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Última chance para a floresta amazônica brasileira? – 3: desmatamento

Última chance para a floresta amazônica brasileira? – 3: desmatamento


Embora o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), liderado pela conhecida ambientalista Marina Silva, tenha lutado heroicamente para fazer cumprir as leis ambientais e reduzir o desmatamento ilegal (que diminuiu significativamente), o desmatamento legal continua. As operações de comando e controle do MMA são necessárias, mas acabar com o desmatamento exigirá grandes mudanças nas ações de outros ministérios e do chefe de estado.

O desmatamento legal é incentivado pelo Ministério da Agricultura com financiamento subsidiado de bancos governamentais [1]. A substituição de pastagens por soja, também promovida pelo Ministério da Agricultura e subsidiada, continua tanto na ex-floresta amazônica quanto no ex-cerrado. O governo considera a conversão de pastagens para soja um progresso porque produz mais dinheiro, mais receitas fiscais e mais divisas, mas é um dos principais motores do desmatamento. Os pecuaristas não se transformam em plantadores de soja quando suas terras se tornam mais valiosas para a soja; em vez disso, eles vendem suas terras por um preço alto e, usando os lucros, compram uma área muito maior de terras baratas da floresta amazônica em outro lugar, que eles desmatam para pastagem [2-4]. Cada hectare convertido de pastagem para soja resulta, portanto, em vários hectares de desmatamento da Amazônia.

O Ministério dos Transportes está empenhado em reconstruir a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) que, juntamente com as estradas secundárias planejadas, abriria vastas áreas da floresta amazônica para a entrada de desmatadores [5, 6]. O presidente Lula declarou seu apoio ao projeto da BR-319 em 10 de setembro de 2024, ironicamente o momento em que grande parte do Brasil estava sufocada pela fumaça dos incêndios florestais na Amazônia e os principais rios da região estavam quase secos devido a uma seca ligada ao aquecimento global [7, 8]. A área a ser aberta à entrada de desmatadores contém um enorme estoque de carbono [9], e a liberação de apenas uma fração disso na atmosfera ao longo de alguns anos seria suficiente para levar o clima global além de um ponto de não retorno [6].

A maior área de “terras públicas não designadas” do Brasil seria aberta pelas estradas secundárias planejadas a se ramificar da BR-319 (por exemplo, [10-12]). O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) é quase inteiramente dedicado a “regularizar” (o eufemismo para legalizar) ocupações ilegais e reivindicações fundiárias. Quase nunca há sequer menção à remoção de ocupantes ilegais. Os grileiros (termo que na Amazônia se refere a grandes operadores que reivindicam ilegalmente terras do governo: [13]) encontraram uma ferramenta útil no CAR (Cadastro Ambiental Rural), que foi criado em 2012 como uma medida ambiental, mas que na Amazônia tem sido uma forma de estabelecer reivindicações fundiárias, apesar do CAR não ter base legal para esse propósito [14-16]. As reivindicações do CAR são autodeclaradas on-line, sem inspeção no local.

Ao contrário do processo de remoção de ocupantes ilegais, as vastas reivindicações do CAR na área planejada para abertura pela AM-366 e outras estradas que se ramificariam da BR-319 poderiam ser canceladas com uma canetada, mas isso não aconteceu até hoje. Quando o presidente Lula assumiu o cargo em seu mandato atual em janeiro de 2023, a responsabilidade pelo CAR foi colocada sob o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, mas logo depois o Congresso Nacional, que é dominado por ruralistas [17], transferiu essa responsabilidade crítica para o Ministério de Gestão e Inovação, uma agência administrada por ruralistas, ou seja, por grandes proprietários de terras e seus representantes [18].

O presidente Lula declarou sua intenção de distribuir terras públicas não designadas como propriedades privadas [19]; enquanto o discurso se concentra em pequenos agricultores, a maior parte das terras que estão sendo “regularizadas” é para atores maiores. Legalizar ocupações e reivindicações ilegais é um grande impulsionador do desmatamento porque repetidas “anistias” perdoando esses crimes e concedendo títulos de terra mostraram aos atores envolvidos que é possível desrespeitar a lei invadindo terras do governo e simplesmente esperar que a área seja legalizada. O desmatamento é uma forma de mostrar o “uso produtivo” da terra para justificar a legalização. Embora este seja um dos motivos para o desmatamento [20], a legalização também motiva maiores investimentos em desmatamento e foi demonstrado que o efeito líquido da concessão de títulos de terra é um aumento, em vez de uma diminuição, da taxa de desmatamento [21]. A posição do presidente Lula sobre a posse da terra é uma das principais questões relacionadas ao futuro do desmatamento na Amazônia [22, 23].


A imagem que abre este artigo mostra uma vista aérea do inicio do trecho da rodovia AM 366 ao lado do aeroporto de Tapauá, no Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real/2023).


Notas

[1] ClimaInfo. 2024a. Plano Safra financiou mais de R$ 200 bilhões em áreas desmatadas. ClimaInfo, 12 de dezembro de 2024.

[2] Arima, E.Y., P. Richards, R. Walker & M.M. Caldas. 2011. Statistical confirmation of indirect land use change in the Brazilian Amazon. Environmental Research Letters 6: art. 024010.

[3] Fearnside, P.M. 2021. O desmatamento da Amazônia. Amazônia Real.

[4] Richards, P.D., R. Walker & E.Y. Arima. 2014. Spatially complex land change: The Indirect effect of Brazil’s agricultural sector on land use in Amazonia. Global Environmental Change 29: 1-9.

[5] Fearnside, P.M. 2022. Por que a rodovia BR-319 é tão prejudicial. Amazônia Real,

[6] Fearnside, P.M. 2024a. Impactos da rodovia BR-319. Amazônia Real.

[7] ClimaInfo. 2024b. Lula promete licenças para petróleo na foz do Amazonas e asfalto na BR-319. ClimaInfo, 14 de novembro de 2024.

[8] Pitombo, J.P. & B. Chagas. 2024. Lula defende obra na BR-319 e vê importância em rodovia com seca na Amazônia. Folha de São Paulo, 10 de setembro de 2024.

[9] Nogueira, E.M., A.M. Yanai, F.O.R. Fonseca & P.M. Fearnside. 2015. Carbon stock loss from deforestation through 2013 in Brazilian Amazonia. Global Change Biology 21:1271–1292.

[10] Carrero, G.C., R.T. Walker, C.S. Simmons & P.M. Fearnside. 2023. Grilagem de terras na Amazônia brasileira. Amazônia Real.

[12]  Santos, J.L., A.M. Yanai, P.M.L.A. Graça, F.W.S. Correia & P.M. Fearnside. 2024. Impacto simulado da BR-319. Amazônia Real.

[13] Fearnside, P.M. 2008. The roles and movements of actors in the deforestation of Brazilian Amazonia. Ecology and Society 13(1): art. 23.

[14] Alencar, A.A., I. Castro, L. Laureto, C. Guyot, M.C.C. Stabile & P. Moutinho. 2021. Amazônia em Chamas – Desmatamento e fogo nas Florestas Públicas Não Destinadas. Nota técnica no 7. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Brasilia, DF.

[15] Azevedo-Ramos, C., P. Moutinho, V.L.S. Arruda, M.C.C. Stabilie, A. Alencar, I. Castro & J.P. Ribeiro. 2020. Lawless land in no man’s land: The undesignated public forests in the Brazilian Amazon. Land Use Policy 99: art. 104863.

[16] Brito, B., P. Barreto, A. Brandão, S. Baima & P.H. Gomes. 2019. Stimulus for land grabbing and deforestation in the Brazilian Amazon. Environmental Research Letters 14: art. 064018.

[17] FPA (Frente Parlamentar Agropecuária). 2024. Todos os membros.

[18] OC (Observatório de Clima). 2023. Cadastro ambiental rural precisa ficar com MMA, dizem 118 organizações. OC, 16 de maio de 2023.

[19] Machado, R. 2023. Lula fala em criar ‘prateleira’ de terras improdutivas para evitar invasões. Folha de São Paulo, 27 de junho de 2023.

[20] Fearnside, P.M. 1979. Desenvolvimento da floresta amazônica: Problemas prioritários para a formulação de diretrizes. Acta Amazonica 9(4) suplemento: 123‑129.

[21] Probst, B., A. BenYishay, A. Kontoleon & T.N.P. dos Reis. 2020. Impacts of a large-scale titling initiative on deforestation in the Brazilian Amazon. Nature Sustainability 3: 1019–1026.

[22] Fearnside, P.M. 2023. Lula e a questão fundiária na Amazônia. Amazônia Real, 17 de janeiro de 2023.

[23] Vilani, M.R., L. Ferrante & P.M. Fearnside. 2023. Os primeiros atos de Lula. Amazônia Real.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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