] Nepstad, D.C., A. Verissimo, A. Alencar & C. Nobre. 1999. Largescale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire. Nature 1405: 505–509. https://doi.org/10.1038/19066
[7] Nepstad, D.C., G. Carvalho, A.C. Barros, A. Alencar, J.P. Capobianco, L. Bishop, P. Moutinho, P. Lefebyre, U.L. Silva Jr. & E. Prins. 2001. Road paving, fire regime feedbacks, and the future of Amazon forests. Forest Ecology and Management 154: 395-407. https://doi.org/10.1016/S0378-1127(01)00511-4
[8] Barni, P.E., A.C.M. Rego, F.C.F. Silva, R.A.S. Lopes. H.A.M. Xaud, M.R. Xaud, R.I. Barbosa & P.M. Fearnside. 2023. Exploração madeireira e incêndios florestais. Amazônia Real. http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/2022Barni_et_al-2022-2023-Exploraçao_madeireira_e_incendios_florestais-Serie-completa.pdf
[9] Richardson, V.A. & C.A. Peres. 2016. Temporal decay in timber species composition and value in Amazonian logging concessions. PLoS ONE 11(7): art. e0159035. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0159035
[10] Sist,P., C.Piponiot,M.Kanashiro,M. Pena-Claros,F.E.Putz,M. Schulze,A.Verissimo &E. Vidal.2021. SustainabilityofBrazilianforestconcessions. Forest Ecology and Management496: art.119440.https://doi.org/10.1016/j.foreco.2021.119440
[11] Clark, C.W. 1973. The economics of overexploitation. Science 181: 630-634. https://doi.org/10.1126/science.181.4100.630
[12] Fearnside, P.M. 1989. Manejo florestal na Amazônia: Necessidade de novos critérios na avaliação de opções de desenvolvimento. Pará Desenvolvimento, 25: 49-59. https://bit.ly/3fRWTva
[13] Fearnside, P.M. 2022. Política de conservação na Amazônia brasileira: Entendendo os dilemas. p. 213-237. In: Fearnside, P.M. (ed.) Destruição e Conservação da Floresta Amazônica. Editora do INPA, Manaus, AM. 356 p. http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/2022/Destruicao-v1/Cap-12-Entendo_as_dilemas.pdf
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